Estudo de Impacto Ambiental – Deficiências

O movimento ambientalista ganhou força e notoriedade na década de 70, quando a Organização das Nações Unidas (ONU) entendeu necessário inserir a temática ambiental na agenda econômica e política dos países, evitando o crescimento desordenado e a crescente geração de impactos nocivos, tais como a poluição e o comprometimento de nossos recursos naturais.

A partir desse entendimento inicial foi criado o espaço político para a realização da Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente (Estocolmo – Suécia, 1972), um verdadeiro marco divisório que permitiu o desenvolvimento de diversas ações em defesa do meio ambiente e de seus recursos naturais.

Dentre os avanços mais notáveis podemos destacar o surgimento da noção do “Desenvolvimento Sustentável”, permitindo a busca racional do desenvolvimento socioeconômico dos países, necessário para garantir o sustento de bilhões de pessoas, desde que o mesmo estivesse atrelado à imprescindível proteção ao meio ambiente.

O Brasil também foi objeto de profundas transformações na área ambiental, inclusive com o progressivo desenvolvimento de uma legislação ambiental ampla, complexa e rigorosa, tida como uma das mais completas do mundo;

Dentre os dispositivos legais associados à temática ambiental podemos destacar, dentre outros:

  • A Política Nacional do Meio Ambiente (PNMA – Lei n.º 6.938/81);
  • A Constituição Federal de 1988;
  • A Política Nacional dos Recursos Hídricos (PNRH, Lei n.º 9.433/97);
  • A Lei dos Crimes Ambientais (Lei n.º 9.605/98); e
  • A Política Nacional dos Resíduos Sólidos (Lei n.º 12.305/2010).

No que concerne à busca pelo desenvolvimento sustentável o Brasil, a exemplo de inúmeros outros países, instituiu a obrigatoriedade de elaboração do denominado processo de licenciamento ambiental para todos aqueles empreendimentos cujo porte e dimensões sejam potencialmente impactantes ao meio ambiente (Resolução Conama nº 237/97).

De acordo com a citada Resolução do Conama o Licenciamento Ambiental pode ser definido como sendo:

“o procedimento administrativo pelo qual o órgão ambiental competente licencia a localização, instalação, ampliação e a operação de empreendimentos e atividades utilizadoras de recursos ambientais, consideradas efetiva ou potencialmente poluidoras ou daquelas que, sob qualquer forma, possam causar degradação ambiental.”

O processo de licenciamento ambiental estará sempre amparado na realização de estudos técnicos ambientais detalhados que permitam identificar e ponderar acerca dos diversos aspectos ambientais relacionados à localização, instalação, operação e ampliação de uma atividade ou empreendimento.

Assim, ao final do processo de licenciamento ambiental o empreendedor receberá uma licença para operar caso o projeto venha a ser aprovado pelo órgão ambiental responsável.

A licença ambiental possui algumas particularidades que merecem nosso destaque:

  • Consiste em um ato administrativo;
  • O órgão ambiental emitente poderá estabelecer condições, restrições e medidas de controle ambiental que deverão ser obedecidas pelo empreendedor;
  • A licença pode ser concedida para instalar, ampliar, modernizar ou operar empreendimentos ou atividades que utilizem recursos ambientais consideradas efetiva ou potencialmente poluidoras ou aquelas que possam causar degradação ambiental;
  • Em caso de descumprimento de alguma das condicionantes ou de ocorrência de modificações não autorizadas no projeto inicial, a licença poderá ser cancelada.

O processo de licenciamento ambiental foi concebido e estruturado de modo a garantir maior racionalidade às atividade produtivas, evitando o crescimento econômico desordenado e desarticulado com a imperiosa necessidade de proteger o meio ambiente.

Em outras palavras, buscamos garantir o crescimento econômico equilibrado e em consonância com as necessidades do meio ambiente, sendo essas duas dimensões –  economia e meio ambiente –  consideradas interdependentes e harmônicas.

Há que se destacar que o desenvolvimento sustentável impõe a realização de contínuos estudos técnicos que deverão amparar a análise dos empreendimentos e de seus reais impactos sobre o meio ambiente.

O artigo 3º da citada Resolução Conama nº 237/97 resume com clareza essa questão:

“A licença ambiental para empreendimentos e atividades consideradas efetiva ou potencialmente causadoras de significativa degradação do meio dependerá de prévio estudo de impacto ambiental e respectivo relatório de impacto sobre o meio ambiente (EIA/RIMA), ao qual se dará publicidade, garantida a realização de audiências públicas.”

Assim, o desejado “Desenvolvimento Sustentável” dependerá da realização prévia do Estudo de Impacto Ambiental (EIA), base para a correta compreensão das interfaces existentes entre o meio ambiente e as atividades econômicas.

Mas será que os Estudos de Impacto Ambiental são conduzidos de corretamente no Brasil?

Sendo o Estudo de Impacto Ambiental o alicerce sobre o qual pretendemos erguer o desenvolvimento sustentável em nosso país, qual é o grau de confiança que podemos ter quanto a esse instrumento?

Essa dúvida vem me assaltando há muitos anos, pois reconheço que nenhuma corrente é mais forte do que o seu elo mais fraco.

Recentemente li um estudo desenvolvido pela 4ª Câmara de Coordenação e Revisão do Ministério Público Federal intitulado “Deficiências em Estudos de Impacto Ambiental: Síntese de uma Experiência” e datado de 2004.

Trata-se de um livro de pequenas dimensões (apenas 48 páginas), mas com enorme contribuição para ampliar nossa compreensão acerca das deficiências dos Estudos de Impacto Ambiental e, por tabela, dos processos de licenciamento ambiental desenvolvidos no país.

Não pretendo detalhar as principais deficiências encontradas pelos profissionais da 4ª CCR/MPF, pois considero que todos os interessados na temática ambiental deveriam conhecer o trabalho realizado e as justas ponderações do Ministério Público Federal no sentido de buscar o aperfeiçoamento dos Estudos de Impacto Ambiental realizado no Brasil.

Procurarei apenas destacar os pontos que me parecem mais interessantes:

1)     O licenciamento ambiental conduzido pelos órgãos ambientais estaduais apresenta diferenças com relação às etapas estabelecidas pelo Ibama.

2)     O chamado Termo de Referência (TR) é um roteiro que procura delimitar os recortes temáticos que deverão ser contemplados nos estudos e avaliações de impacto de um projeto, sendo uma exigência comum do Ibama e de outros órgãos licenciadores estaduais.

Em que pese a sua importância a elaboração do TR não é obrigatória e não existe, na legislação federal, nenhum dispositivo legal que determine aos órgãos de meio ambiente a sua elaboração.

3)     Os EIA não guardam consonância com os Termos de Referência e, em alguns casos, as exigências contidas nos TR’s foram desconsideradas.

4)     Em alguns casos o objeto associado ao projeto em analise não está suficientemente explicitado, principalmente naqueles casos onde temos diversos subprojetos interdependentes.

5)     Há casos nos quais os EIA não apresenta alternativas tecnológicas para análise comparativa, o que configura o descumprimento dos incisos I e II do art.5º da Resolução Conama n.º 237/97.

Além disso, naqueles casos onde são apresentadas as alternativas tecnológicas (ou locacionais) estas são reconhecidamente inferiores ou inexequíveis, impedindo uma análise correta, isenta e criteriosa.

6)     As áreas de influência dos projetos não são definidas de modo adequado, dificultando  a determinação dos espaços onde incidirão os programas de mitigação ou compensação.

  •  As bacias hidrográficas são desconsideradas;
  • As áreas de influência são delimitadas sem alicerce nas características e vulnerabilidades dos ambientes naturais e nas realidades sociais regionais.

Estas constatações representam descumprimento do inciso III, art. 5º da Resolução Conama n.º 237/97.

7)     Quanto ao diagnóstico ambiental foram identificadas as seguintes inconsistências:

  •  Prazos insuficientes para realizar as pesquisas de campo;
  • Caracterizações baseadas em dados secundários, antigos e desatualizados;
  • Insuficiência de informações quanto à metodologia utilizada;
  • Propostas para execução de diagnósticos APÓS a concessão da licença;
  • Meio Físico e Biótico caracterizados a partir de mapas em escala inadequada ou com ausência de informações;
  • Ausência de mapas temáticos;
  • Ausência de dados que contemplem um ano hidrológico, no mínimo, o que pode resultar em graves problemas e risco elevado de acidentes ambientais em projetos de usinas hidrelétricas;
  • Apresentação de informações inexatas ou contraditórias;
  • Deficiências nas amostragens utilizadas nos estudos;
  • Caracterização incompleta de águas, sedimentos, solos, resíduos, ar, etc.
  • Desconsideração da interdependência entre precipitação e escoamentos superficial e subterrâneo;
  • Ausência ou insuficiência de dados quantitativos sobre a vegetação;
  • Ausência de dados sobre organismos de determinados grupos ou categorias;
  • Ausência de diagnósticos de sítios de reprodução e de alimentação de animais;
  • Pesquisas insuficientes;
  • Conhecimento insatisfatório dos modos de vida de coletividades e de suas redes intercomunitárias;
  • Ausência de estudos acerca do patrimônio cultural;
  • Não adoção de uma abordagem urbanística integrada em diagnósticos de áreas e populações urbanas afetadas;
  • Caracterizações socioeconômicas regionais genéricas, não articuladas às pesquisas locais;
  • Não identificação de determinados impactos;
  • Identificação parcial de impactos;
  • Identificação de impactos genéricos;
  • Identificação de impactos mutuamente excludentes;
  • Tendência à minimização dos impactos negativos e à supervalorização dos impactos positivos;
  • Raramente são desenvolvidos estudos acerca da cumulatividade e da sinergia dos impactos;
  • Proposição de medidas mitigadoras que não são adequadas para solução dos problemas encontrados;
  • Identificação de medidas mitigadoras pouco detalhadas;
  • Ausência de avaliação da eficiência das medidas mitigadoras propostas;
  • Não incorporação ao EIA das propostas desenvolvidas pelos grupos sociais afetados;
  • Ausência de proposição de programa de monitoramento de impactos específicos;
  • Proposição de monitoramento insuficiente;
  • Prazos de monitoramento incompatíveis com as épocas de ocorrência dos impactos.

Estas constatações representam descumprimento do art. 6º da Resolução Conama n.º 237/97.

8)     Quanto ao Relatório de Impacto Ambiental (RIMA), documento que deve acompanhar o EIA, foram identificadas as seguintes falhas/inconsistências:

  •   O RIMA é um documento incompleto;
  • A linguagem utilizada é inadequada à compreensão do público leigo;
  • Há distorção de resultados do EIA para minorar os impactos negativos;
  • Os resultados decorrentes das Audiências Públicas não são cprretamente incorporados ao RIMA.

Estas constatações representam descumprimento do art. 9º da Resolução Conama n.º 237/97.

 Conclusão:

No trabalho em comento foram analisados os respectivos EIA/RIMA de empreendimentos de grande porte, tais como: rodovias, usinas hidrelétricas, complexos turísticos, hidrovias, gasodutos, minerações, distritos industriais, ferrovias, portos, eclusas, transposição de água de rios, aterros sanitários, pontes e barragens.

O rol de falhas e inconsistências identificadas pela 4ª CCR do Ministério Público Federal é inconcebível, quer no que concerne ao seu quantitativo, quer no que tange à sua capacidade de fragilizar o processo de licenciamento ambiental.

Assim, os pontos negativos serão minimizados e os projetos aprovados a despeito dos seus reais impactos negativos.

Muitas das questões destacadas pelo MPF podem ser caracterizados como má-fé, configurando a supremacia do interesse econômico, vinculado aos pequenos grupos de interesse, em detrimento das questões ambientais que dizem respeito ao conjunto da sociedade.

A situação, da forma como está retratada, aponta para um processo de licenciamento ambiental fragilizado e entregue aos interesses mesquinhos do capital aliado à corrupção, reduzindo nossas chances de promovermos o desenvolvimento sustentável.

Os perdedores somos todos nós, uma vez que não há nenhuma garantia de que os projetos estejam sendo analisados de forma isenta, transparente e alicerçada em estudos técnicos de qualidade.

É muito importante conhecermos essa questão e divulgarmos o trabalho desenvolvido pelo MPF.

marceloquintiere@gmail.com

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