Arquivo do mês: julho 2014

Brasília e o Fantasma do Lixão da Estrutural

A cidade de Brasília, também chamada de “capital da esperança”, é reconhecida mundialmente por suas linhas modernas inspiradas nos projetos de Niemeyer.

Ao mesmo tempo em que podemos nos orgulhar de nossos índices associados à renda domiciliar per capita e IDH, convivemos com problemas graves a exemplo do enorme “Lixão da Estrutural”.

De acordo com o Instituto de Pesquisa Tecnológica (IPT), o lixão é uma forma inadequada de disposição final de resíduos sólidos, que se caracteriza pela simples descarga do lixo sobre o solo, sem medidas de proteção ao meio ambiente ou à saúde pública.

Apresença de lixões significa maiores riscos para a saúde humana e comprometimento dos ecossistemas, com maior probabilidade de degradação da qualidade do ar, solo e água.

            O lixão propicia o surgimento de inúmeros problemas socioeconômicos e ambientais, dentre os quais se destacam:

  • Proliferação de vetores de doenças;
  • Produção de chorume ocasionando a contaminação do solo e da água subterrânea;
  • Geração de metano, gás derivado da decomposição da matéria orgânica e considerado como um dos principais agentes responsáveis pelo processo de aquecimento global;
  • Marginalização do homem;
  • Contaminações por metais pesados,
  • Uma vez esgotada a sua capacidade de receber novos resíduos, os lixões se transformam em perigosos depósitos, inviabilizando o uso seguro da área, além de poluir o meio ambiente por dezenas de anos após seu encerramento,
  • A opção pelo uso de lixões é sinônimo de desperdícios financeiros, uma vez que enterra grandes volumes de resíduos que poderiam, alternativamente, ser reciclados ou transformados em combustível.

Em função de todos esses impactos negativos dizemos que os lixões são exemplos concretos de Passivos Ambientais.

O passivo ambiental consiste em um valor monetário que expressa, ainda que sob a forma de estimativa, qual o gasto total que determinada empresa ou instituição deverá arcar no futuro em decorrência dos impactos ambientais gerados por sua atividade produtiva.

De acordo com o IBRACON – Instituto dos Auditores Independentes do Brasil, o passivo ambiental consiste no valor dos investimentos necessários para reparar toda a agressão que se pratica ou praticou contra o meio ambiente.

Qual a interface do GDF com o passivo ambiental representado pelo “Lixão da Estrutural”?

            De acordo com a legislação ambiental brasileira a Administração do GDF é responsável pela recuperação do passivo ambiental representado pelo “Lixão da Estrutural”, uma vez que permitiu a sua criação e posterior expansão ao longo dos últimos 40 anos, por meio do pagamento de elevadas somas para as ações de coleta e disposição equivocada de resíduos.

Além disso, o GDF é responsável pelo referido lixão uma vez que foi omisso na busca de soluções tecnológicas e administrativas, que já existem há décadas, que pudessem reduzir os impactos negativos derivados do lixão, senão vejamos:

  • O DF, apesar de ser uma rica unidade federada, não possui usinas para geração de energia a partir da produção de seus rejeitos;
  • A população do DF ainda não dispõe de um sistema de coleta seletiva confiável e eficaz;
  • Não há um esforço efetivo para implantação de um sistema de logística reversa, o que dificulta a coleta e reciclagem de resíduos mais tóxicos, tais como as baterias de celulares, lâmpadas fluorescentes, eletroeletrônicos, pneus, etc.;
  • O prometido aterro sanitário do DF é uma obra de ficção que passa pelos sucessivos governos sem que nada de concreto seja feito.

Quais as justificativas que amparam a total omissão do GDF, ao longo de tantas décadas, para eliminar os problemas do lixão da estrutural?

Certamente não podemos pensar na falta de recursos orçamentários em uma cidade que se dá ao luxo de construir um estádio de futebol como o Mané Garrincha. Também não podemos imputar a responsabilidade pelo descaso governamental à ausência de tecnologias adequadas.

O que se verifica com certa facilidade é um verdadeiro caos administrativo onde empresários inescrupulosos se alternam no banquete das licitações fraudulentas, tudo com o apoio dos governantes de plantão.

A cada ano explodem denúncias e escândalos que levam ao cancelamento de contratos, ações judiciais movidas pelo Ministério Público e auditorias a cargo do Tribunal de Contas do Distrito Federal.

O que se vê ao final é um rodízio bem orquestrado que beneficia os mesmos grupos políticos e econômicos que consideram o DF com um feudo de sua propriedade.

Na realidade não se verifica o necessário apetite do GDF para atacar o cerne do problema: o lixo produzido deve ser alvo de uma política pública consistente que seja capaz de considerá-lo como um agente gerador de empregos, renda, tributos e qualificação de mão de obra.

A base legal para essa nova mudança de paradigma quanto ao valor do lixo já existe desde 2010 quando o Brasil estruturou a sua política nacional para gestão dos resíduos sólidos em nível nacional, estadual e municipal, englobando o setor público, a sociedade e a iniciativa privada.

A referida Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS), instituída pela Lei n.º 12.305/2010, trouxe profundas inovações quanto à gestão dos resíduos sólidos, dentre as quais a obrigatoriedade de erradicar os lixões até agosto de 2014.

            Para alcançarmos uma solução minimamente razoável devemos observar que os resíduos sólidos não são homogêneos e, portanto, não existe uma tecnologia única que seja capaz de possibilitar tratamento eficaz, a um só tempo, para os resíduos da construção civil (RCC), resíduos de serviços de saúde (RSS), metais, vidros, madeiras, plásticos, resíduos tóxicos perigosos, etc.

A solução ideal consiste na utilização de um mix de tecnologias e políticas públicas cujo efeito se traduzirá em uma gestão mais segura dos resíduos.

Assim, podemos desenvolver a gestão dos resíduos sólidos junto aos municípios adotando as seguintes ações / políticas:

  • Coleta seletiva;
  • Logística Reversa;
  • Educação Ambiental com campanhas de conscientização da sociedade;
  • Construção de Aterros Sanitários;
  • Desativação e Erradicação de Lixões;
  • Estímulo ao Desenvolvimento de Cooperativas de Catadores de Resíduos;
  • Concessão de Estímulos Fiscais pelas Prefeituras;
  • Implantação de Polos de Reciclagem;
  • Estímulo à Não Geração, Redução, Reutilização e Reciclagem dos Resíduo;
  • Produção de Energia Elétrica pela Queima dos Resíduos, etc.

           Trata-se de um conjunto de ações e políticas que devem ser implementadas em conjunto, de modo a propiciar uma gestão racional, reduzindo riscos ambientais e minimizando os custos econômicos.

            O gerenciamento dos resíduos sólidos é uma atividade estratégica, onerosa e bastante complexa e os eventuais erros cometidos poderão resultar em graves problemas socioeconômicos e ambientais.

            A seguir apresentamos um breve resumo das etapas associadas à erradicação dos lixões:

1. A primeira etapa do processo de erradicação dos lixões é a sua DESATIVAÇÃO, momento em que não será mais permitida a disposição dos resíduos novos no local, sendo também proibida a entrada de catadores de resíduos e animais.

          Em geral essa etapa é acompanhada de grande estardalhaço junto à mídia e a classe política costuma aparecer para angariar simpatia dos eleitores.

         Mesmo com a desativação do lixão (não recebimento de lixo novo) e com a adoção de medidas voltadas ao atendimento da questão social dos catadores de resíduos o problema dos lixões ainda está longe de ser solucionado!

        Não podemos esquecer que o lixão não possui impermeabilização em sua base, o que favorece a contaminação do solo pelo chorume e a emissão de gás metano para a atmosfera por longos períodos de tempo (décadas).

        Em outras palavras: deixar de encaminhar lixo novo aos lixões não impede a contaminação de água, solo e atmosfera.

 2. A segunda etapa da erradicação dos lixões consiste no ISOLAMENTO DA ÁREA com desvio das águas fluviais para minimizar a percolação do chorume, bem como a captação e tratamento deste componente extremamente tóxico.

       Os resíduos enterrados podem ser encapsulados com camadas de argila e posterior plantio de gramíneas, solução que nos obrigará a contínuo monitoramento para evitarmos contaminações.

       Há uma solução mais moderna na qual os resíduos são submetidos à denominada mineração de lixões.

         Na mineração de lixões temos a retirada mecânica dos resíduos enterrados, recuperando aquelas áreas anteriormente desvalorizadas, além de propiciar um ciclo virtuoso com a geração de empregos, renda, tributos e qualificação da mão de obra local.

3. A terceira etapa da erradicação dos lixões é a DESCONTAMINAÇÃO do solo e do lençol freático, uma medida essencial para evitar graves contaminações e danos à saúde humana.

         Após a descontaminação ocorrerá a transformação da área e sua utilização para outros fins mais nobres, tais como a construção de shoppings, implantação de programas de habitação popular, etc.

        A título de exemplo podemos observar o significativo volume de recursos que são movimentados na economia quando o GDF decide implantar um novo bairro, tal como Águas Claras.

       São bilhões de reais em obras e construções, inclusive com o recolhimento de tributos em favor do GDF. A área onde está implantado o lixão da estrutural é grande o suficiente e próxima ao Plano Piloto, favorecendo a sua futura utilização na implantação de um novo bairro.

       Nesse momento todos ganham: governo, sociedade e meio ambiente.