Venho trabalhando com a área ambiental ao longo dos últimos 27 anos , em especial no desenvolvimento de livros técnicos, palestras e projetos.
Um aspecto positivo que pude verificar foi o aumento da participação popular nas questões associadas ao meio ambiente, um tema a cada dia mais importante e mais presente no cotidiano das populações, indústrias e governos.
Os temas tais como a proteção da biodiversidade, a preservação da qualidade da água, o aquecimento global e mudanças climáticas saíram do contexto das grandes universidades e centros de pesquisa para ganhar o mundo.
Entretanto, um aspecto me preocupa: a mídia sempre destaca as novas tecnologias e processos inovadores como sendo respostas adequadas e corretas para todos os males e, pior, não se dá nenhum destaque quanto aos aspectos negativos associados àquelas tecnologias.
No mercado financeiro há uma máxima que diz o seguinte:
“Não há almoço grátis!”
Isso significa que sempre há um custo para tudo o que fazemos e que alguém, em algum tempo e lugar, pagará a conta.
Podemos aplicar essa máxima financeira a um processo d efusão entre empresas, à compra de um ativo financeiro (ações, dólar ou ouro) ou a um novo processo tecnológico.
Não importa….alguém sempre pagará a fatura.
Vejamos alguns exemplos mais associados à temática ambiental:
a) A Produção de Álcool.
Quando o Proálcool foi criado em 1985 nosso objetivo era a redução da dependência do petróleo importado, cujo preço atingia patamares muito elevados em decorrência da regulação de cotas de extração elaborada e imposta pela OPEP (Organização dos Países Exportadores de Petróleo).
O resultado foi, de fato, alcançado e nosso país reduziu a dependência do petróleo, mas (e aqui surge a conta do nosso almoço) os danos ambientais são consideráveis, em especial quando pensamos na abertura de imensas áreas para o plantio de cana-de-açúcar, na poluição atmosférica e doenças respiratórias geradas pela queima da palha da cana e, também, nos problemas causados pela ação do vinhoto despejados nos rios durante os primeiros anos do Proálcool.
b) A Substituição do vidro pelo Plástico
Após a segunda Grande guerra Mundial a tecnologia evoluiu significativamente, inclusive com a criação de novos medicamentos tais como a penicilina, etc.
O plástico surgiu nesse período e foi amplamente anunciado pela mídia como um substituto ideal para o vidro nas embalagens. Dizia-se que a utilização do plástico era mais racional, pois seu custo era menor, possuía maior resistência ao impacto, poderia assumir formas desejadas mais facilmente e o seu peso seria menor do que o vidro, facilitando a logística de transporte.
Em poucos anos o plástico assumiu uma posição de destaque no setor de embalagens.
A “conta do almoço” foi apresentada após algumas décadas de uso e descarte irracional: atualmente nossos oceanos se encontram bastante comprometidos por imensas ilhas formadas pelas embalagens plásticas descartadas.
Há um claro comprometimento da fauna e flora dos oceanos e, em alguns casos, já se pode dizer que os danos são irreversíveis[1]. A conta será salgada se considerarmos que muitos países dependem dos recursos pesqueiros para sua alimentação e fonte de renda.
c) A Queima de Combustíveis Fósseis
O avanço tecnológico associado à queima de combustíveis fósseis, tais como o carvão, o petróleo e o gás, possibilitou alavancar o desenvolvimento econômico e social, gerando riquezas inimagináveis.
Após alguns séculos verifica-se a alteração da nossa atmosfera pelo acúmulo dos chamados Gases do Efeito Estufa (GEE), o que potencializa o processo de aquecimento global e as ameaças vinculadas às mudanças climáticas severas.
Obviamente a “conta do almoço” nesse caso poderá fechar o nosso restaurante.
d) Os Telefones Celulares
Os celulares são aplaudidos em todo o mundo como um instrumento divino que aproxima as pessoas, além de potencializarem novos mercados de comunicação e de comércio virtual.
O problema é que os celulares utilizam baterias que contém metais pesados tais como o cádmio, o lítio, etc. Todos esses metais podem gerar danos irreversíveis à saúde humana e ao meio ambiente, em especial no que concerne à poluição do solo e das águas subterrâneas.
É um custo que precisa ser considerado por todos nós, inclusive quando analisamos em êxtase os novos modelos oferecidos no mercado.
e) As Fontes Alternativas de Energia
Em função do processo de aquecimento global e das mudanças climáticas associadas, muitos países passaram a desenvolver estudos voltados à produção de “energia limpa”.
Assim, bilhões de dólares foram investidos para desenvolver tecnologias mais racionais e eficazes para o aproveitamento da energia solar, energia eólica, biocombustíveis, etc.
A mídia internacional procura apresentar as novas tecnologias como sendo um processo mágico, quase divino, com impactos exclusivamente positivos. Nesse contexto os governantes deveriam mudar toda a matriz energética de seus países para garantir a produção contínua e segura de energia a custo reduzido.
Mas será que as fontes alternativas de energia são totalmente limpas? Não há geração de resíduos ou de impactos ambientais?
Para responder a essas questões basta verificar os impactos ambientais associados à produção das turbinas de energia eólica ou à produção de baterias para os novos carros elétricos.
É evidente que os processos de mineração de metais para as baterias ou as instalações industriais necessárias para a produção de bens (turbinas, carros, etc) também podem gerar outros impactos nocivos ao meio ambiente.
f) O Pesticida DDT
O desenvolvimento agrícola observado ao longo do último século está fortemente associado ao surgimento de pesticidas que, de início, garantiram a redução de pragas e doenças nas mais diversas lavouras.
O retorno negativo, ou seja, o “almoço a ser pago” surgiu após alguns anos. Os pesquisadores descobriram que o DDT, um dos pesticidas mais aplicados à época, diminuía a espessura da casca dos ovos e influía na reprodução de muitas espécies de aves.
Além disso, muitos produtos químicos afetam a vida de insetos polinizadores, reduzindo drasticamente a reprodução de espécies vegetais de grande importância econômica.
A doutora Rachel Carson escreveu um best seller ambiental em 1962 denominado “Primavera Silenciosa”, no qual destaca os danos ambientais associados ao uso inadequado dos agrotóxicos. É um livro que todos deveriam ler.
Conclusão
Esse artigo destaca apenas alguns exemplos mais conhecidos de impactos ambientais associados àquelas “soluções mágicas” do passado.
Não devemos ser contrários à tecnologia ou ao desenvolvimento de novos produtos e processos industriais, mas precisamos alertar quanto à necessidade de avaliar as soluções de forma mais isenta e menos apaixonada.
É necessário conhecer o processo de produção, desde a fase de planejamento e aquisição de matéria prima até o descarte dos produtos na fase pós-consumo, ou seja, precisamos nos acostumar a analisar nossas opções em termos mais amplos.
Quando insistimos em exaltar apenas o “lado bom da maçã”, existente em cada projeto inovador, podemos incorrer em erros graves no futuro, pois SEMPRE haverá um lado podre a ser considerado.
Os novos produtos e processos tecnológicos não devem ser considerados como uma solução milagrosa ou o Santo Graal da tecnologia. Ao contrário: devem ser desenvolvidos, analisados e avaliados corretamente em seus aspectos positivos e negativos.
Em síntese: nem sempre o que reluz é ouro….pode ser cádmio, lítio ou mesmo as imensas ilhas de plástico que ameaçam as espécies marinhas.
Este artigo é uma homenagem à minha mãe, Dona Marina de Miranda Ribeiro Quintiere, que completa 75 anos hoje e que foi a grande responsável pelo despertar do meu interesse pela área ambiental.
marceloquintiere@gmail.com
[1] A esse respeito sugiro verificar os meus artigos intitulados “Oceanos Ameaçados” e “Oceanos e Riscos Ambientais” publicados no Blogdoquintiere em 29/10/2012 e 1/11/2012, respectivamente.