Depois de muitos quilômetros de árdua caminhada pelas ruas de Brasília o meu sapato social não resistiu e me brindou com um pequeno furo.
Entre o reforma duvidosa na esquina e a felicidade do consumo imediato confesso que sucumbi à tentação e parti contente em busca de um novo par de sapatos de couro. Enquanto testava as opções de modelo passei a observar o movimento da sapataria e os demais consumidores.
A loja estava lotada e oferecia dezenas de produtos tais como carteiras, cintos, sapatos, maletas, sandálias e outros. Imediatamente lembrei-me das dezenas de bois que contribuíram com aquela euforia de consumo.
Passei a questionar, então, os impactos ambientais da indústria do couro.
Sabemos que toda e qualquer atividade econômica possui estreita vinculação com o meio ambiente.
A associação entre a atividade econômica e o meio ambiente pode ser observada nas seguintes dimensões:
- Aumento da demanda sobre bens e serviços ambientais (ex.: água, solo, oceanos, biodiversidade, etc.);
- Geração de resíduos e/ou processos poluentes (ex.: indústria de produtos químicos, resíduos da construção civil, etc.);
- Produção de Passivos Ambientais que podem vir a comprometer o meio ambiente (ex.: barragens de resíduos químicos, tanques em postos de combustíveis, etc.).
Este artigo analisará a indústria do couro, destacando o processo industrial sob o ponto de vista ambiental, os impactos sobre o meio ambiente e as medidas corretivas que podem ser adotadas para minimizar os problemas detectados.
A Importância do Setor
De acordo com dados da FAO relativos ao ano de 2010 a participação brasileira no mercado mundial de couros alcançou aproximadamente 14%, indicando a importância do setor sob o ponto de vista socioeconômico.
O Ministério do Trabalho apontava um total de 749 estabelecimentos voltados às atividades de curtimento e outras preparações de couro, concentrados nos estados do Rio Grande do Sul e de São Paulo com 30% e 21,2%, respectivamente.
Em termos da geração de empregos o setor de couros, aqui entendido como curtimento e outras operações, era responsável por 39.400 empregos em 2010, ainda de acordo com os dados oficiais do Ministério do Trabalho, sendo que mais da metade das vagas estão concentradas nos estados do Rio Grande do Sul (34,8%) e de São Paulo (17,5%).
O setor foi responsável pela geração de US$ 2 bilhões em exportações no exercício de 2010, o que significou aproximadamente 0,8% do total de exportações do país. De acordo com os dados oficiais da SECEX os maiores importadores do nosso produto são: Itália, China e EUA.
Se considerarmos a indústria de curtume dentro de uma perspectiva associada ao setor calçadista os números são inda mais representativos, com movimento de US$ 21 bilhões, mais de 10.000 indústrias e geração de mais de 500.000 empregos.
Impactos Ambientais Potenciais
A indústria do curtume tem como objetivo transformar a pele dos animais em couro, sendo considerada muito poluente, o que obriga à elaboração do Estudo de Impacto Ambiental (EIA), conforme estabelece a Resolução CONAMA n.º 237/97.
Para fins didáticos podemos dividir a produção do couro em três (3) etapas:
a) Ribeira:
- Objetiva limpar as peles;
- Elimina as partes que não serão utilizadas;
- Prepara a pele para receber os produtos químicos nas fases de curtimento e acabamento;
- Utiliza produtos tais como: cal, sulfeto de sódio, cloreto de sódio, aminoácidos;
- Grande consumo de água gerando elevada produção de efluentes líquidos;
b) Curtimento:
- Transforma a pele em couro (mais estável e não putrescível);
- Pode usar produtos minerais (sulfato de cromo), vegetais (taninos) ou sintéticos (formol);
- As águas residuais são escuras e ácidas em razão da utilização de tanino e sais.
c) Acabamento:
- Complementa a etapa de curtimento;
- Confere ao couro propriedades de cor, resistência, maciez, impermeabilidade, elasticidade, etc.
- Dá o aspecto final ao produto.
Para cada 1.000kg de pele temos, em média, 250 kg de couros acabados e 600 kg de resíduos sólidos que representam um grande potencial poluidor, tais como:
- Gorduras,
- Restos de pele
- Tecido muscular
- Sangue
- Pelos
- Produtos químicos (soda cáustica, ácidos, fungicidas, solventes, sais, corantes, óleos, resinas, tintas, etc.).
A indústria do curtume apresenta um elevado consumo de água, em média 30 m³ para cada tonelada de pele processada, o que pode contribuir para o desequilíbrio hídrico em alguns casos.
Além do consumo de água temos de considerar o seu descarte em condições insatisfatórias aumentando a poluição hídrica e os impactos sobre os ecossistemas.
Os impactos mais comuns observados são:
- Odor desagradável;
- Contaminação de águas superficiais e subterrâneas em razão da carga orgânica dos efluentes;
- Contaminação do solo;
- Aumento da DBO (Demanda Bioquímica de Oxigênio) e da DQO (Demanda Química de Oxigênio), comprometendo a biodiversidade local;
- Envenenamento dos peixes pela elevada carga de matéria orgânica e produtos químicos;
- Atração de vetores de doenças como ratos, insetos, etc.
Conclusão
O potencial poluidor de um curtume com capacidade para processar 3000 peles/dia é equivalente àquele gerado por uma cidade com população de 85.000 habitantes.
Os efluentes líquidos devem ser tratados em diversas etapas para remoção do cromo e demais componentes orgânicos, de modo a promover o seu enquadramento nas normas ambientais.
Os curtumes devem, também, buscar alternativas voltadas à redução do volume de água a ser empregada, evitando, na medida do possível, o uso de temperaturas elevadas no processo de ribeira.
Os efluentes gasosos (amônia e gás sulfídrico) devem ser removidos com o emprego de soluções depuradoras.
O uso do cromo requer grande cuidado no manuseio e descarte, uma vez que possui propriedades cancerígenas, devendo ser recuperado para reutilização uma vez que esse procedimento não afeta a qualidade do couro.
Bibliografia Consultada
Banco do Nordeste do Brasil Manual de Impactos Ambientais – Orientações Básicas sobre Aspectos ambientais de Atividades Produtivas. Fortaleza, 1999.
GANEM, Roseli S. Curtumes: aspectos Ambientais. Biblioteca Digital da Câmara dos Deputados. Brasília – 2007.
PACHECO, J.W.F. Curtumes. São Paulo: CETESB. 2005. Série P+L