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Passivos Ambientais: O Risco Nosso de Cada Dia

No dia 5 de novembro de 2015 o pequeno povoado de Bento Rodrigues, um subdistrito do município de Mariana (MG), teve sua longa história de 317 anos profundamente alterada, com a morte de aproximadamente 20 pessoas e a destruição, em dimensões inacreditáveis, de toda a sua infraestrutura, além do comprometimento dos ecossistemas ao longo de centenas de quilômetros.

A tragédia não ocorreu em razão da queda de um meteorito errante, nem pela ocorrência de um terremoto devastador ou outro fenômeno natural imprevisível.

Ao contrário…

Foi construída por mãos humanas ao longo de décadas e carrega a combinação letal de ganância, arrogância, imprudência, impunidade e incapacidade gerencial, tanto da empresa privada responsável, quanto dos órgãos e gestores públicos envolvidos.

A origem da tragédia, já considerada por muitos como o maior acidente ambiental do Brasil, está associada ao rompimento de uma das barragens de resíduos pertencentes à Mineradora Samarco, uma empresa de grande porte controlada por duas gigantes globais do setor da mineração: a Companhia Vale do Rio Doce, brasileira, e a BHP Billinton, controlada por capital anglo-australiano.

As barragens de resíduos, sejam oriundas de projetos industriais ou decorrentes da exploração mineral, são exemplos de “passivos ambientais”, um tema ainda pouco explorado no Brasil, que, entretanto, vem conquistando a atenção dos profissionais de diversas áreas do conhecimento, inclusive advogados, em razão da severidade dos impactos gerados e do crescimento de casos similares em todo o mundo.

Esse tipo de ocorrência não constitui, infelizmente, um caso isolado no Brasil. A título de exemplo destacamos alguns casos ilustrativos de passivos ambientais:

  • O acidente de Cataguases (MG) em 2003;
  • O deslizamento do Morro do Bumba em Niterói (RJ), ocasionando a morte de 48 pessoas e dezenas de feridos em 2010;
  • Rompimento de barragem de resíduos em Itabirito (MG) em 2014;
  • O Lixão da Alemoa no Porto de Santos (SP);
  • O aterro Industrial de Ingá (RJ);
  • Os milhares de lixões distribuídos por nossos municípios, e outros.

Os passivos ambientais existem aos milhares em nosso país e, na grande maioria dos casos, ainda não estão adequadamente identificados e mapeados pelos órgãos ambientais dos estados e municípios. Estamos diante de uma ameaça significativa que, a depender dos produtos tóxicos armazenados, poderá ocasionar uma tragédia sem precedentes.

Obviamente não constitui nosso objetivo demonizar a atividade mineradora no Brasil, mas os riscos crescentes, inclusive no que tange ao surgimento de novos passivos ambientais, nos obrigam a uma reflexão ponderada e imparcial acerca do problema e da necessidade de buscarmos soluções equilibradas.

Não é possível acreditar cegamente no falso dilema entre o estímulo à produção econômica e a imperiosa obrigação moral de proteção ao meio ambiente.

As soluções existem, sendo necessário o desenvolvimento de análises técnicas e políticas das complexas questões envolvidas de modo a criar uma proposta factível que permita o equilíbrio entre o crescimento econômico e a proteção ambiental.

Este documento tem como objetivo a análise dos riscos vinculados à atividade mineradora, e destacar aspectos relevantes que merecem maior atenção por parte dos órgãos públicos envolvidos.

1 – Os Possíveis Impactos da Mineração

Os diversos impactos associados à atividade mineradora podem ser didaticamente agrupados em três grandes dimensões: ambiental; social e econômica, descritas resumidamente a seguir:

  1. Impactos Ambientais
  • Supressão vegetal;
  • Comprometimento da biodiversidade;
  • Degradação da paisagem;
  • Aumento do ruído;
  • Extração excessiva de água (conflito de uso);
  • Remoção do solo e liberação de finos com alta toxidade;
  • Contaminação do solo, atmosfera, água superficial e subterrânea por metais pesados;
  • Formação de grandes passivos ambientais extremamente perigosos, tais como as barragens de rejeitos; e outros.
  1. Impactos Sociais
  • Alteração da estrutura social da população;
  • Ação negativa sobre minorias étnicas (índios e quilombolas);
  • Aumento do fluxo migratório e inchaço urbano;
  • Maior incidência de doenças;
  • Sobrecarga dos serviços sociais.
  1. Impactos Econômicos
  • Elevação na concentração de renda;
  • Alteração dos modos de produção tradicionais;
  • Redução do potencial agrícola e pecuário nas áreas afetadas;
  • Impactos negativos na agroindústria;
  • Elevação nos custos de tratamento de doenças pelo SUS;
  • Especulação imobiliária, e outros.

2 – A Questão Específica dos Passivos Ambientais

As operações de mineração são responsáveis, ainda, pela formação de grandes passivos ambientais.

Em termos conceituais o passivo ambiental consiste em um valor monetário que procura expressar, ainda que sob a forma de estimativa, qual o gasto total que determinada empresa ou instituição deverá arcar no futuro em decorrência dos impactos ambientais gerados por sua atividade produtiva.

De acordo com o IBRACON – Instituto dos Auditores Independentes do Brasil, o passivo ambiental consiste no valor dos investimentos necessários para reparar toda a agressão que se pratica ou praticou contra o meio ambiente.

Para UEHARA, o passivo ambiental se constitui no dia-a-dia das operações, consistindo em contrapartida às alterações ambientais provocadas pelas atividades econômicas desempenhadas pelas empresas.

Assim, um passivo ambiental representa toda e qualquer obrigação destinada, única e exclusivamente, a promover investimentos em prol de ações relacionadas à extinção ou amenização dos danos causados ao meio ambiente, inclusive os valores direcionados a investimentos na área ambiental (MALAFAIA).

Os passivos ambientais existem aos milhares em nosso país e, na grande maioria dos casos, não são conhecidos pelos órgãos ambientais dos estados e municípios. O Brasil ainda não possui um mapeamento confiável capaz de identificar, monitorar e neutralizar os milhares de exemplos de passivos ambientais existentes em nosso território.

3 – As Barragens de Resíduos de Mineração: Ameaça Silenciosa 

Por que as mineradoras constroem grandes barragens de resíduos?

A regra imposta pela natureza consiste na combinação aleatória de minérios de valor econômico associados a grandes volumes de rocha estéril cujo valor não justifica sua exploração, fato que constitui um limitador da atividade mineradora.

Os empreendedores são obrigados a limitar seus custos com a logística de transporte, promovendo a separação do material estéril nas proximidades da mina, obtendo maior concentração do minério que se deseja explorar comercialmente.

Assim, o uso e manutenção das barragens de rejeitos, construídas para receber grandes volumes de material estéril, constitui um dos principais problemas da indústria mineradora.

As barragens de resíduos existem em todos os países, desenvolvidos ou não, e são utilizadas em diversos segmentos industriais, sendo frequente o surgimento de problemas associados ao seu rompimento e a consequente promoção de impactos ambientais bastante sérios.

Uma barragem de rejeitos constitui uma verdadeira bomba relógio prestes a explodir e o seu potencial de geração de danos decorre dos seguintes aspectos básicos: o volume de rejeitos estocados, a composição dos rejeitos e as ações voltadas à manutenção da estrutura das barragens.

O volume estocado na barragem é um elemento importante para a sua própria segurança estrutural, pois representa o peso que a estrutura física deverá suportar ao longo de anos.  Se houver incremento no volume estocado a barragem poderá ter sua estrutura física comprometida e o eventual rompimento gerará danos significativos, inicialmente pelo impacto físico de milhões de metros cúbicos de material e, depois, pela ação dos componentes nos ecossistemas.

A questão associada à composição dos resíduos é, também, fundamental para que possamos compreender os riscos vinculados às barragens de uma indústria mineradora.

Os resíduos estocados possuem composição distinta conforme o processo produtivo envolvido e a matéria prima utilizada.

Assim, não é raro encontrarmos barragens contendo resíduos bastante tóxicos, tais como metais pesados, cujos impactos sobre a saúde humana são evidentes, podendo provocar severas contaminações e o comprometimento da qualidade da água subterrânea, do solo agricultável e da biodiversidade por longos períodos de tempo. Além disso, os metais pesados possuem maior persistência no meio ambiente, sendo mais lenta a neutralização de seu potencial de risco.

A contaminação por metais pesados e demais produtos tóxicos tende a comprometer a denominada resiliência dos ecossistemas, ou seja, a sua capacidade natural de recuperar a condição de equilíbrio anterior.

A lama tóxica derivada da produção industrial é um exemplo comum de passivo ambiental, sendo necessário providenciar sua redução, neutralização do potencial de risco ou até mesmo a utilização econômica em outro processo produtivo de modo a minimizar seu potencial de risco.

4 – A Responsabilização pelo Acidente

Uma vez identificados os diversos impactos socioeconômicos e ambientais decorrentes do rompimento da barragem pertencente à empresa Samarco, cumpre-nos observar aspectos relevantes que poderão nortear a responsabilização da mineradora, de seus gestores e, ainda, dos órgãos governamentais envolvidos.

Em uma síntese bastante apertada, podemos resumir os impactos ocasionados da seguinte forma:

  1. Morte de aproximadamente vinte pessoas;
  2. Destruição do patrimônio de terceiros;
  3. Destruição de patrimônio histórico de caráter religioso;
  4. Comprometimento dos recursos hídricos;
  5. Interrupção da captação de água pelos municípios, afetando centenas de milhares de pessoas;
  6. Lucro cessante de empresas que foram impedidas de captar água para seus processos produtivos;
  7. Comprometimento da biodiversidade local;
  8. Destruição de mata ciliar;
  9. Derramamento de enorme volume de lama proveniente da mineração cuja composição apresenta concentração de metais pesados;
  10. Danos à paisagem natural;
  11. Comprometimento da resiliência dos ecossistemas afetados.

Evidentemente há que se considerar que o supracitado conjunto de impactos decorrentes do acidente colide frontalmente com o disposto em nossa Constituição Federal, em especial no que tange à manutenção e defesa do meio ambiente, enquanto bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida:

“Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.” 

De acordo com nossa legislação em vigor a ocorrência de um dano ambiental significativo poderá impor aos responsáveis a aplicação de sanções nas esferas Administrativa, Cível e Penal.

Quanto ao âmbito administrativo temos a possibilidade da aplicação de multas e demais sanções pelos órgãos ambientais nas esferas federal, estadual e municipal, além da atuação de outros órgãos públicos eventualmente responsáveis pela fiscalização dos projetos.

 A definição quanto ao ente responsável pela aplicação das sanções costuma estar associada à origem do processo de licenciamento da empresa/projeto, bem como à jurisdição pelas áreas afetadas.

No que tange à esfera penal recorremos à Lei n.º 9.605/98, conhecida como a Lei dos Crimes Ambientais, que dispõe sobre as sanções penais e administrativas derivadas de condutas e atividades lesivas ao meio ambiente.

De acordo com o artigo 2º daquele dispositivo legal quem, de qualquer forma, concorre para a prática dos crimes previstos na Lei, incide nas penas a estes cominadas, na medida da sua culpabilidade, bem como o diretor, o administrador, o membro de conselho e de órgão técnico, o auditor, o gerente, o preposto ou mandatário de pessoa jurídica, que, sabendo da conduta criminosa de outrem, deixar de impedir a sua prática, quando podia agir para evitá-la.

Há que se destacar que as pessoas jurídicas também poderão ser responsabilizadas administrativa, civil e penalmente, nos casos em que a infração seja cometida por decisão de seu representante legal ou contratual, ou de seu órgão colegiado, no interesse ou benefício da sua entidade (art. 3º da Lei 9.605/98).

Em outras palavras, a responsabilidade das pessoas jurídicas não exclui a das pessoas físicas, autoras, coautoras ou partícipes do mesmo fato.

Outro aspecto importante a ser destacado é que a Lei dos Crimes Ambientais prevê a denominada desconsideração da pessoa jurídica sempre que sua personalidade for obstáculo ao ressarcimento de prejuízos causados à qualidade do meio ambiente.

A tabela a seguir procura identificar alguns dos principais enquadramentos penais e suas respectivas sanções previstas na Lei dos Crimes Ambientais em face do acidente decorrente do rompimento da barragem da empresa SAMARCO.

Tabela n.º 01: enquadramentos penais e suas respectivas sanções previstas na Lei dos Crimes Ambientais

ARTIGO TEXTO LEGAL PENA
 

 

 

Art. 33

Dos Crimes contra a Fauna

 

Provocar, pela emissão de efluentes ou carreamento de materiais, o perecimento de espécimes da fauna aquática existentes em rios, lagos, açudes, lagoas, baías ou águas jurisdicionais brasileiras:

 

 

 

Detenção, de um a três anos, ou multa, ou ambas cumulativamente.

 

Art. 48

Dos Crimes contra a Flora

 

Impedir ou dificultar a regeneração natural de florestas e demais formas de vegetação

 

 

Detenção, de seis meses a um ano, e multa.

 

 

 

Art. 50-A

 

Desmatar, explorar economicamente ou degradar floresta, plantada ou nativa, em terras de domínio público ou devolutas, sem autorização do órgão competente:   (Incluído pela Lei nº 11.284, de 2006)

 

 

Reclusão de 2 (dois) a 4 (quatro) anos e multa.         (Incluído pela Lei nº 11.284, de 2006)

 

 

 

 

Art. 54

Da Poluição e outros Crimes Ambientais

 

 

 

 

Causar poluição de qualquer natureza em níveis tais que resultem ou possam resultar em danos à saúde humana, ou que provoquem a mortandade de animais ou a destruição significativa da flora:

 

 

 

Reclusão, de um a quatro anos, e multa.

 

 

 

 

 

§ 2º Se o crime:

 

I – tornar uma área, urbana ou rural, imprópria para a ocupação humana;

III – causar poluição hídrica que torne necessária a interrupção do abastecimento público de água de uma comunidade;

IV – dificultar ou impedir o uso público das praias;

 

 

 

 

Reclusão, de um a cinco anos.

 

 

Art. 62

Dos Crimes contra o Ordenamento Urbano e o Patrimônio Cultural

 

Destruir, inutilizar ou deteriorar:

 

II – arquivo, registro, museu, biblioteca, pinacoteca, instalação científica ou similar protegido por lei, ato administrativo ou decisão judicial:

 

 

 

 

Reclusão, de um a três anos, e multa

 

Art. 63.

Alterar o aspecto ou estrutura de edificação ou local especialmente protegido por lei, ato administrativo ou decisão judicial, em razão de seu valor paisagístico, ecológico, turístico, artístico, histórico, cultural, religioso, arqueológico, etnográfico ou monumental, sem autorização da autoridade competente ou em desacordo com a concedida  

 

Reclusão, de um a três anos, e multa.

Na esfera Cível a questão é um pouco mais complexa, haja vista a necessidade de, uma vez ocorrido o dano ambiental, atribuir valores monetários aos diversos componentes naturais dos ecossistemas afetados (ex.: água, solo, biodiversidade, etc.), o que envolve um grau considerável de subjetividade.

Além do óbvio compromisso moral, ético e legal de indenizar as famílias dos trabalhadores mortos e demais contaminados, as empresas são ainda obrigadas a reparar os danos gerados ao meio ambiente.

Isto decorre do fato de que o Direito Ambiental no Brasil, assim como em outros países desenvolvidos, adota a Teoria Objetiva da Responsabilidade que, por sua vez, encontra amparo na conhecida Teoria do Risco Integral:

Quem recebe os lucros de uma atividade deve estar preparado para assumir os eventuais danos causados a terceiros”.

A Teoria Objetiva da Responsabilidade tem como elementos básicos o dano causado e a existência do denominado nexo de causalidade com determinada atividade produtiva, não sendo necessário, para efeito da aplicação de sanções na esfera administrativa, o desenvolvimento de provas ou elementos comprobatórios acerca da culpa do infrator, conforme se verifica nos seguintes dispositivos legais:

  1. Lei n.º 6.938/81 – PNMA Art. 14, § 1º:

“Sem obstar a aplicação das penalidades previstas neste artigo, é o poluidor obrigado, independentemente de existência de culpa, a indenizar ou reparar os danos causados ao meio ambiente e a terceiros, afetados por sua atividade”.

  1. CF/ 1988, Art. 225, § 3º:

“As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados”.

  1. Código Civil de 2002 – Lei n.º 10.406/2002, Art. 927, § único

“Haverá a obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem”.

Ou seja, não há necessidade de aferição de negligência, imprudência ou imperícia por parte do causador do dano para que exista o dever de indenizar, bastando que a ação/omissão realizada pelo infrator gere dano. Ademais, o dever de indenizar independe do caráter lícito do ato/omissão praticado pelo infrator.

5 – Conclusão

O acidente de Mariana representa mais um triste exemplo de passivo ambiental construído ao longo de décadas e suas consequências, extremamente graves, se farão sentir por muitos anos.

Infelizmente não representa uma ocorrência pontual regida pelo acaso. Ao contrário: constitui uma prova da combinação letal de ganância, arrogância, imprudência, impunidade e incapacidade gerencial, tanto da empresa privada responsável, quanto dos órgãos e gestores públicos envolvidos.

Os erros cometidos pela empresa, em especial no que concerne à ausência de um plano eficaz de contingência em caso de acidentes, bem como os erros associados às previsões da rota que seria assumida pela onda de resíduos retratam o descaso do setor privado e a incapacidade do setor público, notadamente o DNPM, em realizar as necessárias fiscalizações e controle sobre os empreendimentos de mineradoras no país.

A adoção, pela SAMARCO, de um sistema de alerta de acidente baseado simplesmente no uso de telefones ao invés da implantação de um sistema de sirenes e treinamentos prévios potencializou os danos gerados, em especial no que concerne à perda de vidas humanas.

A combinação desses fatores, associada à carga da barragem, à ausência de uma fiscalização mais eficaz pelos órgãos públicos responsáveis, bem como a construção de alteamentos da barragem a montante (uma técnica reconhecidamente mais barata e de maior risco) foi fatal para uma comunidade reconhecidamente carente, limitando o tempo de resposta e de reação das vítimas.

Enquanto houver espaço para teses controversas, tais como a ocorrência de terremotos, continuaremos a contar novos acidentes e mortes decorrentes dos passivos ambientais no Brasil.

A Auditoria Ambiental e suas Aplicações

Toda atividade econômica gera impactos sobre os ecossistemas, seja pela demanda sobre os recursos naturais (água, solo e biodiversidade), seja pelo aumento das várias formas de poluição ou pelo surgimento dos passivos ambientais.

Anteriormente os grandes projetos industriais eram executados sob o argumento da necessidade irrefreável de priorizar o desenvolvimento econômico, objetivando a geração de riquezas, emprego, tributos, etc.

O meio ambiente constituía um parâmetro de menor relevância, ignorado como se os eventuais impactos ambientais não representassem riscos.

Assim, o meio ambiente foi considerado durante décadas como um parâmetro menor no processo de análise e decisão empresarial, propiciando que projetos inviáveis pudessem ser implantados e operados impunemente.

Estas distorções demonstram a necessidade de que a análise de viabilidade econômica considere a componente ambiental sob o risco de superestimar as reais potencialidades do projeto.

Em outras palavras, se não analisarmos os componentes ambientais e seus desdobramentos poderemos contribuir para a aprovação de projetos inviáveis já em sua origem.

A auditoria ambiental surgiu nos EUA durante a década de 70, tornando-se uma ferramenta de gerenciamento para identificar antecipadamente os problemas que as empresas poderiam provocar com sua operação.

Inicialmente as empresas americanas pretendiam utilizar a auditoria ambiental com os seguintes objetivos:

  • Garantir que sua produção estava em conformidade com a legislação ambiental;
  • Reduzir os custos decorrentes de reparos/adequação em sua estrutura física;
  • Reduzir o absenteísmo e o tratamento de saúde de seus funcionários;
  •  Definir as alternativas tecnológicas mais adequadas para minimizar seus impactos ambientais, tais como a instalação de filtros, substituição de máquinas e/ou matéria prima, etc.;
  • Obter uma imagem positiva da empresa e de seus produtos perante um mercado consumidor cada vez mais exigente e consciente das questões ambientais.

A normatização em nível internacional foi alcançada apenas na década de 90 com o desenvolvimento da Série ISO 14.000, normas desenvolvidas em caráter voluntário, sem instrumentos legais que forcem sua adoção.

No Brasil as normas da Série ISO 14.000 foram adotadas após sua tradução e publicação, a cargo da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), em 1996, sendo que a auditoria ambiental está contemplada nas normas NBR ISO 14.010, 14.011 e 14.012, conforme a tabela a seguir.

Tabela n.º 01:  Normas de Auditoria Ambiental da ABNT

Norma Conteúdo
NBR ISO   14.010 Estabelece   os princípios gerais aplicáveis a todos os tipos de auditoria ambiental.  Essa norma contém, também, definições   acerca de termos técnicos normalmente empregados nas auditorias ambientais.
NBR ISO   14.011 Esta   norma está relacionada especificamente   com as auditorias de Sistema de Gestão Ambiental (SGA).
NBR ISO   14.012 Critérios   de qualificação para auditores ambientais.

Fonte: ABNT, 1994.

 As Aplicações Mais Comuns da Auditoria Ambiental

Conforme mencionamos anteriormente, a auditoria ambiental é um instrumento de análise que pode ser utilizado de diversas formas, dependendo dos objetivos a serem alcançados, tais como:

a) Análise da Conformidade Legal

A auditoria ambiental voltada à conformidade legal procura verificar se uma determinada empresa observa as condicionantes e limites ambientais impostos pela legislação.

As empresas necessitam de uma orientação no sentido de atender plenamente o disposto na legislação ambiental, evitando a aplicação de multas e outras sanções legais como a paralisação temporária das atividades ou mesmo o seu fechamento definitivo.

Por outro lado, uma empresa em conformidade com os ditames legais pode dar início a um processo de certificação ambiental com vistas à obtenção de um “selo verde” dos seus produtos para, consequentemente, conquistar outros mercados consumidores.

Neste tipo de utilização da auditoria ambiental, procura-se observar, dentre outros aspectos:

  • Se os padrões de lançamento de resíduos e de efluentes na atmosfera e nos corpos hídricos estão dentro dos limites especificados pela legislação;
  • Se a empresa vem cumprindo as condicionantes impostas pelo órgão ambiental no processo de licenciamento;
  • Se a empresa auditada cumpre as normas legais no que tange ao acondicionamento, transporte, tratamento e disposição final de resíduos, etc.

b) Avaliação de Risco Ambiental

Quando uma empresa decide construir, ampliar ou reformar sua planta industrial, é necessário que o processo de decisão considere os aspectos da legislação ambiental, em especial no que concerne ao risco ambiental decorrente de possíveis acidentes.

A empresa poderia, para sua maior segurança, contratar uma empresa especializada em auditorias ambientais de forma a identificar todos os pontos vulneráveis de seu processo produtivo, desde a aquisição da matéria-prima até a logística de venda do seu produto final, passando pelos processos industriais e resíduos gerados.

A auditoria poderia verificar, igualmente, quais os resíduos formados no processo produtivo e apontar a melhor alternativa tecnológica para sua eliminação.

Uma vez de posse desses dados técnicos é possível a tomada de decisão acerca da real viabilidade do empreendimento.

c.  Apuração de Responsabilidade em Acidentes

A legislação ambiental no Brasil determina que, em casos de acidentes, o agente responsável seja multado pela ocorrência do impacto ambiental e, ainda, promova a reparação dos danos causados.

A auditoria ambiental poderia ser utilizada para identificar o responsável pelo acidente, relacionar os danos ambientais decorrentes e valorá-los em termos financeiros, de forma a amparar ações na esfera judicial para ressarcimento dos danos.

Veja o exemplo de um vazamento de petróleo que atinge uma área turística ou com grande potencial pesqueiro.

De acordo com a legislação ambiental brasileira a empresa responsável pelo vazamento deverá ser multada pelo órgão ambiental competente, além de ser obrigada a reparar ou compensar os danos causados ao meio ambiente e a terceiros.

Como podemos observar, a reparação dos danos decorrentes de um acidente envolve estudos profundos sobre o meio ambiente afetado e suas relações com os demais ecossistemas, além da aplicação de técnicas para valoração econômica dos impactos ambientais.

Essas ações podem ser desenvolvidas no âmbito de uma auditoria ambiental.

d. Identificação de Passivos Ambientais

 Um passivo ambiental representa o valor financeiro que determinada empresa deverá assumir futuramente em razão das alterações que o seu processo produtivo impõe ao meio ambiente.

Embora estejam comumente associados a acidentes ou danos que afetam o meio ambiente os passivos ambientais possuem diversas outras origens, tais como:

  • Custos associados às ações para reparação de danos ambientais;
  • Custos de indenizações a terceiros em decorrência de acidentes ambientais;
  • Multas aplicadas por órgãos ambientais em decorrência de falhas e inconsistências apresentadas pela empresa e sua atividade produtiva;
  • Tanques de combustível deteriorados em postos de serviço;
  • Instalações industriais desativadas ou abandonadas;
  • Resíduos de processos industriais lançados sem controle na atmosfera, nos corpos hídricos e no solo;
  • Produtos descartados ao final de sua vida útil sem que sejam adotadas medidas de proteção adequada (pneus, baterias automotivas, computadores e seus acessórios, baterias de telefones celulares e outros);
  • Lixões a céu aberto;
  • Solo contaminado pelo uso de agrotóxicos;
  • Manutenção de equipes ou departamentos voltados para a questão ambiental;
  • Aquisição preventiva de equipamentos para controle da poluição; etc.

Os passivos ambientais representam custos que, em muitas oportunidades, são elevados o suficiente para inviabilizar processos de aquisição ou fusão entre empresas.

Caso a empresa compradora não observar a existência de passivos ambientais de responsabilidade da empresa a ser adquirida o risco associado à transação será potencializado, pois os custos destinados a conter ou remediar os passivos não estará contemplado nos cálculos iniciais.

Assim, a auditoria ambiental pode ser extremamente útil no sentido de permitir o cálculo mais justo e acurado de valores em processos de compra ou fusão de empresas, identificando:

  • A existência de passivos ambientais;
  • A natureza dos passivos identificados;
  • A responsabilidade pela eliminação dos passivos;
  • As tecnologias existentes para redução dos riscos associados aos passivos;
  • O custo financeiro para adoção das medidas preconizadas;
  • O período de tempo necessário para eliminar os passivos.

e.  Certificação Ambiental

A busca de novos mercados consumidores é uma necessidade imperiosa para as empresas em um mundo globalizado e o meio ambiente é uma das condicionantes que vêem sendo consideradas na conquista de novos mercados, dada a exigência dos consumidores.

Veja o caso de uma empresa de móveis que utiliza o mogno da Amazônia de forma predatória ou não sustentável.

Ao tentar vender seus produtos em países mais desenvolvidos  onde a sociedade possui considerável nível de conscientização, a empresa enfrentará barreiras legais associadas ao meio ambiente, sendo proibida de vender.

Os consumidores da Europa, EUA e Japão demandam produtos elaborados de forma racional e ambientalmente sustentável e, em futuro próximo, esse comportamento deverá ser ampliado para um leque maior de produtos, forçando os produtores e exportadores a adotar novos processos produtivos que garantam a sustentabilidade ambiental de sua produção.

Mas qual é a garantia ou certeza que um consumidor inglês ou alemão pode ter de que a sua nova mesa de mogno foi fabricada com madeira obtida em cultivos sustentados?  Ele não corre o risco de “comprar gato por lebre” ?

A garantia está no processo de Certificação Ambiental, onde as empresas produtoras se submetem a um rigoroso exame em suas instalações, processos industriais e fornecedores de matéria-prima de forma a atestar que o seu produto apresenta sustentabilidade.

Uma vez de posse desse Certificado Ambiental, conhecido também como “selo verde”, a empresa garante o seu acesso a um mercado consumidor mais exigente e que está disposto a pagar um sobrepreço pela qualidade do produto.

A Certificação Ambiental é obtida mediante o atendimento pela empresa de uma série de condicionantes e etapas que atestarão a qualidade e sustentabilidade do processo produtivo e sua adequabilidade aos ditames legais.

 Isso envolve, obviamente, um processo semelhante ao de uma auditoria ambiental destinada a verificar os procedimentos da empresa face à legislação ambiental e, também, se a empresa tem condições de comprovar a utilização de um manejo sustentável dos recursos naturais à disposição no seu parque industrial.

A citada verificação é continuada uma vez que as empresas poderiam agir de má fé e ajustar seus processos apenas momentaneamente para receber sua certificação, voltando ao padrão anterior.

 Assim, as empresas que já obtiveram o seu Certificado Ambiental ou “selo verde” são submetidas posteriormente à sucessivas auditorias para atestar a manutenção dos padrões exigidos pela legislação e pelo mercado consumidor, o que garante a perpetuação das práticas e políticas ambientais sustentáveis ao longo dos anos.

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