A Transposição do São Francisco – Parte 4

           Os últimos três artigos escritos em meu blog tinham como objetivo apresentar o Projeto de Transposição do Rio São Francisco (PTRSF) em uma linguagem clara e imparcial.

            Assim, procuramos destacar a necessidade de inserção da região conhecida como Nordeste Setentrional no esforço produtivo nacional, superando suas reconhecidas limitações e dificuldades.

            Mais adiante destacamos as características do projeto quanto às obras de engenharia e as justificativas para sua construção. Nosso terceiro artigo abordou os aspectos negativos do projeto, em especial no que tange ao meio ambiente.

            Neste artigo desenvolveremos uma análise vinculada aos aspectos positivos do PTRSF, dentre os quais se destacam:

a)    Aquecimento da Economia na Fase de Implantação do PTRSF:

           Um dos principais aspectos positivos do PTRSF está associado ao aquecimento da economia local, com a geração de emprego e renda em razão da magnitude e abrangência geográfica das obras.

           Devemos considerar que os canais e as demais obras de engenharia (usinas, estações elevatórias, etc.) serão construídos em regiões muito carentes nas quais não é comum a alocação de recursos públicos em investimentos.

           Dentre os principais problemas socioeconômicos do Nordeste Setentrional podemos elencar:

  •  Baixo IDH;
  • PIB per capita reduzido;
  • Baixa qualificação profissional;
  • Alto índice de analfabetismo.

           A alocação de grandes somas de recursos públicos em obras voltadas ao desenvolvimento regional permitirá a redução dos desníveis observados entre o Nordeste Setentrional e as demais regiões do país, contribuindo para um crescimento mais justo e harmônico.

b)   Suporte à implantação de indústrias e polos de agricultura irrigada:

           Verificamos em nossos artigos anteriores que o Nordeste Setentrional não dispõe de volume de água suficiente para garantir a sua industrialização e a implantação de projetos de irrigação de grande porte.

           Mesmo se considerarmos a contribuição dos açudes construídos entre as décadas de 60 e 90, bem como a presença de grandes aquíferos na região, a disponibilidade de água estritamente destinada aos projetos econômicos ainda é limitada.

           A construção dos açudes de grande porte possibilitou a acumulação de milhões de metros cúbicos de água, mas sua destinação básica está atrelada ao atendimento das demandas da população e à dessedentação animal.

           Trata-se, assim, de um estoque estratégico de água que o governo estruturou para fazer frente às situações de emergência, tais como uma seca prolongada na região.

           Para melhor exemplificarmos a questão poderíamos comparar os açudes como uma poupança individual (construída ao longo de muitos anos) cujo objetivo é auxiliar a família em momentos de dificuldades como a eventual perda de emprego ou casos de doenças mais graves.

            A utilização dos volumes acumulados nos açudes não deve ser utilizada em grandes projetos industriais ou de agricultura irrigada, pois não há garantia firme para o empresariado.

            Em casos de secas prolongadas os açudes seriam usados para consumo humano e animal em detrimento dos projetos econômicos.  O resultado é que os empresários acabam por optar pela alocação de seus recursos em locais que ofereçam maior segurança aos seus investimentos.

           A esse respeito é interessante destacar a posição do Dr. Pedro Brito, ex- Ministro da Integração, no sentido de que o foco do Projeto do Rio São Francisco não contempla apenas as opções pontuais de abastecimento de água, mas o seu suprimento em volumes suficientes para garantir a sustentação econômica e social da população do Semiárido, pois as pessoas não sobrevivem apenas com água para beber: precisam de trabalho, renda, comida, serviços e lazer.

           O PTRSF pode contribuir para alterar esse cenário que já se perpetua há séculos, transformando a região.

            O Banco Mundial elaborou em 2003 um relatório preliminar reservado, denominado “Impacto Social da Irrigação no Semiárido Brasileiro”, no qual verificou que a agricultura irrigada teve papel fundamental na redução da pobreza nas áreas do Semiárido onde foi implantada, promovendo, inclusive, o aperfeiçoamento dos serviços de saúde, educação e lazer, além de gerar atividades econômicas conexas nas cidades.

             A maior transformação pode decorrer a partir da implantação de grandes projetos de irrigação nos moldes daqueles existentes na região de Petrolina (PE) e Juazeiro (BA), explorando cultivos de alta rentabilidade (manga, acerola, uva, tomate, melão, etc.).

            Trata-se, assim, de eliminar o maior obstáculo ao crescimento da agricultura naquela região (ausência de água), uma vez que os demais componentes necessários à produção já estão presentes (clima adequado, solo fértil, mão de obra abundante e proximidade dos mercados consumidores).

            Em sequência aos projetos de agricultura irrigada poderíamos presenciar a implantação de indústrias de processamento da produção, em especial aquelas voltadas para fabricação de sucos, polpas, vinhos, etc.

            A oferta de água em quantidade adequada permite uma sucessão de investimentos produtivos, possibilitando agregar valor e verticalizar a produção, além da maior qualificação da mão de obra local e estruturação econômica.

           A presença de polos de agricultura irrigada tem enorme potencial transformador e, ao longo dos anos, poderá induzir a entrada de novos segmentos econômicos, tais como as indústrias de equipamentos de irrigação, tratores e implementos, transporte, fertilizantes, escolas agrícolas, etc.

 c)    Fixação do homem no campo

           Muito já foi dito acerca dos movimentos migratórios no Brasil, em especial aqueles decorrentes do flagelo das secas na Região Nordeste.

           Desde o nosso período colonial convivemos com um movimento pendular no qual as populações são forçadas a sair da região para garantir sua sobrevivência e alguma esperança de melhorar de vida. Quando as condições climáticas apresentam alguma melhora as famílias tendem a voltar às origens.

            Evidentemente esse movimento pendular implica em enormes sacrifícios para uma camada populacional já desgastada em seus recursos e não possibilita praticamente nenhuma vantagem ou ganho profissional ao indivíduo.

           Em geral o retirante é obrigado a aceitar empregos de pouca expressão em termos de importância social, responsabilidade e retorno financeiro. São ofertas de subemprego que exploram o indivíduo e, em muitos casos, dificultam sua ascensão profissional.

            Além disso, devemos considerar que as grandes levas de migrantes podem ocasionar a sobrecarga dos serviços públicos de saúde, segurança, habitação e educação, dentre outros.

           Trata-se de um processo de exploração evidente no qual as famílias são submetidas a salários reduzidos, moradia em favelas e áreas de risco, além da limitação de acesso aos serviços públicos (notadamente educação e saúde).

           Mas, ainda pior do que tudo isso é passar a vida em um estado de contínua limitação, uma penumbra sem perspectivas.

           A implantação do PTRSF pode transformar esse triste cenário, auxiliando na fixação das famílias no campo em razão da maior oferta de oportunidades de trabalho e renda.

          Entretanto, outros aspectos devem ser considerados para potencializar os resultados esperados a partir do PTRSF.

          Segundo o entendimento do ex-ministro da Integração, Dr. Pedro Brito, as possíveis portas de saída de uma situação de pobreza regional, que não é restrita apenas à área rural, para um melhor padrão de vida da população, deveriam ser todas contempladas:

  •  A viabilização da agricultura irrigada regional, com inclusão social;
  • A industrialização com geração de empregos urbanos;
  • A modernização e melhor distribuição social da atividade pecuária;
  • A seleção de espaços prioritários de investimento público para viabilizar resultados e não sua dispersão aleatória em áreas sem qualquer vocação econômica;
  • A formalização das relações de trabalho com responsabilidade social, entre outras.

            Entendimento semelhante pode ser encontrado nas palavras do Dr.Jerson Kelman, professor da COPPE-UFRJ, ex-diretor-presidente da Agência Nacional de Águas (ANA) e da Agência Nacional de energia Elétrica (ANEEL), segundo o qual a oferta de água é uma condição necessária, mas não suficiente para o desenvolvimento, e a necessidade de instituirmos um arranjo institucional e econômico para garantir a sustentabilidade do empreendimento.

            Segundo o professor Kelman para que a falta de confiabilidade hídrica deixe de ser efetivamente um elemento limitante ao desenvolvimento do Nordeste é indispensável dispormos de:

 a)    Uma infraestrutura de distribuição da água na região receptora;

 b)    Um sistema de outorgas de direito de uso da água que induza ao uso parcimonioso e eficiente desse escasso recurso;

 c)    Uma arquitetura institucional que permita a cobrança da “confiabilidade hídrica” aos beneficiados para garantir a receita necessária à operação e manutenção das estruturas hidráulicas.

              A conclusão é que o PTRSF possui boas possibilidades de transformar a dura realidade observada na região do Nordeste Setentrional, melhorando os indicadores econômicos e sociais e gerando perspectivas positivas junto à população, mas ainda temos de ultrapassar alguns obstáculos de ordem técnica e política.

marceloquintiere@gmail.com

MQuintiere@twitter.com

Bibliografia Consultada:

QUINTIERE, Marcelo de M.R. et alli.  O Projeto São Francisco. Editora Juruá, Curitiba (2010)

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