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A Sopa Tóxica de Brumadinho

O rompimento da barragem da Vale em Brumadinho (MG) representa o maior acidente ambiental com mineradoras no mundo em toda a história, em especial se considerarmos as mais de 300 vítimas, mortas pela incompetência da mineradora.

No artigo anterior destacamos algumas considerações acerca da atuação da Vale e como aquele conjunto de falhas e inconsistências acabou desaguando na tragédia (alteamento da barragem a montante, construção de prédios logo abaixo das barragens, ausência/inoperância de um sistema de alarme, etc.).

Na realidade estamos diante de um caso clássico de passivos ambientais, um tema ainda pouco explorado e que merece a nossa atenção e mobilização.

O passivo ambiental pode ser definido da seguinte forma:

De acordo com o IBRACON – Instituto dos Auditores Independentes do Brasil, o passivo ambiental consiste no valor dos investimentos necessários para reparar toda a agressão que se pratica ou praticou contra o meio ambiente. 

Conforme destaca MALAFAIA, a essência do passivo ambiental está no controle e reversão dos impactos das atividades econômicas sobre o meio natural, envolvendo, portanto, todos os custos das atividades que sejam desenvolvidas nesse sentido.

O passivo ambiental representa toda e qualquer obrigação destinada, única e exclusivamente, a promover investimentos em prol de ações relacionadas à extinção ou amenização dos danos causados ao meio ambiente, inclusive os valores direcionados a investimentos na área ambiental (MALAFAIA).

Os passivos ambientais existem aos milhares em nosso país, na forma de barragens de mineração, tanques de combustíveis obsoletos, plantas industriais abandonadas, lixões ou barragens de resíduos industriais, dentre outras.

 A existência de uma barragem de resíduos de mineração daquele porte e com alteamento de cota à montante é, por definição, um passivo ambiental pois:

  • É derivado de uma atividade econômica de grande porte;
  • Os resíduos representam risco elevado em caso de rompimento da barragem, seja pelo choque físico de uma onda gigante com milhares de toneladas de peso ou pela presença de componentes tóxicos;
  • A legislação ambiental brasileira é clara quanto à obrigatoriedade de reduzir ou minimizar aquele risco ambiental, cabendo ao proprietário da operação mineradora o dever de agir.

A simples construção de grandes barragens e o seu alteamento posterior com a técnica à montante (mais barata, porém obsoleta) não é suficiente para redução dos riscos associados ao empreendimento.

Ao contrário! São bombas relógio que crescem continuamente, oferecendo maior risco.

Quando ocorre um rompimento nessas barragens o que se vê é uma tragédia humana e ambiental, acompanhada de fortes impactos econômicos.

Vejam bem: a presença de uma barragem de grande porte de uma mineradora é um passivo ambiental cujo custo de redução/controle e eliminação cabe ao seu proprietário/operador.

Entretanto, quando a barragem rompe temos um dano gigantesco que envolve uma área muito maior do que a barragem inicial, chegando a algumas centenas de quilômetros nos casos dos rios contaminados, além de algumas outras dimensões importantes, tais como a biodiversidade, a poluição das águas e do solo, a contaminação por metais pesados, a paralisação temporária ou a destruição permanente de atividades econômicas, etc.

Assim, após o rompimento, não se trata mais de um passivo ambiental confinado em uma área pequena (a barragem), mas de um verdadeiro monstro que vai exigir um volume de recursos muito maior do que aquele inicialmente necessário para redução do passivo ambiental representado pela barragem.

Esse custo financeiro pode superar a casa de 7 a 10 bilhões de reais, um montante significativo até mesmo para uma empresa do porte da Vale, incluindo:

  • A indenização às famílias das vítimas;
  • O ressarcimento aos diversos empresários cujas atividades foram prejudicadas (hotéis, pousadas, comércio varejista, etc.).
  • A indenização aos municípios afetados por danos à infraestrutura e à imagem, bem como os custos decorrentes da mobilização de centenas de bombeiros durante meses, doação de cestas básicas à população;
  • A obrigatoriedade de recomposição das áreas afetadas, tais como a calha dos rios, as nascentes soterradas, a supressão da biodiversidade e a contaminação das águas e do solo;
  • Limpeza e Descontaminação das áreas afetadas;
  • Remoção de famílias;
  • Imagem da empresa frente aos mercados consumidores internacionais, etc.

Para entendermos a questão dos custos basta considerarmos a obrigatoriedade legal que a Vale terá que assumir frente à de reparação dos danos ambientais, estabelecida pela Teoria Objetiva da Responsabilidade e demais dispositivos da legislação a seguir destacados:

1. Lei n.º 6.938/81 – PNMA Art. 14, § 1º:

“Sem obstar a aplicação das penalidades previstas neste artigo, é o poluidor obrigado, independentemente de existência de culpa, a indenizar ou reparar os danos causados ao meio ambiente e a terceiros, afetados por sua atividade”.

2. CF/ 1988, Art. 225, § 3º:

“As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados”.

3. Código Civil de 2002 – Lei n.º 10.406/2002, Art. 927, § único

“Haverá a obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem”.

4. Política Nacional de Meio Ambiente – Lei n.º 6.938/81, Art. 4º, VII

Princípio do Poluidor – Pagador

“Art. 4º – A Política Nacional do Meio Ambiente visará:

 (…)

 VII – à imposição, ao poluidor e ao predador, da obrigação de recuperar e/ou indenizar os danos causados e, ao usuário, da contribuição pela utilização de recursos ambientais com fins econômicos. ”

A Teoria Objetiva da Responsabilidade tem como elementos básicos apenas o dano causado e o nexo de causalidade, não sendo necessário o desenvolvimento de provas ou elementos comprobatórios acerca da culpa do infrator.

Desta forma o processo se torna mais célere, garantindo que os recursos destinados à compensação dos danos vinculados aos acidentes ambientais sejam prontamente obtidos, protegendo de modo mais efetivo o meio ambiente.

Assim, procura-se internalizar nos custos gerais das indústrias os impactos negativos ao meio ambiente, bem como a obrigatoriedade de promover o seu ressarcimento, evitando a sua equivocada socialização pelo conjunto da sociedade.

A Teoria Objetiva da Responsabilidade encontra amparo na conhecida Teoria do Risco Integral:

Quem recebe os lucros de uma atividade deve estar preparado para assumir os eventuais danos causados a terceiros”.

A identificação e valoração dos danos ambientais representa uma questão muito desafiadora e, muitas vezes, não dispomos de instrumentos de análise precisos.

Vejamos o caso da contaminação das águas e solo decorrente da presença de metais pesados.

A Fundação SOS Mata Atlântica percorreu 2 mil quilômetros de estrada, ao longo de 21 municípios, para analisar a qualidade da água em 305 quilômetros do rio afetados pelo rompimento da Vale, e encontrou dados assustadores, dentre os quais destacamos:

  • A turbidez era extremamente elevada;
  • Os baixos níveis de oxigênio dissolvido medidos na coluna d’água, a partir de dois metros de profundidade, ultrapassaram limites definidos na legislação nacional e internacional para qualidade da água;
  • Grande presença de peixes e animais mortos;
  • Destruição de 112 hectares de Mata Atlântica;
  • Comprometimento da coleta de água para consumo na Grande Belo Horizonte;
  • A concentração de manganês é 30 vezes o limite máximo permitido;
  • A concentração de cromo é 19 vezes o máximo permitido;
  • A concentração de cobre é 360 vezes o máximo permitido.

A contaminação por metais pesados pode provocar severas contaminações e o comprometimento da qualidade da água subterrânea, do solo agricultável e da biodiversidade e tende a comprometer a capacidade dos ecossistemas de recuperar a sua condição de equilíbrio anterior, denominada de resiliência.

Devemos considerar, ainda, que os metais pesados possuem maior persistência no meio ambiente, sendo mais lenta a sua neutralização.

Muito se fala da contaminação dos ecossistemas por metais pesados, mas quais são os verdadeiros efeitos que esse tipo de resíduo produz?

Como os metais pesados afetam realmente a nossa saúde?

A tabela a seguir destaca alguns metais pesados e algumas de suas aplicações industriais, bem como os eventuais impactos sobre a saúde humana.

Tabela n.º 1: Metais pesados, sua utilização comercial e efeitos observados sobre a saúde humana.

Metais Utilizações mais comuns Efeitos sobre a saúde humana
Alumínio

Produção de artefato de alumínio, serralheria; medicamentos (antiácidos) e tratamento convencional de água.

Anemia por deficiência de ferro; intoxicação crônica.
Arsênio Metalurgia; manufatura de vidros e fundição, fabricação de munição, ligas e placas de chumbo nas baterias elétricas.

Produção de herbicidas e inseticidas

Efeitos nos sistemas respiratório, cardiovascular, nervoso e hematopoiético.

Câncer de pele e nos brônquios.

 

Cádmio

Soldas; tabaco; baterias e pilhas; fertilizantes fosfatados; tubos de televisão; pigmentos, esmaltes e tinturas têxteis; resíduos da fabricação de cimento, da queima de combustíveis fósseis e lixo urbano e de sedimentos de esgotos Distúrbios gastrointestinais e edema pulmonar.
Cobre Ingestão de água contaminada pelo metal presente em encanamentos  Febre, náuseas, diarreia
Cromo Indústria de corantes, esmaltes, tintas; ligas de aço e níquel; cromagem de metais; galvanoplastia, soldagens; curtume. Em níveis bronco-pulmonares e gastrointestinais produzem irritação bronquial, alteração da função respiratória e úlceras gastroduodenais.
Níquel Baterias; aramados; fundição e niquelagem de matais; refinarias. Câncer de pulmão e seios paranasais
Mercúrio Aparelhos de precisão; iluminação pública, amálgamas, produção de ligas. Intoxicação do sistema nervoso central;

Febre, calafrios, dispneia e cefaleia, diarreia, cãibras abdominais e diminuição da visão. Casos severos progridem para edema pulmonar e cianose. As complicações incluem enfisema, pneumomediastino e morte.

Manganês  Inalação de poeira do material na indústria de mineração Distúrbios neurológicos, como Mal de Parkinson
Chumbo Revestimentos, tintas, ligas metálicas, etc.

Síndrome associada ao sistema nervoso central (alterações sensoriais, perceptuais, e psicomotoras), síndrome astênica (fadiga, dor de cabeça, insônia, distúrbios durante o sono e dores musculares), síndrome hematológica (anemia moderada), síndrome renal (nefropatia não específica, diminuição da depuração da ureia e do ácido úrico), síndrome do trato gastrointestinal (cólicas, anorexia, desconforto gástrico, constipação ou diarreia), síndrome cardiovascular (miocardite crônica, arteriosclerose precoce com alterações cerebrovasculares e hipertensão).

A conclusão é que essas barragens de rejeitos de mineração são passivos ambientais que precisam ser identificados e controlados/reduzidos, sob pena de causarem severos danos ambientais, sociais e econômicos.

Outro aspecto relevante é que a presença eventual de metais pesados nos resíduos de barragens de mineração pode ocasionar danos à saúde humana e à proteção dos ecossistemas cujos reflexos não são visíveis de imediato.

Em outras palavras, os danos decorrentes de contaminações por metais pesados podem se tornar visíveis muitos anos após a ocorrência de algum acidente, ocasionando mortes e destruição em larga escala, além de um custo financeiro muito mais elevado para seu controle.

 

 

Brumadinho NÃO É UM MERO ACASO

O acidente de Brumadinho envolve muitas dimensões que merecem nossa análise.

As barragens de resíduo de mineração são o que denominamos de passivos ambientais e podem ser conceituados da seguinte forma:

De acordo com o IBRACON – Instituto dos Auditores Independentes do Brasil, o passivo ambiental consiste no valor dos investimentos necessários para reparar toda a agressão que se pratica ou praticou contra o meio ambiente. 

Conforme destaca MALAFAIA, a essência do passivo ambiental está no controle e reversão dos impactos das atividades econômicas sobre o meio natural, envolvendo, portanto, todos os custos das atividades que sejam desenvolvidas nesse sentido.

O passivo ambiental representa toda e qualquer obrigação destinada, única e exclusivamente, a promover investimentos em prol de ações relacionadas à extinção ou amenização dos danos causados ao meio ambiente, inclusive os valores direcionados a investimentos na área ambiental (MALAFAIA).

Os passivos ambientais existem aos milhares em nosso país, seja na forma de barragens de mineração, tanques de combustíveis obsoletos, plantas industriais abandonadas, lixões ou barragens de resíduos industriais, dentre outras.

A Vale é uma megaempresa mineradora em escala mundial, faturando bilhões de dólares a cada ano, possui vantagens competitivas frente às demais mineradoras e uma tecnologia de ponta.

Entretanto, a sucessão inacreditável de desastres envolvendo a empresa lança dúvidas acerca da consistência de sua operação.

Ao analisarmos o acidente de Brumadinho alguns aspectos precisam ser considerados. São perguntas que, na condição de auditor, não posso deixar de lado.

  • Se a barragem rompida já estava desativada porque ainda havia um volume tão grande de resíduos estocado? A empresa já não deveria ter iniciado um programa de descomissionamento daquela barragem?
  • A Vale possui muitas barragens com alteamento de cotas A MONTANTE. Esse é um método comum e de menor custo, mas é considerado ultrapassado e envolve maior risco para as operações; Porque essa opção prevaleceu se a Vale é uma empresa tão rica e poderosa?
  • Qual a motivação da empresa ao construir restaurantes e demais prédios de sua administração logo abaixo da barragem? Seria uma forma de demonstrar ao público ingênuo que a barragem seria tão segura a ponto dos empregados almoçarem a 100 metros daquela bomba relógio?
  • Algumas barragens de mineradoras foram erguidas a montante de pequenas cidades. Em caso de rompimento teremos tragédias de maior vulto. O governo deveria IMPEDIR esse tipo de ocorrência, afinal, prevenir é melhor do que remediar. Porque os órgãos ambientais, a defesa civil e o antigo DNPM não proibiram a construção?
  • O sistema de alarme com o uso de sirenes parece ter falhado mais uma vez, repetindo a história macabra de Mariana (MG), outra barragem rompida da mesma Vale, o que nos leva a acreditar que esse sistema de segurança é tão complexo como enviar o homem à Marte ou construir uma bomba atômica. Porque a Vale não investe de verdade em sistema de alerta?
  • A Vale argumenta que os relatórios elaborados por empresa de auditoria independente atestavam a segurança da barragem rompida. Entretanto, há notícias na mídia dando conta de que a Vale ameaçava e constrangia os auditores com o objetivo de obter um relatório mais favorável. Essa é uma questão de polícia!
  • Penso que essas empresas de auditoria deveriam ser contratadas pelo próprio governo federal por meio de processos licitatórios, utilizando uma porcentagem dos recursos vinculados à CFEM (Compensação Financeira sobre Exploração de Recursos Minerais, prevista no § 1º, art. 20 da Constituição Federal), cujos valores são recolhidos compulsoriamente pelas mineradoras. Assim teríamos maior garantia de eficácia na fiscalização sem nenhum custo adicional para os cofres públicos.
  • Os órgãos de fiscalização, em especial o antigo DNPM (atual ANM) e a secretaria estadual de meio ambiente, falharam em sua missão de garantir maior segurança às barragens da mineradora. Esses órgãos não possuem infraestrutura adequada e sofrem contínuas pressões políticas e econômicas.
  • Grande parte da fiscalização a cargo do antigo DNPM (atual ANM) se ampara em documentos auto declaratórios apresentados pelas empresas de mineração, ou seja, as fiscalizadas informam o que desejam sobre suas operações, faturamento e medidas de segurança, e o órgão de fiscalização aceita tudo como sendo verdade, já que não possui instrumental adequado para ir a campo e realizar suas próprias atividades de controle.
  • As prefeituras parecem mais preocupadas em garantir o ingresso de recursos financeiros das mineradoras e a manutenção de empregos ao invés de cobrar das empresas maior comprometimento com a segurança de suas operações. Em todo acidente o prefeito vem a público para alertar quanto à necessidade de não prejudicar ainda mais o seu município, evitando a saída dos recursos e a perda de postos de trabalho.
  • A Política Nacional de Segurança de Barragens (Lei n.º 12.334/2010) ainda está muito longe de gerar os resultados que se esperavam inicialmente, uma vez que as empresas mineradoras seguem sem uma fiscalização eficaz. Agora, depois do acidente, o Poder Legislativo fala em aperfeiçoar a legislação. Não seria o caso de ter feito isso ANTES do acidente?
  • A Política Nacional de Segurança de Barragens (Lei n.º 12.334/2010) estabelece a obrigatoriedade de a mineradora informar à população e aos órgãos de fiscalização acerca do tipo de resíduo estocado, sua composição e os riscos impostos à saúde e ao meio ambiente. Isso está sendo feito e cobrado? Esse tipo de informação é importante porque para cada tipo de resíduo temos impactos e formas de tratamento diferentes.
  • Os resíduos de barragens de mineração poderiam ser utilizados de forma racional em alguma atividade econômica? Porque as universidades e centros de pesquisa não iniciam estudos nesse segmento? Isso poderia vir a ser uma forma de reduzir os riscos inerentes à operação das barragens.
  • A prisão de engenheiros e diretores de empresas parece incomodar muito mais os prefeitos e a própria mídia do que o soterramento de centenas de pessoas. Porque?

O fato é que um acidente como Brumadinho é resultado da sinergia de muitos fatores, falhas e inconsistências onde todos nós temos nossa parcela de culpa, seja por ação ou por omissão.

Não podemos nos enganar: NOVAS BARRAGENS VÁO EXPLODIR EM BREVE, trazendo mais mortos e maior comoção, além das promessas de aumento no rigor por parte dos órgãos de fiscalização.

Da minha parte vou continuar, na condição de auditor do TCU e especialista em meio ambiente, a buscar a verdade dos fatos e a exigir a PRISÃO dos responsáveis.

Brumadinho NÃO É UM MERO ACASO.

Passivos Ambientais: O Risco Nosso de Cada Dia

No dia 5 de novembro de 2015 o pequeno povoado de Bento Rodrigues, um subdistrito do município de Mariana (MG), teve sua longa história de 317 anos profundamente alterada, com a morte de aproximadamente 20 pessoas e a destruição, em dimensões inacreditáveis, de toda a sua infraestrutura, além do comprometimento dos ecossistemas ao longo de centenas de quilômetros.

A tragédia não ocorreu em razão da queda de um meteorito errante, nem pela ocorrência de um terremoto devastador ou outro fenômeno natural imprevisível.

Ao contrário…

Foi construída por mãos humanas ao longo de décadas e carrega a combinação letal de ganância, arrogância, imprudência, impunidade e incapacidade gerencial, tanto da empresa privada responsável, quanto dos órgãos e gestores públicos envolvidos.

A origem da tragédia, já considerada por muitos como o maior acidente ambiental do Brasil, está associada ao rompimento de uma das barragens de resíduos pertencentes à Mineradora Samarco, uma empresa de grande porte controlada por duas gigantes globais do setor da mineração: a Companhia Vale do Rio Doce, brasileira, e a BHP Billinton, controlada por capital anglo-australiano.

As barragens de resíduos, sejam oriundas de projetos industriais ou decorrentes da exploração mineral, são exemplos de “passivos ambientais”, um tema ainda pouco explorado no Brasil, que, entretanto, vem conquistando a atenção dos profissionais de diversas áreas do conhecimento, inclusive advogados, em razão da severidade dos impactos gerados e do crescimento de casos similares em todo o mundo.

Esse tipo de ocorrência não constitui, infelizmente, um caso isolado no Brasil. A título de exemplo destacamos alguns casos ilustrativos de passivos ambientais:

  • O acidente de Cataguases (MG) em 2003;
  • O deslizamento do Morro do Bumba em Niterói (RJ), ocasionando a morte de 48 pessoas e dezenas de feridos em 2010;
  • Rompimento de barragem de resíduos em Itabirito (MG) em 2014;
  • O Lixão da Alemoa no Porto de Santos (SP);
  • O aterro Industrial de Ingá (RJ);
  • Os milhares de lixões distribuídos por nossos municípios, e outros.

Os passivos ambientais existem aos milhares em nosso país e, na grande maioria dos casos, ainda não estão adequadamente identificados e mapeados pelos órgãos ambientais dos estados e municípios. Estamos diante de uma ameaça significativa que, a depender dos produtos tóxicos armazenados, poderá ocasionar uma tragédia sem precedentes.

Obviamente não constitui nosso objetivo demonizar a atividade mineradora no Brasil, mas os riscos crescentes, inclusive no que tange ao surgimento de novos passivos ambientais, nos obrigam a uma reflexão ponderada e imparcial acerca do problema e da necessidade de buscarmos soluções equilibradas.

Não é possível acreditar cegamente no falso dilema entre o estímulo à produção econômica e a imperiosa obrigação moral de proteção ao meio ambiente.

As soluções existem, sendo necessário o desenvolvimento de análises técnicas e políticas das complexas questões envolvidas de modo a criar uma proposta factível que permita o equilíbrio entre o crescimento econômico e a proteção ambiental.

Este documento tem como objetivo a análise dos riscos vinculados à atividade mineradora, e destacar aspectos relevantes que merecem maior atenção por parte dos órgãos públicos envolvidos.

1 – Os Possíveis Impactos da Mineração

Os diversos impactos associados à atividade mineradora podem ser didaticamente agrupados em três grandes dimensões: ambiental; social e econômica, descritas resumidamente a seguir:

  1. Impactos Ambientais
  • Supressão vegetal;
  • Comprometimento da biodiversidade;
  • Degradação da paisagem;
  • Aumento do ruído;
  • Extração excessiva de água (conflito de uso);
  • Remoção do solo e liberação de finos com alta toxidade;
  • Contaminação do solo, atmosfera, água superficial e subterrânea por metais pesados;
  • Formação de grandes passivos ambientais extremamente perigosos, tais como as barragens de rejeitos; e outros.
  1. Impactos Sociais
  • Alteração da estrutura social da população;
  • Ação negativa sobre minorias étnicas (índios e quilombolas);
  • Aumento do fluxo migratório e inchaço urbano;
  • Maior incidência de doenças;
  • Sobrecarga dos serviços sociais.
  1. Impactos Econômicos
  • Elevação na concentração de renda;
  • Alteração dos modos de produção tradicionais;
  • Redução do potencial agrícola e pecuário nas áreas afetadas;
  • Impactos negativos na agroindústria;
  • Elevação nos custos de tratamento de doenças pelo SUS;
  • Especulação imobiliária, e outros.

2 – A Questão Específica dos Passivos Ambientais

As operações de mineração são responsáveis, ainda, pela formação de grandes passivos ambientais.

Em termos conceituais o passivo ambiental consiste em um valor monetário que procura expressar, ainda que sob a forma de estimativa, qual o gasto total que determinada empresa ou instituição deverá arcar no futuro em decorrência dos impactos ambientais gerados por sua atividade produtiva.

De acordo com o IBRACON – Instituto dos Auditores Independentes do Brasil, o passivo ambiental consiste no valor dos investimentos necessários para reparar toda a agressão que se pratica ou praticou contra o meio ambiente.

Para UEHARA, o passivo ambiental se constitui no dia-a-dia das operações, consistindo em contrapartida às alterações ambientais provocadas pelas atividades econômicas desempenhadas pelas empresas.

Assim, um passivo ambiental representa toda e qualquer obrigação destinada, única e exclusivamente, a promover investimentos em prol de ações relacionadas à extinção ou amenização dos danos causados ao meio ambiente, inclusive os valores direcionados a investimentos na área ambiental (MALAFAIA).

Os passivos ambientais existem aos milhares em nosso país e, na grande maioria dos casos, não são conhecidos pelos órgãos ambientais dos estados e municípios. O Brasil ainda não possui um mapeamento confiável capaz de identificar, monitorar e neutralizar os milhares de exemplos de passivos ambientais existentes em nosso território.

3 – As Barragens de Resíduos de Mineração: Ameaça Silenciosa 

Por que as mineradoras constroem grandes barragens de resíduos?

A regra imposta pela natureza consiste na combinação aleatória de minérios de valor econômico associados a grandes volumes de rocha estéril cujo valor não justifica sua exploração, fato que constitui um limitador da atividade mineradora.

Os empreendedores são obrigados a limitar seus custos com a logística de transporte, promovendo a separação do material estéril nas proximidades da mina, obtendo maior concentração do minério que se deseja explorar comercialmente.

Assim, o uso e manutenção das barragens de rejeitos, construídas para receber grandes volumes de material estéril, constitui um dos principais problemas da indústria mineradora.

As barragens de resíduos existem em todos os países, desenvolvidos ou não, e são utilizadas em diversos segmentos industriais, sendo frequente o surgimento de problemas associados ao seu rompimento e a consequente promoção de impactos ambientais bastante sérios.

Uma barragem de rejeitos constitui uma verdadeira bomba relógio prestes a explodir e o seu potencial de geração de danos decorre dos seguintes aspectos básicos: o volume de rejeitos estocados, a composição dos rejeitos e as ações voltadas à manutenção da estrutura das barragens.

O volume estocado na barragem é um elemento importante para a sua própria segurança estrutural, pois representa o peso que a estrutura física deverá suportar ao longo de anos.  Se houver incremento no volume estocado a barragem poderá ter sua estrutura física comprometida e o eventual rompimento gerará danos significativos, inicialmente pelo impacto físico de milhões de metros cúbicos de material e, depois, pela ação dos componentes nos ecossistemas.

A questão associada à composição dos resíduos é, também, fundamental para que possamos compreender os riscos vinculados às barragens de uma indústria mineradora.

Os resíduos estocados possuem composição distinta conforme o processo produtivo envolvido e a matéria prima utilizada.

Assim, não é raro encontrarmos barragens contendo resíduos bastante tóxicos, tais como metais pesados, cujos impactos sobre a saúde humana são evidentes, podendo provocar severas contaminações e o comprometimento da qualidade da água subterrânea, do solo agricultável e da biodiversidade por longos períodos de tempo. Além disso, os metais pesados possuem maior persistência no meio ambiente, sendo mais lenta a neutralização de seu potencial de risco.

A contaminação por metais pesados e demais produtos tóxicos tende a comprometer a denominada resiliência dos ecossistemas, ou seja, a sua capacidade natural de recuperar a condição de equilíbrio anterior.

A lama tóxica derivada da produção industrial é um exemplo comum de passivo ambiental, sendo necessário providenciar sua redução, neutralização do potencial de risco ou até mesmo a utilização econômica em outro processo produtivo de modo a minimizar seu potencial de risco.

4 – A Responsabilização pelo Acidente

Uma vez identificados os diversos impactos socioeconômicos e ambientais decorrentes do rompimento da barragem pertencente à empresa Samarco, cumpre-nos observar aspectos relevantes que poderão nortear a responsabilização da mineradora, de seus gestores e, ainda, dos órgãos governamentais envolvidos.

Em uma síntese bastante apertada, podemos resumir os impactos ocasionados da seguinte forma:

  1. Morte de aproximadamente vinte pessoas;
  2. Destruição do patrimônio de terceiros;
  3. Destruição de patrimônio histórico de caráter religioso;
  4. Comprometimento dos recursos hídricos;
  5. Interrupção da captação de água pelos municípios, afetando centenas de milhares de pessoas;
  6. Lucro cessante de empresas que foram impedidas de captar água para seus processos produtivos;
  7. Comprometimento da biodiversidade local;
  8. Destruição de mata ciliar;
  9. Derramamento de enorme volume de lama proveniente da mineração cuja composição apresenta concentração de metais pesados;
  10. Danos à paisagem natural;
  11. Comprometimento da resiliência dos ecossistemas afetados.

Evidentemente há que se considerar que o supracitado conjunto de impactos decorrentes do acidente colide frontalmente com o disposto em nossa Constituição Federal, em especial no que tange à manutenção e defesa do meio ambiente, enquanto bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida:

“Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.” 

De acordo com nossa legislação em vigor a ocorrência de um dano ambiental significativo poderá impor aos responsáveis a aplicação de sanções nas esferas Administrativa, Cível e Penal.

Quanto ao âmbito administrativo temos a possibilidade da aplicação de multas e demais sanções pelos órgãos ambientais nas esferas federal, estadual e municipal, além da atuação de outros órgãos públicos eventualmente responsáveis pela fiscalização dos projetos.

 A definição quanto ao ente responsável pela aplicação das sanções costuma estar associada à origem do processo de licenciamento da empresa/projeto, bem como à jurisdição pelas áreas afetadas.

No que tange à esfera penal recorremos à Lei n.º 9.605/98, conhecida como a Lei dos Crimes Ambientais, que dispõe sobre as sanções penais e administrativas derivadas de condutas e atividades lesivas ao meio ambiente.

De acordo com o artigo 2º daquele dispositivo legal quem, de qualquer forma, concorre para a prática dos crimes previstos na Lei, incide nas penas a estes cominadas, na medida da sua culpabilidade, bem como o diretor, o administrador, o membro de conselho e de órgão técnico, o auditor, o gerente, o preposto ou mandatário de pessoa jurídica, que, sabendo da conduta criminosa de outrem, deixar de impedir a sua prática, quando podia agir para evitá-la.

Há que se destacar que as pessoas jurídicas também poderão ser responsabilizadas administrativa, civil e penalmente, nos casos em que a infração seja cometida por decisão de seu representante legal ou contratual, ou de seu órgão colegiado, no interesse ou benefício da sua entidade (art. 3º da Lei 9.605/98).

Em outras palavras, a responsabilidade das pessoas jurídicas não exclui a das pessoas físicas, autoras, coautoras ou partícipes do mesmo fato.

Outro aspecto importante a ser destacado é que a Lei dos Crimes Ambientais prevê a denominada desconsideração da pessoa jurídica sempre que sua personalidade for obstáculo ao ressarcimento de prejuízos causados à qualidade do meio ambiente.

A tabela a seguir procura identificar alguns dos principais enquadramentos penais e suas respectivas sanções previstas na Lei dos Crimes Ambientais em face do acidente decorrente do rompimento da barragem da empresa SAMARCO.

Tabela n.º 01: enquadramentos penais e suas respectivas sanções previstas na Lei dos Crimes Ambientais

ARTIGO TEXTO LEGAL PENA
 

 

 

Art. 33

Dos Crimes contra a Fauna

 

Provocar, pela emissão de efluentes ou carreamento de materiais, o perecimento de espécimes da fauna aquática existentes em rios, lagos, açudes, lagoas, baías ou águas jurisdicionais brasileiras:

 

 

 

Detenção, de um a três anos, ou multa, ou ambas cumulativamente.

 

Art. 48

Dos Crimes contra a Flora

 

Impedir ou dificultar a regeneração natural de florestas e demais formas de vegetação

 

 

Detenção, de seis meses a um ano, e multa.

 

 

 

Art. 50-A

 

Desmatar, explorar economicamente ou degradar floresta, plantada ou nativa, em terras de domínio público ou devolutas, sem autorização do órgão competente:   (Incluído pela Lei nº 11.284, de 2006)

 

 

Reclusão de 2 (dois) a 4 (quatro) anos e multa.         (Incluído pela Lei nº 11.284, de 2006)

 

 

 

 

Art. 54

Da Poluição e outros Crimes Ambientais

 

 

 

 

Causar poluição de qualquer natureza em níveis tais que resultem ou possam resultar em danos à saúde humana, ou que provoquem a mortandade de animais ou a destruição significativa da flora:

 

 

 

Reclusão, de um a quatro anos, e multa.

 

 

 

 

 

§ 2º Se o crime:

 

I – tornar uma área, urbana ou rural, imprópria para a ocupação humana;

III – causar poluição hídrica que torne necessária a interrupção do abastecimento público de água de uma comunidade;

IV – dificultar ou impedir o uso público das praias;

 

 

 

 

Reclusão, de um a cinco anos.

 

 

Art. 62

Dos Crimes contra o Ordenamento Urbano e o Patrimônio Cultural

 

Destruir, inutilizar ou deteriorar:

 

II – arquivo, registro, museu, biblioteca, pinacoteca, instalação científica ou similar protegido por lei, ato administrativo ou decisão judicial:

 

 

 

 

Reclusão, de um a três anos, e multa

 

Art. 63.

Alterar o aspecto ou estrutura de edificação ou local especialmente protegido por lei, ato administrativo ou decisão judicial, em razão de seu valor paisagístico, ecológico, turístico, artístico, histórico, cultural, religioso, arqueológico, etnográfico ou monumental, sem autorização da autoridade competente ou em desacordo com a concedida  

 

Reclusão, de um a três anos, e multa.

Na esfera Cível a questão é um pouco mais complexa, haja vista a necessidade de, uma vez ocorrido o dano ambiental, atribuir valores monetários aos diversos componentes naturais dos ecossistemas afetados (ex.: água, solo, biodiversidade, etc.), o que envolve um grau considerável de subjetividade.

Além do óbvio compromisso moral, ético e legal de indenizar as famílias dos trabalhadores mortos e demais contaminados, as empresas são ainda obrigadas a reparar os danos gerados ao meio ambiente.

Isto decorre do fato de que o Direito Ambiental no Brasil, assim como em outros países desenvolvidos, adota a Teoria Objetiva da Responsabilidade que, por sua vez, encontra amparo na conhecida Teoria do Risco Integral:

Quem recebe os lucros de uma atividade deve estar preparado para assumir os eventuais danos causados a terceiros”.

A Teoria Objetiva da Responsabilidade tem como elementos básicos o dano causado e a existência do denominado nexo de causalidade com determinada atividade produtiva, não sendo necessário, para efeito da aplicação de sanções na esfera administrativa, o desenvolvimento de provas ou elementos comprobatórios acerca da culpa do infrator, conforme se verifica nos seguintes dispositivos legais:

  1. Lei n.º 6.938/81 – PNMA Art. 14, § 1º:

“Sem obstar a aplicação das penalidades previstas neste artigo, é o poluidor obrigado, independentemente de existência de culpa, a indenizar ou reparar os danos causados ao meio ambiente e a terceiros, afetados por sua atividade”.

  1. CF/ 1988, Art. 225, § 3º:

“As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados”.

  1. Código Civil de 2002 – Lei n.º 10.406/2002, Art. 927, § único

“Haverá a obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem”.

Ou seja, não há necessidade de aferição de negligência, imprudência ou imperícia por parte do causador do dano para que exista o dever de indenizar, bastando que a ação/omissão realizada pelo infrator gere dano. Ademais, o dever de indenizar independe do caráter lícito do ato/omissão praticado pelo infrator.

5 – Conclusão

O acidente de Mariana representa mais um triste exemplo de passivo ambiental construído ao longo de décadas e suas consequências, extremamente graves, se farão sentir por muitos anos.

Infelizmente não representa uma ocorrência pontual regida pelo acaso. Ao contrário: constitui uma prova da combinação letal de ganância, arrogância, imprudência, impunidade e incapacidade gerencial, tanto da empresa privada responsável, quanto dos órgãos e gestores públicos envolvidos.

Os erros cometidos pela empresa, em especial no que concerne à ausência de um plano eficaz de contingência em caso de acidentes, bem como os erros associados às previsões da rota que seria assumida pela onda de resíduos retratam o descaso do setor privado e a incapacidade do setor público, notadamente o DNPM, em realizar as necessárias fiscalizações e controle sobre os empreendimentos de mineradoras no país.

A adoção, pela SAMARCO, de um sistema de alerta de acidente baseado simplesmente no uso de telefones ao invés da implantação de um sistema de sirenes e treinamentos prévios potencializou os danos gerados, em especial no que concerne à perda de vidas humanas.

A combinação desses fatores, associada à carga da barragem, à ausência de uma fiscalização mais eficaz pelos órgãos públicos responsáveis, bem como a construção de alteamentos da barragem a montante (uma técnica reconhecidamente mais barata e de maior risco) foi fatal para uma comunidade reconhecidamente carente, limitando o tempo de resposta e de reação das vítimas.

Enquanto houver espaço para teses controversas, tais como a ocorrência de terremotos, continuaremos a contar novos acidentes e mortes decorrentes dos passivos ambientais no Brasil.

Indicadores Ambientais

O expressivo desenvolvimento econômico observado durante as últimas décadas trouxe profundos reflexos sobre os ecossistemas e a saúde humana, a saber:

  • Surgimento de passivos ambientais como aqueles em Goiânia, Cataguases e Chernobyl;
  • Acidentes ambientais decorrentes do afundamento de grandes petroleiros tais como o Exxon Valdez e o Prestige;
  • Desmatamento de grandes áreas de florestas tropicais;
  • Degradação da qualidade dos solos em função de erosões, salinização e aplicação excessiva de agrotóxicos;
  • Degradação da qualidade dos recursos hídricos em razão do excesso de substâncias tóxicas;
  • O comprometimento da biodiversidade em escala local e/ou planetária;
  • Depleção de recursos naturais, tais como a redução dos estoques nas regiões pesqueiras de todo o mundo pela pesca excessiva;
  • Contaminação e disseminação de doenças em lixões;
  • Mudanças climáticas derivadas do processo de aquecimento global com enormes riscos à segurança alimentar das populações; etc.

Em razão dos problemas supracitados a sociedade passou a cobrar mudanças capazes de garantir o desenvolvimento sustentável e a maior racionalidade na utilização dos recursos naturais.

Dentre as mudanças mais evidentes podemos destacar a elaboração de uma legislação ambiental mais rigorosa, o desenvolvimento de processos industriais menos agressivos ao meio ambiente, a aposta nas energias renováveis e políticas destinadas à defesa dos ecossistemas.

Vivemos um momento de transição onde, caso tenhamos sorte, poderemos reverter alguns processos danosos nas próximas décadas.

Entretanto, algumas perguntas merecem atenção:

  • Como as empresas podem melhorar o seu desempenho referente à temática ambiental?
  • Como medir os resultados alcançados por determinada política ambiental da empresa?
  • O que deve ser medido para que possamos aprimorar as políticas e projetos ambientais?
  • Como desenvolver instrumentos confiáveis para medir a evolução dos resultados de nossas políticas ambientais?

Essas questões nos remetem aos denominados Indicadores Ambientais.

1. Conceito

Os indicadores ambientais podem ser definidos como elementos utilizados para avaliar o desempenho de políticas ou de processos de forma clara e objetiva.

Os indicadores ambientais possibilitam, a partir de um grande número de dados isolados, a geração de informações que serão úteis para amparar decisões estratégicas.

Assim, os indicadores de desempenho ambientais podem ser usados como fonte de informações que originarão futuras políticas ambientais ou mesmo a adequação daquelas já existentes.

2. Utilização

Os indicadores de desempenho ambientais possibilitam o “ajuste fino” das políticas governamentais a partir do:

  • Aprimoramento dos processos internos;
  • Uso e alocação mais racional dos recursos humanos, orçamentários e de infraestrutura disponíveis;
  • Estabelecimento de objetivos e metas mais compatíveis com a realidade;
  • Monitoramento constante e eficaz das diversas ações associadas aos projetos e políticas públicas de meio ambiente..

3. Exemplos

Os indicadores ambientais podem abranger um grande número de áreas de análise (ex.: qualidade do solo; qualidade dos recursos hídricos; a proteção à biodiversidade; as mudanças climáticas locais; os processos de desmatamento, etc.).

Assim, a construção dos indicadores ambientais mais adequados dependerá sempre da definição prévia sobre os aspectos ou temas mais significativos.

A seguir destacamos alguns exemplos de indicadores ambientais que poderiam ser utilizados na análise de uma política governamental destinada a promover a agricultura irrigada no Brasil.

Vejamos agora um exemplo simples de política pública a ser analisada com o uso de indicadores ambientais:

Identificação da Política:  Incentivo à Agricultura Irrigada

Meta: Implantação de 250.000 hectares irrigados nos Estados do Piauí, Ceará e Rio Grande do Norte.

Estimativa da População Atingida: 60.000 pessoas.

Geração de Empregos: 5.000 empregos diretos e 14.000 empregos indiretos.

A implantação de projetos de agricultura irrigada de grande porte enseja o surgimento de diversos impactos socioeconômicos e ambientais, tais como:

  • O uso excessivo de agrotóxicos;
  • A contaminação dos solos e da água subterrânea;
  • O incremento populacional e seus reflexos sobre os ecossistemas;
  • O acirramento dos conflitos de uso pela água;
  • Processos de salinização e erosão dos solos;
  • Maior desmatamento e comprometimento da biodiversidade local, etc.

A partir da indicação dos diversos impactos associados aos projetos de irrigação deveremos estabelecer aqueles reflexos que realmente são os mais significativos para o nosso trabalho de análise.

Após a seleção dos reflexos mais significativos iniciamos a etapa de construção dos indicadores que serão usados em nossas análises.

Vamos supor que nosso trabalho de análise tem como objetivo verificar se a política de irrigação desenvolvida pelo governo é capaz de promover danos ao sistema solo – água – planta.

Assim, precisaremos pensar em construir indicadores que possam aferir esse tipo de impacto sobre o sistema solo – água – planta.

4. Os Cuidados na Construção de Indicadores

A construção de indicadores de desempenho sejam eles utilizados na esfera ambiental, social ou econômica, é uma tarefa que exige um forte trabalho de pesquisa e cuidados.

Os indicadores devem apresentar preferencialmente as seguintes qualidades:

  •  SIMPLICIDADE:

Indicadores de fácil interpretação e que sejam capazes de indicar tendências de comportamento (crescente, decrescente, etc.).

Um indicador que suscita dúvidas de interpretação ou que nos obriga a executar amplos malabarismos filosóficos e/ou estatísticos não pode ser considerado útil.

  •  BAIXO CUSTO:

Um indicador cuja obtenção exija um custo elevado (ex.: exames laboratoriais onerosos e demorados) deve ser evitado.

  •  RÁPIDA OBTENÇÃO:

Os indicadores não devem estar atrelados a longos exames laboratoriais ou a uma série de cálculos. É melhor optar pelos indicadores que são obtidos de forma mais célere.

  •  PASSÍVEIS DE FUTURO MONITORAMENTO:

Muitas vezes nos deparamos com a necessidade de refazer análises voltadas para eventuais correções de resultados. Em outras ocasiões é necessário fazermos novos trabalhos para possibilitar a análise da evolução de tendência.

O indicador selecionado deve permitir contínuos trabalhos ao longo do tempo sem perder suas características.

  • POSSUIR MEDIDAS FÍSICAS:

Os indicadores devem, dentro das possibilidades, ser expressos em unidades físicas de fácil compreensão (toneladas, mortalidade percentual, taxa de natalidade, etc.) e que estejam firmemente vinculadas aos temas em análise.

 5. Possíveis Indicadores Ambientais a serem Desenvolvidos:

Nosso trabalho de análise tinha como objetivo verificar se a política de irrigação desenvolvida pelo governo foi capaz de promover danos ao sistema solo – água – planta.

Assim, poderíamos desenvolver uma série de indicadores que retratariam os impactos sobre o referido sistema, tais como:

  1. Porcentagem do desmatamento na área dos projetos  e a sua evolução ao longo do tempo.
  2. Existência de processos erosivos na área dos projetos;
  3. Existência de processos de salinização do solo nas áreas destinadas aos projetos;
  4. Uso de agrotóxicos e sua evolução;
  5. Os impactos gerados pela presença dos agrotóxicos;
  6. O acirramento dos conflitos de uso pela água.

Se nosso objetivo fosse, ao contrário,  a identificação dos diversos reflexos socioeconômicos associados aos projetos de irrigação, poderíamos desenvolver outro grupo de indicadores mais adequados ao tema:

  1. Geração de emprego e renda;
  2. Qualificação da mão de obra local;
  3. Diversificação da base econômica regional;
  4. Melhoria na qualidade de vida da população (mais hospitais, mais escolas, alimentação, etc.);
  5. Redução nas taxas de mortalidade infantil;
  6. Maior expectativa de vida, etc.

 marceloquintiere@gmail.com

 Bibliografia Consultada

  1. Sistema FIRJAN “Manual de Indicadores Ambientais” Rio de Janeiro:DIM/GTM, 2008.
  2. Philippi Jr., Arlindo e Malheiros, Tadeu Fabrício. “Indicadores de sustentabilidade e Gestão Ambiental” Ed. Manole Ltda. Barueri – SP, 2013.

O Acidente de Cataguases e suas Lições

No dia 29 de março de 2013 completaremos 10 anos da ocorrência de um dos maiores acidentes ambientais da história do Brasil: o acidente de Cataguases (MG).

O presente artigo apresenta um breve resumo dos fatos vinculados ao acidente, suas causas e consequências socioeconômicas e ambientais, bem como a sua associação com dois temas importantes:

1)     A existência de um grande número de passivos ambientais em nosso país;  e

2)     A necessidade urgente de promovermos a segurança de barragens de resíduos.

 Do Acidente:

O acidente ocorreu em Cataguases (MG) no dia 29 de março, após o rompimento de uma barragem de resíduos sólidos na Fazenda Bom Destino, de propriedade da empresa Indústria Cataguases de Papel.

Entretanto nosso enredo começa na década de 50.

Em 1954 a Cia. Mineira de Papéis inicia suas operações, sendo vendida em 1980 ao Grupo Matarazzo, um grande grupo empresarial do país.

A produção de papel utilizava o conhecido Método Kraft com soda cáustica e os resíduos eram lançados nos rios da cidade sem tratamento prévio.

O resíduo, também chamado de “licor negro”, é composto basicamente por lignina, água e soda cáustica residual, e foi acumulado entre 1990 e 1992.  Esse tipo de resíduos é tóxico, apresentando pH elevado e alta concentração de matéria orgânica, o que pode prejudicar a biodiversidade local em casos de acidentes.

O descaso do Grupo Matarazzo gerou forte reação da sociedade local e a empresa foi interditada até a celebração de um Termo de Compromisso em 1982, segundo o qual a empresa se comprometia a construir um sistema de armazenamento dos resíduos e desenvolver seu posterior tratamento.

A empresa construiu duas grandes barragens cujas dimensões alcançavam 400 metros de comprimento, 200 metros de largura e 15 de profundidade.

De acordo com o projeto inicial os resíduos seriam armazenados e encaminhados ao processo de secagem para que a massa seca pudesse ser usada posteriormente como combustível para os fornos da própria empresa.

Entretanto, em 1993 o Grupo Matarazzo entrou em processo de falência e as duas barragens foram abandonadas.

Em 1994 uma nova empresa denominada Indústria Cataguases de Papel adquiriu a planta industrial e iniciou a fabricação de papelão reciclado com a geração de 275 empregos diretos e 1000 empregos indiretos.

Se a empresa utilizava o processo de reciclagem não poderia, portanto, gerar o tipo de efluente que vazou da represa.

Na realidade a área onde se localizavam as represas, denominada ironicamente  de fazenda Bom Destino, foi adquirida por outra empresa: Florestal Cataguazes em meados de 1995.

Em 2003 uma das barragens rompeu pelo excesso de peso em sua estrutura e pela ineficácia das fiscalizações do órgão ambiental responsável (FEAM).

Após o acidente foi constatado que a barragem intacta estava igualmente sobrecarregada e que o excesso de carga foi ocasionado pela construção irregular e criminosa de um muro de concreto no vertedouro da barragem.

Em outras palavras, a empresa responsável preferiu instalar uma obra irregular em suas barragens e correr o risco de gerar um grande acidente ambiental para não ser multada ou interditada pelo órgão ambiental.

Há que se destacar que a referida construção do muro sobre a saída do vertedouro da represa nunca foi detectada pelos órgãos de fiscalização, o que denota a ineficiência da administração pública ao longo dos anos.

 Os Reflexos do Acidente:

O rompimento da barragem propiciou o vazamento de 1,2 bilhões de litros de lixívia ou “liquor negro”, gerando os seguintes reflexos:

 a)     Na esfera Socioeconômica:

  • Corte na distribuição de água para diversas indústrias e 36 municípios, prejudicando mais de 700.000 pessoas;
  • Suspensão temporária das atividades da pesca e extração de areia para a construção civil;
  • Paralisação das aulas;
  • Custos com a perfuração de poços artesianos e aluguel de caminhões pipa;
  • Compra de milhares de cestas básicas durante 3 meses;
  • Indenização a pescadores e demais profissionais;
  • Queda na demanda por pescado oriundo das áreas afetadas;
  • Queda na arrecadação tributária nos municípios afetados uma vez que as indústrias deixaram de produzir durante 10 a 20 dias.

 b)    Na esfera Ambiental:

  •  Morte da vida aquática nos trechos dos rios que foram afetados;
  • Possibilidade de persistência dos resíduos no leito dos rios caso houvesse a presença de metais pesados, além das substâncias altamente tóxicas denominadas de dioxinas e furanos.
  • Os efeitos desses compostos orgânicos são cumulativos, podendo atingir os seres humanos através da cadeia alimentar, sendo necessário analisar as amostras de peixes, além do monitoramento intenso dos sedimentos.

 Considerações Adicionais:

Em que pese a dimensão dos danos gerados pelo acidente de Cataguases devemos considerar dois aspectos muito relevantes associados a esse tipo de acidente ambiental:

 a)     A existência de um grande número de Passivos Ambientais no Brasil:

 O passivo ambiental consiste em um valor monetário que procura expressar, ainda que sob a forma de estimativa, qual o gasto total que determinada empresa ou instituição deverá arcar no futuro em decorrência dos impactos ambientais gerados por sua atividade produtiva.

De acordo com o IBRACON – Instituto dos Auditores Independentes do Brasil, o passivo ambiental consiste no valor dos investimentos necessários para reparar toda a agressão que se pratica ou praticou contra o meio ambiente.

Conforme destaca MALAFAIA, a essência do passivo ambiental está no controle e reversão dos impactos das atividades econômicas sobre o meio natural, envolvendo, portanto, todos os custos das atividades que sejam desenvolvidas nesse sentido.

Para UEHARA, o passivo ambiental se constitui no dia-a-dia em contrapartida às alterações ambientais provocadas pelas atividades econômicas desempenhadas pelas empresas.

O passivo ambiental representa toda e qualquer obrigação destinada, única e exclusivamente, a promover investimentos em prol de ações relacionadas à extinção ou amenização dos danos causados ao meio ambiente, inclusive os valores direcionados a investimentos na área ambiental (MALAFAIA).

De acordo com Ribeiro (1995), o Passivo Ambiental resulta em sacrifício de benefícios econômicos que devem ser assumidos para a recuperação e a proteção do meio ambiente, decorrente de uma conduta inadequada em relação às questões ambientais.

De forma bastante simples os passivos ambientais são derivados dos danos causados ao ambiente por empresas no decorrer da sua atividade de produção e de comercialização que, de acordo com a legislação vigente, são parte integrante da sua responsabilidade social.

Ao analisarmos esses conceitos iniciais, verificamos que é comum haver uma tendência à simplificação no sentido de que todo passivo ambiental seria fruto de um dano causado ao meio ambiente tendo a empresa como responsável.

Esse raciocínio, entretanto, está parcialmente correto.

A vinculação do passivo ambiental apenas com os danos gerados ao meio ambiente pelas atividades produtivas costuma provocar algum nível de confusão.

De acordo com Ribeiro e Gratão (2000), os passivos ambientais ficaram amplamente conhecidos pela sua conotação mais negativa, ou seja, as empresas que o possuem agrediram significativamente o meio ambiente e, dessa forma, pagaram vultosas quantias a título de indenização a terceiros, multas e recuperação de áreas danificadas, embora possam também ser originários de atitudes ambientalmente responsáveis e provoquem a execução de medidas preventivas para evitar impactos ao meio ambiente, sendo que os consequentes efeitos econômico-financeiros dessas medidas é que geram o passivo ambiental.

Embora estejam comumente associados a acidentes e danos que afetam o meio ambiente os passivos ambientais não estão restritos apenas às barragens de resíduos, sendo possível observar a sua presença associada a outras origens, tais como:

  •  Custos associados às ações para reparação de danos ambientais;
  • Custos de indenizações a terceiros em decorrência de acidentes ambientais.
  • Antigos tanques de combustíveis em postos de serviço;
  • As instalações industriais desativadas ou abandonadas;
  • Os resíduos de processos industriais lançados sem controle na atmosfera, nos corpos hídricos e no solo;
  • Produtos descartados ao final de sua vida útil sem que sejam adotadas medidas de proteção adequada (pneus, baterias automotivas, computadores e seus acessórios, baterias de telefones celulares e outros);
  • Lixões a céu aberto;
  • Solo contaminado pelo uso de agrotóxicos;
  • Manutenção de equipes ou departamentos voltados para a questão ambiental;
  • Aquisição preventiva de equipamentos para controle da poluição; etc.

 Nosso país possui milhares de passivos ambientais representados sob a forma de barragens de resíduos, postos de combustíveis abandonados, etc.

Infelizmente nossos órgãos ambientais ainda não possuem um mapeamento completo e confiável acerca dos passivos ambientais sob sua responsabilidade, o que torna muito mais difícil identificá-los e definir a melhor estratégia para minimizar os danos em caso de acidentes.

 b)    A Segurança das Barragens

O acidente de Cataguases obrigou a realização de uma auditoria ambiental pelo Tribunal de Contas da União com o objetivo de identificar responsabilidades e apurar os custos financeiros impostos à Administração Pública.

Dentre os resultados da referida auditoria podemos destacar a preocupação com a necessidade de dotar a Administração Pública de mecanismos que permitisse a identificação dos inúmeros passivos ambientais e a consequente redução dos riscos ao meio ambiente e à saúde humana.

A partir dessa ideia inicial formulamos uma proposta para garantir a maior segurança dos passivos ambientais que, após sete (7) anos, resultou na edição da Lei n.º 12.334/2010, mais conhecida como a Política Nacional de Segurança de Barragens (PNSB).

 A seguir destacamos os objetivos (art. 3º) e os fundamentos (art. 4º) da PNSB:

Art. 3o São objetivos da Política Nacional de Segurança de Barragens (PNSB):

I – garantir a observância de padrões de segurança de barragens de maneira a reduzir a possibilidade de acidente e suas consequências;

II – regulamentar as ações de segurança a serem adotadas nas fases de planejamento, projeto, construção, primeiro enchimento e primeiro vertimento, operação, desativação e de usos futuros de barragens em todo o território nacional;

III – promover o monitoramento e o acompanhamento das ações de segurança empregadas pelos responsáveis por barragens;

IV – criar condições para que se amplie o universo de controle de barragens pelo poder público, com base na fiscalização, orientação e correção das ações de segurança;

V – coligir informações que subsidiem o gerenciamento da segurança de barragens pelos governos;

VI – estabelecer conformidades de natureza técnica que permitam a avaliação da adequação aos parâmetros estabelecidos pelo poder público;

VII – fomentar a cultura de segurança de barragens e gestão de riscos.

 Art. 4o São fundamentos da Política Nacional de Segurança de Barragens (PNSB):

I – a segurança de uma barragem deve ser considerada nas suas fases de planejamento, projeto, construção, primeiro enchimento e primeiro vertimento, operação, desativação e de usos futuros;

II – a população deve ser informada e estimulada a participar, direta ou indiretamente, das ações preventivas e emergenciais;

III – o empreendedor é o responsável legal pela segurança da barragem, cabendo-lhe o desenvolvimento de ações para garanti-la;

IV – a promoção de mecanismos de participação e controle social;

V – a segurança de uma barragem influi diretamente na sua sustentabilidade e no alcance de seus potenciais efeitos sociais e ambientais.

Bibliografia:

QUINTIERE, Marcelo. “Passivos Ambientais – O Risco Nosso de Cada Dia”. Ed. Publit. Rio de Janeiro 2010.

QUINTIERE, Marcelo. “Auditoria Ambiental” Ed. Publit. Rio de Janeiro. 2006.

A Transposição do São Francisco – Parte 3

         Ao longo de minha carreira como auditor do Tribunal de Contas da União (TCU) tive a oportunidade de avaliar muitos projetos e programas do governo federal, dentre os quais a Transposição do Rio São Francisco, uma obra complexa com potencial para, caso seja bem conduzida, transformar a Região Nordeste.

            Minha intenção é desenvolver uma análise imparcial do projeto, contemplando os seus antecedentes históricos, justificativas técnicas, características do projeto, bem como os aspectos positivos e negativos, de modo a que cada um dos leitores possa formar o seu próprio juízo de valor.

             Neste terceiro artigo analisaremos alguns aspectos negativos do projeto.

             O Projeto de Transposição tem, à primeira vista, méritos ao identificar um problema secular (a seca e seus impactos nocivos) e, com o uso de tecnologia moderna, promover o resgate de milhões de pessoas que vivem em condições de extrema dificuldade.

            Entretanto, um projeto desse porte traz inúmeros problemas de ordem social, econômica e ambiental, sendo necessário, portanto, contemplar todos os aspectos da questão  e avaliar seus impactos de modo a obtermos a melhor alternativa possível.

            Dentre os pontos negativos que merecem maior atenção podemos destacar os seguintes:

a)     O EIA/RIMA não considerou a bacia doadora.

            O Estudo de Impacto Ambiental é um componente obrigatório do processo de licenciamento de grandes obras/projetos (Lei n.º 6.938/81 – PNMA).

             Os estudos multidisciplinares são conduzidos de acordo com o Termo de Referência elaborado pelo órgão ambiental licenciador.

            No caso do projeto de Transposição não há considerações quanto aos impactos do projeto na bacia doadora do Rio São Francisco, mas apenas no que concerne aos impactos nas bacias receptoras do Nordeste Setentrional.

            O EIA/RIMA também não oferece alternativas ao projeto de transposição, conforme determina a legislação.

 b)    Superfaturamento da obra

            O TCU identificou superfaturamento de R$ 413 milhões no projeto, cifra associada às obras civis e à aquisição das motobombas. Em função deste resultado o projeto ficou paralisado por alguns meses para ajustes necessários.

c)     Ausência de Infraestrutura nos municípios beneficiados

           Um estudo desenvolvido pelo TCU detectou que 72% dos municípios que seriam beneficiados pelo projeto não possuem infraestrutura para receber, armazenar, tratar e distribuir a água transposta do Rio São Francisco.

           Assim, além do elevado custo associado ao projeto ainda teremos de arcar com um custo adicional referente à implantação de infraestrutura nos municípios.

d)    O Rio São Francisco enfrenta graves problemas

          O RSF enfrenta problemas graves associados à:

  • poluição industrial a partir de suas nascentes (MG);
  • poluição derivada da ausência de saneamento básico em centenas de municípios;
  • conflito de uso em razão de atividades econômicas tais como os projetos de agricultura irrigada; consumo humano e animal, produção de energia elétrica em UHE; lazer e turismo; pesca tradicional; saneamento; etc.

            Considerando a conjunção desses problemas e o fato de que a água é um bem de uso comum ESCASSO na região, entendemos que se torna necessária a elaboração de um sistema de outorga mais justo e eficaz pela Agência Nacional de Águas (ANA), ouvidos os Comitês de Bacias e os órgãos ambientais estaduais.

 e)     O atendimento à população difusa

          O governo federal defende a execução do projeto com o argumento de que a transposição das águas terá como objetivo o atendimento à população difusa do Nordeste Setentrional (estimativa de alcançar 25 milhões em 2030).

        O projeto não apresenta solução para distribuição das águas para a população rural difusa que, nesse caso, deveria ser atendida com a oferta de alternativas (ex.: cisternas).

           O governo federal sequer conhecia, à época da apresentação do projeto, o detalhamento da população difusa na região por onde deveriam passar os canais.

f)      Ausência de informações seguras quanto à disponibilidade hídrica real

           A disponibilidade hídrica só será conhecida com segurança a partir da revisão das outorgas já concedidas (somam 582m³/s), além da atualização do cadastro detalhado de usuários que ainda não foram outorgados.

            O governo ainda não possuía um detalhamento confiável das outorgas, ou seja, quem consome quanto.

            Em outras palavras: o governo federal tem a intenção de retirar 3% do volume das águas do São Francisco, mas não sabia, à época do lançamento do projeto, qual o percentual disponível das águas e quais os usuários existentes.

            Quais são os usuários já outorgados para utilização das águas do São Francisco e qual o volume retirado por eles?

             Qual é, afinal, a disponibilidade real de água para uso exclusivo do projeto de transposição?

g)    A Vazão Ecológica na foz do São Francisco

              Um rio não pode ser confundido com uma mangueira que transporta a água de um ponto a outro! Trata-se de um corpo vivo que garante a proteção, manutenção e perpetuação de diversos ecossistemas (mangues, dunas, estuários, etc.).

             As águas precisam chegar aos oceanos, num equilíbrio constante, não havendo desperdício nisso.  As águas e seus sedimentos que vão ao oceano possibilitam a vida de diversas espécies (camarões, lagostas, peixes, etc).

             De acordo com a posição do governo a vazão mínima de restrição na Foz do São Francisco seria de 1.300m3/s, o que garantiria a retirada (com sobras) do volume destinado ao projeto de transposição (63 m³/seg. em média).

             Esse número, entretanto carece de maior detalhamento, uma vez que não há estudo técnico conclusivo que o ampare.

h)    Os Estados Receptores e a Gestão dos Recursos Hídricos

              Não há um arranjo administrativo definido para a operação dos Sistemas Norte e Leste, ou seja, o governo federal ainda não providenciou uma articulação política com os estados e municípios que permita a cobrança pela água e o ressarcimento dos investimentos realizados.

              É bom que se diga que o projeto de transposição não seria desenvolvido a custo perdido, uma vez que a ideia inicial do governo federal consistia em executar esse megaprojeto e, posteriormente, obter ressarcimento junto aos estados e municípios beneficiados.

             Entretanto, não houve consulta aos estados e municípios quanto ao interesse em participar dessa composição e nem mesmo quanto à sistemática que deverá ser adotada para cobrança da água disponibilizada pelo projeto.

i)      Os projetos governamentais ainda inconclusos: o que diz a LRF?

            Inúmeros projetos foram iniciados e estão paralisados por falta de recursos financeiros na própria bacia do São Francisco.

             Trata-se de projetos de irrigação com mais de 80% da obra civil concluída e o governo federal alega que não dispõe de recursos para sua complementação.

            Entretanto, este mesmo governo não se constrange em iniciar um novo projeto de bilhões de dólares.

            A Lei de Responsabilidade Fiscal (EC n.º 101/2000) impõe que os governos devem garantir recursos para conclusão de projetos e programas já iniciados, ou seja, novos projetos, por mais importantes que sejam, devem ser precedidos de cuidado no que toca à conclusão dos projetos anteriores.

            Se tal cuidado não for adotado teremos a perpetuação dos conhecidos “esqueletos” associados às centenas de obras públicas esquecidas pelo país.

j)       A bacia do Rio São Francisco também possui baixo IDH

           O governo federal busca promover o projeto de transposição com o argumento de que as águas do são Francisco poderão beneficiar milhões de pessoas no Nordeste Setentrional, uma região muito carente e com baixo Índice de Desenvolvimento Humano (IDH).

            Embora a região conhecida como Nordeste Setentrional seja, de fato, bastante carente e necessite de projetos estruturantes, não podemos deixar de considerar que a bacia do São Francisco também apresenta um quadro de pobreza e dificuldades significativo.

            Na bacia do São Francisco temos 8% do território nacional, uma população de 14 milhões de pessoas e 57% de sua área está associada ao semiárido com 218 municípios.

           Além disso, o IDH da região apresenta particularidades relevantes na medida em que muitos dos municípios (principalmente em Alagoas, Bahia e Pernambuco) possuem níveis muito baixos.

           Em outras palavras: a pobreza não é uma exclusividade do Nordeste Setentrional.

            A conclusão é a seguinte: o projeto de transposição do são Francisco tem seus méritos, mas as falhas conceituais e operacionais podem vir a comprometer os resultados que se esperam alcançar.

            Assim, cabe ao governo federal a adoção de medidas para eliminar as distorções aqui apresentadas e ao Ministério Público Federal o acompanhamento deste projeto com o objetivo de resguardar o meio ambiente.

marceloquintiere@gmail.com

MQuintiere@twitter.com

Bibliografia Consultada:

QUINTIERE, Marcelo de M.R. et alli.  O Projeto São Francisco. Editora Juruá, Curitiba (2010)

A TRANSPOSIÇÃO SÃO FRANCISCO – parte 2

           O objetivo principal do projeto de Transposição Rio São Francisco consiste na integração de sua bacia com as bacias do Nordeste Setentrional de forma a promover o equilíbrio de oportunidades e o desenvolvimento sustentável da região semiárida.

           O projeto envolve outros objetivos adicionais essenciais ao fortalecimento da Região Nordeste:

  • Promover e assegurar o abastecimento humano;
  • Assegurar safras agrícolas, atividades industriais e o turismo;
  • Fixar a população rural na região;
  • Promover o crescimento das atividades produtivas;
  • Diminuir gastos públicos com medidas emergenciais durante as frequentes secas;
  • Aumentar a oferta de água para atender o semiárido.

         Trata-se de uma mega obra bastante complexa cujas dimensões e características impressionam:

  • Construção de dois canais de concreto, denominados Norte e Leste, que captarão um volume máximo de 127 m3/s de água do rio São Francisco, sendo a captação média de 63,5 m3/s.
  • Condução das águas com a utilização de 720 km de canais revestidos de concreto associados aos 510 km de percurso em leito de rio já existentes
  • O Canal Norte terá 402 km de extensão, quatro (4) estações de bombeamento, 22 aquedutos, seis (6) túneis, 26 reservatórios de pequeno porte e duas (2) centrais hidrelétricas. O recalque a ser transposto tem 165 metros.
  • O Canal Leste terá 220 km de extensão, cinco (5) estações de bombeamento, cinco (5) aquedutos, dois (2) túneis e nove (9) reservatórios de pequeno porte. O recalque a ser transposto tem 304 metros.

          Para facilitar a compreensão do leitor acerca do volume médio de água que será transposta do Rio São Francisco para as bacias do Nordeste Setentrional (aproximadamente 63 m3/seg.) podemos fazer uma simples comparação com uma piscina olímpica:

            O volume médio a ser transposto do Rio São Francisco seria suficiente para encher uma piscina olímpica em aproximadamente 40 segundos!

           O custo estimado das obras é de aproximadamente R$ 9 bilhões até o momento.

         Qual a justificativa do governo federal para executar uma obra dessa envergadura?

          A questão central que justifica a ação do governo está associada às condições da região conhecida como Nordeste Setentrional.

          No Nordeste Setentrional temos a presença de um clima semiárido, baixos índices de desenvolvimento humano (IDH) e, o que nos parece ainda pior, a falta de perspectivas socioeconômicas para uma população de mais de 12 milhões de brasileiros.

          Esse conjunto de condicionantes negativas representa uma sobrecarga para as demais regiões desenvolvidas.

          A esse respeito cumpre destacar a Constituição Federal de 1988 que estabeleceu em seu artigo 3º que a redução das desigualdades sociais e regionais representa um dos objetivos fundamentais de nossa República:

 “Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil:

  I – construir uma sociedade livre, justa e solidária;

 II – garantir o desenvolvimento nacional;

 III – erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais;

 IV – promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.”

          Quais as medidas que poderiam ser adotadas para resgate daquela população, inserindo o Nordeste Setentrional no esforço produtivo do país?

         A agricultura irrigada nos moldes daquela existente na região dos perímetros irrigados de Petrolina (PE) e Juazeiro (BA), mais rentável, enfrenta problemas óbvios associados ao clima e ausência de chuvas comum na região.

           O incentivo à industrialização poderia surgir como uma alternativa viável, mas a limitação da oferta de água em volume adequado e confiável continuaria sendo um obstáculo.

           O solo do Nordeste Setentrional é constituído por um cristalino rochoso, ou seja, há uma incapacidade natural de reter água no subsolo: as chuvas ocorrem e a água simplesmente escorre pelo solo sem penetrar nas suas camadas mais interiores.

          O governo tentou contornar essa limitação natural com a construção de milhares de açudes de pequeno e grande porte, possibilitando o estoque de grandes volumes de águas e o consequente afastamento do fantasma da fome e da miséria.

           Entretanto, a água acumulada ao longo de décadas com a construção dos açudes tem como destinação prioritária o abastecimento humano e a dessedentação animal de acordo com a legislação em vigor.

           Em outras palavras: a água estocada nos açudes tem um caráter estratégico, garantindo a sobrevivência das populações e de seus rebanhos nos casos de enfrentarmos longos períodos de secas mais intensas.

         A estratégia assumida pelo governo garante melhores condições e perspectivas à população, mas inibe os investimentos produtivos, em especial a agricultura irrigada e a industrialização.

         Uma vez que o Nordeste Setentrional não consegue atrair grandes investimentos em razão da incerteza quanto ao fornecimento firme dos volumes de água necessários aos seus processos produtivos, tornou-se necessário encontrar alternativas para o suprimento de água.

          Uma opção seria a exploração da água subterrânea, presente em volumes significativos na Região Nordeste (ex.: Piauí), mas o custo de extração é elevado.

          A outra opção é realizar a transposição das águas do São Francisco de forma a garantir um volume fixo de água que permita implantar e manter os investimentos produtivos, tais como a agricultura irrigada e demais indústrias.

          De acordo com o planejamento do governo federal a transposição do São Francisco permitirá o fornecimento contínuo de volumes adicionais de água aos açudes do Nordeste Setentrional, garantindo a implantação de novos empreendimentos e a geração de empregos, renda, tributos e qualificação da mão de obra local.

           Assim os açudes poderão cumprir sua missão quanto ao abastecimento das populações e seus rebanhos, e, auxiliados pela transposição, garantirão a oferta de volumes extras para as atividades produtivas.

          À primeira vista o Projeto de Transposição tem méritos ao identificar um problema secular (a seca e seus impactos nocivos) e, com o uso de tecnologia, promover o resgate de milhões de pessoas que vivem em condições de extrema dificuldade.

         Entretanto, um projeto desse porte traz inúmeros problemas de ordem social, econômica e ambiental, sendo necessário, portanto, contemplar todos os aspectos da questão  e avaliar seus impactos de modo a obtermos a melhor alternativa possível.

           Nosso próximo artigo sobre a Transposição do São Francisco abordará os seus aspectos negativos.

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Bibliografia Consultada:

QUINTIERE, Marcelo de M.R. et alli.  O Projeto São Francisco. Editora Juruá, Curitiba (2010)

A Auditoria Ambiental e seus Usuários

Toda atividade econômica gera impactos sobre os ecossistemas, seja pela demanda sobre os recursos naturais (água, solo e biodiversidade), seja pelo aumento das várias formas de poluição ou pelo surgimento dos passivos ambientais.

Anteriormente os grandes projetos industriais eram executados sob o argumento da necessidade irrefreável de priorizar o desenvolvimento econômico, objetivando a geração de riquezas, emprego, tributos, etc.

 O meio ambiente constituía um parâmetro de menor relevância, ignorado como se os eventuais impactos ambientais não representassem riscos.

 Assim, o meio ambiente foi considerado durante décadas como um parâmetro menor no processo de análise e decisão empresarial, propiciando que projetos inviáveis pudessem ser implantados e operados impunemente.

 Estas distorções demonstram a necessidade de que a análise de viabilidade econômica considere a componente ambiental sob o risco de superestimar as reais potencialidades do projeto.

 Em outras palavras, se não analisarmos os componentes ambientais e seus desdobramentos poderemos contribuir para a aprovação de projetos inviáveis já em sua origem.

A auditoria ambiental surgiu nos EUA durante a década de 70, tornando-se uma ferramenta de gerenciamento para identificar antecipadamente os problemas que as empresas poderiam provocar com sua operação.

 Inicialmente as empresas americanas pretendiam utilizar a auditoria ambiental com os seguintes objetivos:

  • Garantir que sua produção estava em conformidade com a legislação ambiental;
  • Reduzir o absenteísmo e o tratamento de saúde de seus funcionários;
  • Reduzir os custos decorrentes de reparos/adequação em sua estrutura física;
  •  Definir as alternativas tecnológicas mais adequadas para minimizar seus impactos ambientais, tais como a instalação de filtros, substituição de máquinas e/ou matéria prima, etc.;
  • Obter uma imagem positiva da empresa e de seus produtos perante um mercado consumidor cada vez mais exigente e consciente das questões ambientais.

  A auditoria ambiental proporciona informações sobre o empreendimento/projeto em análise que poderão ser de interesse para diversos grupos de usuários, dentre os quais podemos destacar:

 a) Proprietários/Acionistas:

 Este grupo de usuários tem interesse em garantir o valor de seu investimento, evitando que a empresa opere sem observar a necessária conformidade com a legislação ambiental,

 Em casos de não conformidade a empresa poderá sofrer pressões dos consumidores, afetando a sua imagem perante o mercado, além dos gastos financeiros com a eventual aplicação de multas pelos órgãos ambientais.

 Assim, a auditoria ambiental atua preventivamente, identificando distorções logo na sua origem, fazendo com que os custos para adequação de processos e procedimentos, bem como os ressarcimentos pelos danos gerados ao meio ambiente sejam menores.

 No caso dos acionistas, mesmos aqueles minoritários, esse tipo de informação é uma proteção contra eventuais irregularidades que possam se traduzir na formação dos chamados passivos ambientais que podem ocasionar graves consequências para a saúde financeira da empresa.

 Uma empresa que seja apontada como responsável por acidentes ambientais ou pela geração de passivos ambientais ainda sem tratamento/destinação pode sofrer pressões da sociedade cujos reflexos poderão alterar seu balanço.

 b) Investidores:

 A auditoria ambiental também pode fornecer suporte para que os investidores definam suas estratégias de investimento.

 Em geral, as empresas possuem grande restrição quanto à circularização de informações acerca de seus processos produtivos e probabilidade de risco ambiental associado, tornando-se pouco transparentes aos investidores.

 A pressão da sociedade e a consequente elaboração de leis ambientais mais rigorosas levaram a uma mudança de comportamento por parte das empresas.

 Hoje muitas empresas têm interesse em associar sua imagem a processos produtivos “limpos” e ambientalmente sustentáveis, conquistando novos mercados consumidores e atraindo novos investimentos.

 Os investidores também observam a questão ambiental com atenção, pois uma empresa com passivos ambientais pode ser sinônimo de graves reflexos financeiros, inviabilizando processos de fusão ou incorporação.

 c) Empresas Seguradoras

As empresas seguradoras administram risco.

Quanto maior a probabilidade de ocorrência de um sinistro, maior será o risco e, consequentemente, mais expressivo o valor a ser cobrado a título de prêmio.

O risco varia em decorrência de diversos fatores, tais como as atividades do segurado (ex. um piloto de Fórmula 1), a faixa etária do proponente de um seguro de vida, o tipo de produto fabricado em uma indústria, a ocorrência de acidentes anteriores ou mesmo os processos industriais desenvolvidos.

Ao longo do tempo, as seguradoras têm observado uma forte vinculação entre o estabelecimento do risco e o meio ambiente.

O grupo segurador CGMU, o maior da Grã-Bretanha, informa que os danos mundiais à propriedade estão crescendo aproximadamente 10% ao ano e que estamos próximos de um declínio econômico causado por mudanças climáticas.

Os desastres naturais (furacões, incêndios florestais, enchentes e secas) estão aumentando. Na década de 90 ocorreram três vezes mais desastres naturais do que na década de 60, as perdas econômicas aumentaram oito vezes e os prejuízos cobertos por seguros cresceram 15 vezes.

 Em outras palavras, temos mais desastres de maior impacto e as seguradoras são cada vez mais exigentes em suas análises de risco.

 A elevação da temperatura na Terra e seus reflexos na formação de furacões é outro exemplo da interação existente entre o meio ambiente e a atividade das empresas seguradoras.

O furacão Katrina trouxe uma enorme devastação nos EUA em agosto de 2005, causando a morte de 1836 pessoas e o comprometimento da infraestrutura local, inclusive com a destruição de 30 plataformas de petróleo e a queda de 24% da produção americana de petróleo no Golfo do México.

A empresa americana Risk Management Solutions, responsável pela avaliação dos custos de desastres naturais para seguradoras e instituições financeiras, afirmou que os custos com seguros ultrapassaram os US$ 60 bilhões, com um prejuízo total superior a US$ 150 bilhões.

A auditoria ambiental pode auxiliar as empresas seguradoras a estimar com maior grau de precisão o risco de acidentes ambientais e os seus reflexos em plantas industriais, infraestrutura urbana e atividades econômicas, facilitando o cálculo dos prêmios de seguro.

 d) Órgãos Ambientais

Os órgãos ambientais são responsáveis, dentre outras ações, pelo controle das atividades com potencial de impacto sobre o meio ambiente.

A auditoria ambiental é um instrumento gerencial que pode fornecer informações acerca do “estado ambiental” dos empreendimentos, destacando:

  • A manutenção preventiva de equipamentos;
  • A operação e processos industriais desenvolvidos na empresa;
  • A elaboração de plano de contingência para casos de acidentes;
  • A responsabilização por acidentes;
  • O risco ambiental do empreendimento;
  • A existência de passivos ambientais e sua redução/neutralização, etc.

A realização periódica de auditorias ambientais possibilita a identificação das áreas com maior potencial de risco, os principais problemas e as soluções tecnológicas mais adequadas, contribuindo para a elaboração de uma política ambiental mais eficaz.

Devemos observar que a adoção de auditorias ambientais proporciona uma atuação preventiva por parte dos órgãos ambientais, permitindo a identificação precoce de áreas de risco e de passivos ambientais.

 e) Sociedade Civil Organizada e Organizações Não Governamentais

As auditorias independentes podem ser contratadas por grupos sociais ou por ONG’s com o objetivo de desenvolver trabalhos técnicos de análise acerca de temas tais como o risco ambiental associado a determinado projeto industrial ou mesmo a responsabilização por acidentes.

Assim, as auditorias podem fornecer informações técnicas que nortearão a ação das ONG’s e da própria sociedade organizada no sentido de cobrar de empresários e políticos um posicionamento mais equilibrado que permita alcançar o desenvolvimento socioeconômico em sintonia com a utilização racional dos recursos naturais.

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A Auditoria Ambiental e suas Aplicações

Toda atividade econômica gera impactos sobre os ecossistemas, seja pela demanda sobre os recursos naturais (água, solo e biodiversidade), seja pelo aumento das várias formas de poluição ou pelo surgimento dos passivos ambientais.

Anteriormente os grandes projetos industriais eram executados sob o argumento da necessidade irrefreável de priorizar o desenvolvimento econômico, objetivando a geração de riquezas, emprego, tributos, etc.

O meio ambiente constituía um parâmetro de menor relevância, ignorado como se os eventuais impactos ambientais não representassem riscos.

Assim, o meio ambiente foi considerado durante décadas como um parâmetro menor no processo de análise e decisão empresarial, propiciando que projetos inviáveis pudessem ser implantados e operados impunemente.

Estas distorções demonstram a necessidade de que a análise de viabilidade econômica considere a componente ambiental sob o risco de superestimar as reais potencialidades do projeto.

Em outras palavras, se não analisarmos os componentes ambientais e seus desdobramentos poderemos contribuir para a aprovação de projetos inviáveis já em sua origem.

A auditoria ambiental surgiu nos EUA durante a década de 70, tornando-se uma ferramenta de gerenciamento para identificar antecipadamente os problemas que as empresas poderiam provocar com sua operação.

Inicialmente as empresas americanas pretendiam utilizar a auditoria ambiental com os seguintes objetivos:

  • Garantir que sua produção estava em conformidade com a legislação ambiental;
  • Reduzir os custos decorrentes de reparos/adequação em sua estrutura física;
  • Reduzir o absenteísmo e o tratamento de saúde de seus funcionários;
  •  Definir as alternativas tecnológicas mais adequadas para minimizar seus impactos ambientais, tais como a instalação de filtros, substituição de máquinas e/ou matéria prima, etc.;
  • Obter uma imagem positiva da empresa e de seus produtos perante um mercado consumidor cada vez mais exigente e consciente das questões ambientais.

A normatização em nível internacional foi alcançada apenas na década de 90 com o desenvolvimento da Série ISO 14.000, normas desenvolvidas em caráter voluntário, sem instrumentos legais que forcem sua adoção.

No Brasil as normas da Série ISO 14.000 foram adotadas após sua tradução e publicação, a cargo da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), em 1996, sendo que a auditoria ambiental está contemplada nas normas NBR ISO 14.010, 14.011 e 14.012, conforme a tabela a seguir.

Tabela n.º 01:  Normas de Auditoria Ambiental da ABNT

Norma Conteúdo
NBR ISO   14.010 Estabelece   os princípios gerais aplicáveis a todos os tipos de auditoria ambiental.  Essa norma contém, também, definições   acerca de termos técnicos normalmente empregados nas auditorias ambientais.
NBR ISO   14.011 Esta   norma está relacionada especificamente   com as auditorias de Sistema de Gestão Ambiental (SGA).
NBR ISO   14.012 Critérios   de qualificação para auditores ambientais.

Fonte: ABNT, 1994.

 As Aplicações Mais Comuns da Auditoria Ambiental

Conforme mencionamos anteriormente, a auditoria ambiental é um instrumento de análise que pode ser utilizado de diversas formas, dependendo dos objetivos a serem alcançados, tais como:

a) Análise da Conformidade Legal

A auditoria ambiental voltada à conformidade legal procura verificar se uma determinada empresa observa as condicionantes e limites ambientais impostos pela legislação.

As empresas necessitam de uma orientação no sentido de atender plenamente o disposto na legislação ambiental, evitando a aplicação de multas e outras sanções legais como a paralisação temporária das atividades ou mesmo o seu fechamento definitivo.

Por outro lado, uma empresa em conformidade com os ditames legais pode dar início a um processo de certificação ambiental com vistas à obtenção de um “selo verde” dos seus produtos para, consequentemente, conquistar outros mercados consumidores.

Neste tipo de utilização da auditoria ambiental, procura-se observar, dentre outros aspectos:

  • Se os padrões de lançamento de resíduos e de efluentes na atmosfera e nos corpos hídricos estão dentro dos limites especificados pela legislação;
  • Se a empresa vem cumprindo as condicionantes impostas pelo órgão ambiental no processo de licenciamento;
  • Se a empresa auditada cumpre as normas legais no que tange ao acondicionamento, transporte, tratamento e disposição final de resíduos, etc.

b) Avaliação de Risco Ambiental

Quando uma empresa decide construir, ampliar ou reformar sua planta industrial, é necessário que o processo de decisão considere os aspectos da legislação ambiental, em especial no que concerne ao risco ambiental decorrente de possíveis acidentes.

A empresa poderia, para sua maior segurança, contratar uma empresa especializada em auditorias ambientais de forma a identificar todos os pontos vulneráveis de seu processo produtivo, desde a aquisição da matéria-prima até a logística de venda do seu produto final, passando pelos processos industriais e resíduos gerados.

A auditoria poderia verificar, igualmente, quais os resíduos formados no processo produtivo e apontar a melhor alternativa tecnológica para sua eliminação.

Uma vez de posse desses dados técnicos é possível a tomada de decisão acerca da real viabilidade do empreendimento.

c.  Apuração de Responsabilidade em Acidentes

A legislação ambiental no Brasil determina que, em casos de acidentes, o agente responsável seja multado pela ocorrência do impacto ambiental e, ainda, promova a reparação dos danos causados.

A auditoria ambiental poderia ser utilizada para identificar o responsável pelo acidente, relacionar os danos ambientais decorrentes e valorá-los em termos financeiros, de forma a amparar ações na esfera judicial para ressarcimento dos danos.

Veja o exemplo de um vazamento de petróleo que atinge uma área turística ou com grande potencial pesqueiro.

De acordo com a legislação ambiental brasileira a empresa responsável pelo vazamento deverá ser multada pelo órgão ambiental competente, além de ser obrigada a reparar ou compensar os danos causados ao meio ambiente e a terceiros.

Como podemos observar, a reparação dos danos decorrentes de um acidente envolve estudos profundos sobre o meio ambiente afetado e suas relações com os demais ecossistemas, além da aplicação de técnicas para valoração econômica dos impactos ambientais.

Essas ações podem ser desenvolvidas no âmbito de uma auditoria ambiental.

d. Identificação de Passivos Ambientais

 Um passivo ambiental representa o valor financeiro que determinada empresa deverá assumir futuramente em razão das alterações que o seu processo produtivo impõe ao meio ambiente.

Embora estejam comumente associados a acidentes ou danos que afetam o meio ambiente os passivos ambientais possuem diversas outras origens, tais como:

  • Custos associados às ações para reparação de danos ambientais;
  • Custos de indenizações a terceiros em decorrência de acidentes ambientais;
  • Multas aplicadas por órgãos ambientais em decorrência de falhas e inconsistências apresentadas pela empresa e sua atividade produtiva;
  • Tanques de combustível deteriorados em postos de serviço;
  • Instalações industriais desativadas ou abandonadas;
  • Resíduos de processos industriais lançados sem controle na atmosfera, nos corpos hídricos e no solo;
  • Produtos descartados ao final de sua vida útil sem que sejam adotadas medidas de proteção adequada (pneus, baterias automotivas, computadores e seus acessórios, baterias de telefones celulares e outros);
  • Lixões a céu aberto;
  • Solo contaminado pelo uso de agrotóxicos;
  • Manutenção de equipes ou departamentos voltados para a questão ambiental;
  • Aquisição preventiva de equipamentos para controle da poluição; etc.

Os passivos ambientais representam custos que, em muitas oportunidades, são elevados o suficiente para inviabilizar processos de aquisição ou fusão entre empresas.

Caso a empresa compradora não observar a existência de passivos ambientais de responsabilidade da empresa a ser adquirida o risco associado à transação será potencializado, pois os custos destinados a conter ou remediar os passivos não estará contemplado nos cálculos iniciais.

Assim, a auditoria ambiental pode ser extremamente útil no sentido de permitir o cálculo mais justo e acurado de valores em processos de compra ou fusão de empresas, identificando:

  • A existência de passivos ambientais;
  • A natureza dos passivos identificados;
  • A responsabilidade pela eliminação dos passivos;
  • As tecnologias existentes para redução dos riscos associados aos passivos;
  • O custo financeiro para adoção das medidas preconizadas;
  • O período de tempo necessário para eliminar os passivos.

e.  Certificação Ambiental

A busca de novos mercados consumidores é uma necessidade imperiosa para as empresas em um mundo globalizado e o meio ambiente é uma das condicionantes que vêem sendo consideradas na conquista de novos mercados, dada a exigência dos consumidores.

Veja o caso de uma empresa de móveis que utiliza o mogno da Amazônia de forma predatória ou não sustentável.

Ao tentar vender seus produtos em países mais desenvolvidos  onde a sociedade possui considerável nível de conscientização, a empresa enfrentará barreiras legais associadas ao meio ambiente, sendo proibida de vender.

Os consumidores da Europa, EUA e Japão demandam produtos elaborados de forma racional e ambientalmente sustentável e, em futuro próximo, esse comportamento deverá ser ampliado para um leque maior de produtos, forçando os produtores e exportadores a adotar novos processos produtivos que garantam a sustentabilidade ambiental de sua produção.

Mas qual é a garantia ou certeza que um consumidor inglês ou alemão pode ter de que a sua nova mesa de mogno foi fabricada com madeira obtida em cultivos sustentados?  Ele não corre o risco de “comprar gato por lebre” ?

A garantia está no processo de Certificação Ambiental, onde as empresas produtoras se submetem a um rigoroso exame em suas instalações, processos industriais e fornecedores de matéria-prima de forma a atestar que o seu produto apresenta sustentabilidade.

Uma vez de posse desse Certificado Ambiental, conhecido também como “selo verde”, a empresa garante o seu acesso a um mercado consumidor mais exigente e que está disposto a pagar um sobrepreço pela qualidade do produto.

A Certificação Ambiental é obtida mediante o atendimento pela empresa de uma série de condicionantes e etapas que atestarão a qualidade e sustentabilidade do processo produtivo e sua adequabilidade aos ditames legais.

 Isso envolve, obviamente, um processo semelhante ao de uma auditoria ambiental destinada a verificar os procedimentos da empresa face à legislação ambiental e, também, se a empresa tem condições de comprovar a utilização de um manejo sustentável dos recursos naturais à disposição no seu parque industrial.

A citada verificação é continuada uma vez que as empresas poderiam agir de má fé e ajustar seus processos apenas momentaneamente para receber sua certificação, voltando ao padrão anterior.

 Assim, as empresas que já obtiveram o seu Certificado Ambiental ou “selo verde” são submetidas posteriormente à sucessivas auditorias para atestar a manutenção dos padrões exigidos pela legislação e pelo mercado consumidor, o que garante a perpetuação das práticas e políticas ambientais sustentáveis ao longo dos anos.

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