A imprensa noticiou recentemente a ocorrência anormal de casos de câncer na cidade mineira de Paracatu, área histórica de mineração situada no noroeste de Minas Gerais, que, ainda conforme a denúncia, estariam associados à presença de arsênio retirado durante o processo de beneficiamento na mineração do ouro
O ouro extraído encontra-se originalmente em rochas ricas em arsenopirita, um mineral que possui alto teor de arsênio. Assim, a operação implica na geração de um resíduo perigoso (arsênio) que pode ocasionar graves impactos sobre os ecossistemas e saúde humana
Segundo Enríquez (2007), o número de casos de câncer aumentou significativamente em Paracatu nos últimos anos, assim como o número de internações por doenças dos aparelhos circulatório e respiratório.
Para melhor compreendermos a questão devemos inicialmente considerar que toda atividade econômica possui uma estreita vinculação com o meio ambiente que pode ser observada nas seguintes dimensões:
- Aumento da demanda sobre bens e serviços ambientais (ex.: água, solo, oceanos, biodiversidade, etc.);
- Geração de resíduos e/ou processos poluentes (ex.: indústria de produtos químicos, resíduos da construção civil, etc.);
- Produção de Passivos Ambientais que podem vir a comprometer o meio ambiente (ex.: barragens de resíduos químicos, tanques em postos de combustíveis, etc.).
Na realidade o problema observado em Paracatu ocorre em muitos países e tem um nome peculiar: passivo ambiental.
O passivo ambiental é um valor financeiro associado à recomposição dos danos ambientais gerados por uma determinada atividade econômica (metalúrgica, siderúrgica, fábrica de celulose, mineradoras, etc.).
Ou seja: se uma empresa gera algum dano ambiental decorrente de sua produção deverá arcar com os diversos custos financeiros associados à recuperação do meio ambiente.
A nossa história em Paracatu começa em 1987, quando a Companhia Rio Paracatu (RPM) iniciou a mineração de ouro de forma empresarial naquele município.
Em 2004, a companhia foi comprada pela empresa canadense Kinross Gold Corporation cujas instalações compreendem uma mina a céu aberto, uma usina de beneficiamento e uma área para disposição de rejeitos minerais, além da infraestrutura superficial (KINROSS, 2010).
Estima-se que as reservas dessa mina a céu aberto, situada a 2 km do centro urbano de Paracatu, deverão se esgotar em 2040.
O conflito atualmente presente na região se dá por conta de dois fatores.
O primeiro fator diz respeito aos danos ambientais, devido à grande concentração de rejeitos depositados em nascentes de água potável de abastecimento público.
A operação apresenta-se como o mais grave caso de poluição associado à mineração de ouro no mundo, uma vez que a mina explorada possui baixos teores de ouro (0,4 g/t de minério), o que implica no descarte de grandes volumes de rejeitos contendo arsênio e outros poluentes.
Além disso, a mineradora também é responsável pelo acirramento dos conflitos de uso vinculados aos recursos hídricos, captando e utilizando três vezes mais “água nova” do que toda a cidade de Paracatu, além de devolver água suja para o ambiente.
O segundo fator de conflitos entre mineradora e comunidade está associado ao fato de que a companhia ignora os direitos das comunidades quilombolas, o que acaba sendo facilitado pela omissão dos órgãos ambientais estaduais.
O Mapa de conflitos envolvendo injustiça ambiental e saúde no Brasil afirma que o projeto de expansão da Mineração/Kinross no rio Paracatu atinge os territórios quilombolas de Machadinho, Amaro e São Domingos, certificados pela Fundação Cultural Palmares em dezembro de 2004, e em processo de reconhecimento e titulação pelo Incra.
O quadro se agrava ainda mais com o projeto de expansão da Kinross Gold Corporation de triplicar a produção anual de ouro o que demandará maior utilização da água do rio Paracatu e de outras fontes, como o córrego Machadinho, represado na nova barragem da empresa.
A nova barragem de rejeitos da Kinross ocupa um vale que originalmente pertencia à comunidade quilombola Machadinho que vendeu suas terras à mineradora e ocupa a periferia da cidade.
A comunidade de São Domingos, por exemplo, segue ocupando seu território tradicional e lutando para regularizar a área como território quilombola. O volume dos riachos Santos Reis e Poções, que correm dentro do território da comunidade, apresentam redução de volume devido às atividades de mineração, que poluem e assoreiam as águas.
A mineradora minimizou ou omitiu os impactos socioambientais negativos nos processos de licenciamento, o que impediu o estabelecimento de medidas necessárias de precaução e prevenção.
Em sua defesa a empresa alega que a expansão da capacidade produtiva beneficiará toda a população local com o aumento do número de empregos diretos e indiretos, a duplicação da arrecadação de impostos para o município, além do aumento da renda regional.
A princípio poderíamos pensar que se trata de um “trade off” entre o meio ambiente e o progresso econômico para que possam ser gerados benefícios às populações. A defesa da mineradora nos induz a pensar que as comunidades locais foram suficientemente alertadas para todos os resultados associados ao projeto, fossem positivos ou negativos.
Na realidade os impactos ambientais, notadamente quanto à saúde da população local, não foram totalmente identificados e comunicados à sociedade para que fosse adotada uma solução de consenso.
Em outras palavras, a retirada do arsênio durante o processo de beneficiamento do minério acarreta danos muito superiores àqueles eventuais benefícios econômicos.
Conclusão
A indústria de mineração e transformação mineral contribui com aproximadamente 6% do nosso PIB.
De acordo com informações do Serviço Geológico Brasileiro o efeito multiplicador do setor mineral quanto à criação de empregos alcança 1:13, ou seja, para cada posto de trabalho existente no setor são criadas 13 outras vagas ao longo das diversas cadeias produtivas.
Assim, entendemos que a mineração possui significativa importância para o desenvolvimento socioeconômico de nosso país, motivo pelo qual deve ser objeto de contínuo incentivo governamental vinculado à concessão de benefícios fiscais, financeiros e creditícios, bem como à implantação de infraestrutura compatível com as suas necessidades e ritmo de crescimento.
Entretanto, apesar da crescente importância do setor para a economia nacional, em especial no que toca à geração de empregos, renda e tributos, não há como desconsiderar a existência de diversos impactos ambientais que, pelo seu potencial degradador, merecem destaque e acompanhamento por parte dos órgãos licenciadores:
- Uso Intensivo de Água
- Degradação da paisagem
- Contaminação de solo, água e atmosfera por acúmulo de metais pesados
- Redução do oxigênio dissolvido dos ecossistemas aquáticos
- Assoreamento de rios
- Acidificação dos Rios (Drenagem Ácida de Mina)
- Doenças Respiratórias
A questão envolvendo o surgimento de casos de câncer em Paracatu merece estudos e avaliações mais profundas de modo a identificar as reais causas daquelas ocorrências.
Para que possamos identificar os responsáveis e aplicar as penas legais é necessário que os órgãos de responsáveis pelo processo de licenciamento ambiental e posterior fiscalização sejam suficientemente capacitados, em especial no que concerne ao seu corpo técnico, bem como quanto à dotação orçamentária adequada.
Caso seja comprovada a responsabilidade da mineradora, deve-se considerar a Teoria do Risco Integral com a condenação da mesma ao pagamento dos tratamentos de saúde, indenizações por danos morais e recomposição dos padrões de qualidade do meio ambiente, bem como ao pagamento das multas administrativas a serem aplicadas pelos órgãos ambientais competentes.
Marcelo de M.R. Quintiere Mestre em Gestão Ambiental do Meio Ambiente, auditor do TCU e escritor.
Felipe Quintiere Maia Graduando em Engenharia Ambiental, sócio da empresa Ambiental – Auditoria e Consultoria em Meio Ambiente.
Bibliografia Consultada
ENRÍQUEZ, M. A. R. S. Mineração: maldição ou dádiva? Os dilemas do desenvolvimento sustentável a partir de uma base mineira. 2007. Tese (Doutorado) – Universidade de Brasília, Brasília, 2007.
QUINTIERE, Marcelo de M.R. Passivos Ambientais, Ed. Publit Soluções Editoriais. Rio de Janeiro, 2010
SANTOS, M. J.; ARAÚJO, P. R. R. Ameaças ambientais de uma mineração a céu aberto. In: ENCONTRO ASSOCIAÇÃO NACIONAL DE PÓS-GRADUAÇÃO E PESQUISA EM AMBIENTE E SOCIEDADE,5. Florianópolis: ANPPAS, 2010. Disponível em:
<http://www.anppas.org.br/encontro5/cd/artigos/GT4-748- 797-20100828130756.pdf>.
SANTOS, M. O ouro e a dialética territorial em Paracatu: opulência e resistência. 2012. Dissertação (Mestrado) – Universidade Católica de Brasília, Brasília, 2012.