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A Mineração do Ouro e o Câncer

A imprensa noticiou recentemente a ocorrência anormal de casos de câncer na cidade mineira de Paracatu, área histórica de mineração situada no noroeste de Minas Gerais, que, ainda conforme a denúncia, estariam associados à presença de arsênio retirado durante o processo de beneficiamento na mineração do ouro

O ouro extraído encontra-se originalmente em rochas ricas em arsenopirita, um mineral que possui alto teor de arsênio. Assim, a operação implica na geração de um resíduo perigoso (arsênio) que pode ocasionar graves impactos sobre os ecossistemas e saúde humana

 Segundo Enríquez (2007), o número de casos de câncer aumentou significativamente em Paracatu nos últimos anos, assim como o número de internações por doenças dos aparelhos circulatório e respiratório.

Para melhor compreendermos a questão devemos inicialmente considerar que toda atividade econômica possui uma estreita vinculação com o meio ambiente que pode ser observada nas seguintes dimensões:

  •  Aumento da demanda sobre bens e serviços ambientais (ex.: água, solo, oceanos, biodiversidade, etc.);
  • Geração de resíduos e/ou processos poluentes (ex.: indústria de produtos químicos, resíduos da construção civil, etc.);
  • Produção de Passivos Ambientais que podem vir a comprometer o meio ambiente (ex.: barragens de resíduos químicos, tanques em postos de combustíveis, etc.).

Na realidade o problema observado em Paracatu ocorre em muitos países e tem um nome peculiar: passivo ambiental.

O passivo ambiental é um valor financeiro associado à recomposição dos danos ambientais gerados por uma determinada atividade econômica (metalúrgica, siderúrgica, fábrica de celulose, mineradoras, etc.).

Ou seja: se uma empresa gera algum dano ambiental decorrente de sua produção deverá arcar com os diversos custos financeiros associados à recuperação do meio ambiente.

A nossa história em Paracatu começa em 1987, quando a Companhia Rio Paracatu (RPM) iniciou a mineração de ouro de forma empresarial naquele município.

Em 2004, a companhia foi comprada pela empresa canadense Kinross Gold Corporation cujas instalações compreendem uma mina a céu aberto, uma usina de beneficiamento e uma área para disposição de rejeitos minerais, além da infraestrutura superficial (KINROSS, 2010).

Estima-se que as reservas dessa mina a céu aberto, situada a 2 km do centro urbano de Paracatu, deverão se esgotar em 2040.

O conflito atualmente presente na região se dá por conta de dois fatores.

O primeiro fator diz respeito aos danos ambientais, devido à grande concentração de rejeitos depositados em nascentes de água potável de abastecimento público.

A operação apresenta-se como o mais grave caso de poluição associado à mineração de ouro no mundo, uma vez que a mina explorada possui baixos teores de ouro (0,4 g/t de minério), o que implica no descarte de grandes volumes de rejeitos contendo arsênio e outros poluentes.

Além disso, a mi­neradora também é responsável pelo acirramento dos conflitos de uso vinculados aos recursos hídricos, captando e utilizando três vezes mais “água nova” do que toda a cidade de Paracatu, além de devolver água suja para o ambiente.

O segundo fator de conflitos entre mineradora e comunidade está associado ao fato de que a companhia ignora os direitos das comu­nidades quilombolas, o que acaba sendo facilitado pela omissão dos órgãos ambientais estaduais.

O Mapa de conflitos envolvendo injustiça ambiental e saúde no Brasil afirma que o projeto de expansão da Mineração/Kinross no rio Paracatu atinge os territórios quilombolas de Machadinho, Amaro e São Domingos, certificados pela Fundação Cultural Palmares em dezembro de 2004, e em processo de reconhecimento e titulação pelo Incra.

O quadro se agrava ainda mais com o projeto de expansão da Kinross Gold Corporation de triplicar a produção anual de ouro o que demandará maior utilização da água do rio Paracatu e de outras fontes, como o córrego Machadinho, represado na nova barragem da empresa.

A nova barragem de rejeitos da Kinross ocupa um vale que originalmente pertencia à comunidade quilombola Machadinho que vendeu suas terras à mineradora e ocupa a periferia da cidade.

A comunidade de São Domingos, por exemplo, segue ocupando seu território tradicional e lutando para regu­larizar a área como território quilombola. O volume dos riachos Santos Reis e Poções, que correm dentro do território da comunidade, apresentam redução de volume devido às atividades de mineração, que poluem e assoreiam as águas.

A mineradora minimizou ou omitiu os impactos socioambientais negativos nos processos de licenciamento, o que impediu o estabelecimento de medidas necessárias de precaução e prevenção.

Em sua defesa a empresa alega que a expansão da capacidade produtiva beneficiará toda a população local com o aumento do número de empregos diretos e indiretos, a duplicação da arrecadação de impostos para o município, além do aumento da renda regional.

 A princípio poderíamos pensar que se trata de um “trade off” entre o meio ambiente e o progresso econômico para que possam ser gerados benefícios às populações. A defesa da mineradora nos induz a pensar que as comunidades locais foram suficientemente alertadas para todos os resultados associados ao projeto, fossem positivos ou negativos.

 Na realidade os impactos ambientais, notadamente quanto à saúde da população local, não foram totalmente identificados e comunicados à sociedade para que fosse adotada uma solução de consenso.

 Em outras palavras, a retirada do arsênio durante o processo de beneficiamento do minério acarreta danos muito superiores àqueles eventuais benefícios econômicos.

Conclusão

A indústria de mineração e transformação mineral contribui com aproximadamente 6% do nosso PIB.

De acordo com informações do Serviço Geológico Brasileiro o efeito multiplicador do setor mineral quanto à criação de empregos alcança 1:13, ou seja, para cada posto de trabalho existente no setor são criadas 13 outras vagas ao longo das diversas cadeias produtivas.

 Assim, entendemos que a mineração possui significativa importância para o desenvolvimento socioeconômico de nosso país, motivo pelo qual deve ser objeto de contínuo incentivo governamental vinculado à concessão de benefícios fiscais, financeiros e creditícios, bem como à implantação de infraestrutura compatível com as suas necessidades e ritmo de crescimento.

 Entretanto, apesar da crescente importância do setor para a economia nacional, em especial no que toca à geração de empregos, renda e tributos, não há como desconsiderar a existência de diversos impactos ambientais que, pelo seu potencial degradador, merecem destaque e acompanhamento por parte dos órgãos licenciadores:

  1.  Uso Intensivo de Água
  2. Degradação da paisagem
  3. Contaminação de solo, água e atmosfera por acúmulo de metais pesados
  4. Redução do oxigênio dissolvido dos ecossistemas aquáticos
  5. Assoreamento de rios
  6. Acidificação dos Rios (Drenagem Ácida de Mina)
  7. Doenças Respiratórias

A questão envolvendo o surgimento de casos de câncer em Paracatu merece estudos e avaliações mais profundas de modo a identificar as reais causas daquelas ocorrências.

Para que possamos identificar os responsáveis e aplicar as penas legais é necessário que os órgãos de responsáveis pelo processo de licenciamento ambiental e posterior fiscalização sejam suficientemente capacitados, em especial no que concerne ao seu corpo técnico, bem como quanto à dotação orçamentária adequada.

 Caso seja comprovada a responsabilidade da mineradora, deve-se considerar a Teoria do Risco Integral com a condenação da mesma ao pagamento dos tratamentos de saúde, indenizações por danos morais e recomposição dos padrões de qualidade do meio ambiente, bem como ao pagamento das multas administrativas a serem aplicadas pelos órgãos ambientais competentes.

  Marcelo de M.R. Quintiere      Mestre em Gestão Ambiental do Meio Ambiente, auditor do TCU e escritor.

Felipe Quintiere Maia     Graduando em Engenharia Ambiental, sócio da empresa Ambiental – Auditoria e Consultoria em Meio Ambiente.

 

 

Bibliografia Consultada

 

ENRÍQUEZ, M. A. R. S. Mineração: maldição ou dádiva? Os dilemas do desen­volvimento sustentável a partir de uma base mineira. 2007. Tese (Doutorado) – Universidade de Brasília, Brasília, 2007.

 

QUINTIERE, Marcelo de M.R. Passivos Ambientais, Ed. Publit Soluções Editoriais. Rio de Janeiro, 2010

 

SANTOS, M. J.; ARAÚJO, P. R. R. Ameaças ambientais de uma mineração a céu aberto. In: ENCONTRO ASSOCIAÇÃO NACIONAL DE PÓS-GRADUAÇÃO E PESQUISA EM AMBIENTE E SOCIEDADE,5. Florianópolis: ANPPAS, 2010. Disponível em:

<http://www.anppas.org.br/encontro5/cd/artigos/GT4-748- 797-20100828130756.pdf>.

 

SANTOS, M. O ouro e a dialética territorial em Paracatu: opulência e resistência. 2012. Dissertação (Mestrado) – Universidade Católica de Brasília, Brasília, 2012.

Passivos Ambientais em ATIVIDADE

             Dizem que no Brasil só colocamos cadeado no portão depois dos assaltos.

            Não sei se é verdade, mas a sucessão de acidentes em barragens de resíduos no Brasil deveria gerar medidas concretas do governo e iniciativa privada de forma a garantir a segurança da população.

            No dia 10 de setembro houve um acidente na barragem de resíduos de mineração de propriedade da mineradora Herculano, em Itabirito (MG), causando a morte de três pessoas e diversos prejuízos financeiros.

            A barragem rompida é uma das quatro contenções existentes na área da mineradora e havia alcançado a sua capacidade máxima, estando desativada. De acordo com a Prefeitura de Ibirité, a documentação da mineradora está em dia e a empresa tem licença ambiental para operar na cidade.

           De acordo com a Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Recursos Hídricos de Minas Gerais (Semad) as auditorias nas barragens são realizadas por empresas independentes e observam as condições físicas e hidráulicas para operação das estruturas. No caso das barragens da Classe II, como a B1, a auditoria é realizada a cada dois anos.

           A carga de rejeito de minério despejada atingiu afluentes do Rio das Velhas, que abastecem Belo Horizonte e cidades da região metropolitana. A preocupação das autoridades é evitar que a poluição chegue à estação de tratamento de água Bela Fama e comprometa o abastecimento.

           De acordo com informações prestadas pelo Comitê da Bacia do Rio das Velhas (CBH), os córregos Silva e do Eixo, afluentes do Rio Itabirito que, por sua vez, deságua no Rio das Velhas, foram contaminados pelos rejeitos de minério.

           Os reflexos e medidas governamentais já começam a surgir:

  • O caso está sendo acompanhado pelo Ministério Público de Minas Gerais (MPMG), Polícia Civil, Departamento Nacional de Produção Mineral e Secretaria de Estado de Meio Ambiente;
  • O Núcleo de Emergências Ambientais e Desenvolvimento Sustentável da Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (Semad) investiga os danos ambientais que podem ter ocorrido;
  • O Departamento Nacional de Produção Mineral, a autarquia vinculada ao Ministério de Minas e Energia, interditou a mina por tempo indeterminado.
  • A Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (Semad) determinou a suspensão imediata das atividades da mineradora.

            Este acidente não é, infelizmente, uma exceção ou um “ponto fora da curva” no Brasil, haja vista a ocorrência de outros graves acidentes ambientais.

            Como exemplos podemos relembrar:

  1. Rompimento de barragem de resíduos químicos (lixívia negra) derivados da produção de papel na cidade de Cataguases (MG);
  2. Terreno doado pela Companhia Siderúrgica Nacional (CSN) ao Sindicato dos Metalúrgicos de Volta Redonda para construção de casas populares, sendo que a área foi utilizada durante 13 anos como depósito de milhares de toneladas de resíduos industriais com alto poder de contaminação;
  3. Deslizamento ocorrido no “Morro do Bumba”, em Niterói (RJ). As moradias foram construídas sobre um antigo lixão existente em uma área com declive, que foi posteriormente recoberta pela vegetação. Com as chuvas muito intensas o “solo – lixo” encharcou, ficou pesado e desceu, matando 48 pessoas;
  4. Construção do Shopping Center Norte em São Paulo sobre um antigo lixão. A matéria orgânica existente naquele lixão ainda está em processo de decomposição, produzindo enormes quantidades de metano, um gás do efeito estufa que contribui para o aquecimento global e explode com razoável facilidade
  5. A Contaminação em Santo Amaro da Purificação (BA) pela Usina Plumbum, localizada a 300 metros da margem do rio Subaé, contaminou, ao longo de 32 anos, a população da cidade com resíduos de chumbo (Pb) e cádmio (Cd), em nível endêmico.

           Todos esses casos representam aquilo que tecnicamente denominamos como sendo “Passivos Ambientais”

          O passivo ambiental consiste em um valor monetário que procura expressar, ainda que sob a forma de estimativa, qual o gasto total que determinada empresa ou instituição deverá arcar no futuro em decorrência dos impactos ambientais gerados por sua atividade produtiva.

            De acordo com o IBRACON – Instituto dos Auditores Independentes do Brasil, o passivo ambiental consiste no valor dos investimentos necessários para reparar toda a agressão que se pratica ou praticou contra o meio ambiente.

            Conforme destaca MALAFAIA, a essência do passivo ambiental está no controle e reversão dos impactos das atividades econômicas sobre o meio natural, envolvendo, portanto, todos os custos das atividades que sejam desenvolvidas nesse sentido.

            Para UEHARA, o passivo ambiental se constitui no dia-a-dia em contrapartida às alterações ambientais provocadas pelas atividades econômicas desempenhadas pelas empresas.

            O passivo ambiental representa toda e qualquer obrigação destinada, única e exclusivamente, a promover investimentos em prol de ações relacionadas à extinção ou amenização dos danos causados ao meio ambiente, inclusive os valores direcionados a investimentos na área ambiental (MALAFAIA).

             Embora estejam comumente associados a acidentes e danos que afetam o meio ambiente os passivos ambientais não estão restritos apenas às barragens de resíduos, sendo possível observar a sua presença associada a outras origens, tais como:

  • Custos associados às ações para reparação de danos ambientais;
  • Custos de indenizações a terceiros em decorrência de acidentes ambientais.
  • Antigos tanques de combustíveis em postos de serviço;
  • As instalações industriais desativadas ou abandonadas;
  • Os resíduos de processos industriais lançados sem controle na atmosfera, nos corpos hídricos e no solo;
  • Produtos descartados ao final de sua vida útil sem que sejam adotadas medidas de proteção adequada (pneus, baterias automotivas, computadores e seus acessórios, baterias de telefones celulares e outros);
  • Lixões a céu aberto;
  • Solo contaminado pelo uso de agrotóxicos;
  • Manutenção de equipes ou departamentos voltados para a questão ambiental;
  • Aquisição preventiva de equipamentos para controle da poluição; etc.

             Os passivos ambientais existem aos milhares em nosso país e, na grande maioria dos casos, não são conhecidos pelos órgãos ambientais estaduais e municipais. Estamos diante de uma ameaça significativa que, a depender dos produtos tóxicos envolvidos, poderá ocasionar uma tragédia sem precedentes. (Este trecho foi escrito em uma matéria de minha autoria, publicada no Blog do Quintiere em abril de 2013…).

              No caso específico das barragens de acumulação de resíduos tóxicos, tema deste artigo, os riscos ao meio ambiente e à saúde humana são significativos e potencializados em razão dos seguintes fatores:

  • As barragens estão geograficamente dispersas, o que dificulta as ações de fiscalização;
  • Os componentes tóxicos depositados nas barragens constituem um amplo leque de produtos químicos danosos aos ecossistemas, havendo possibilidade de sinergia com elevação dos riscos ambientais;
  • Muitas barragens encontram-se situadas em locais ermos com reduzido controle e fiscalização, possibilitando eventual descarte clandestino ou ilegal de elementos altamente tóxicos sem que haja nenhum tipo de acompanhamento por parte da empresa ou dos órgãos ambientais;
  • Muitas barragens estão abandonadas e seu estado de conservação é precário, o que facilita a ocorrência de rompimentos e vazamentos;
  • O custo financeiro para redução do volume dos elementos tóxicos, sua neutralização ou mesmo o desenvolvimento de alternativas que possibilitem o seu uso econômico é bastante elevado, o que inibe a atuação das empresas responsáveis.

              Diante da abrangência e magnitude do problema é necessária a atuação conjunta do Estado, sociedade e setor privado.

             O governo federal avançou nessa questão com a publicação da Lei n.º 12.334/2010 que estabeleceu a Política Nacional de Segurança de Barragens (PNSB), contemplando aquelas barragens destinadas à acumulação de água para quaisquer usos, à disposição final ou temporária de rejeitos ou à acumulação de resíduos industriais, além de criar o Sistema Nacional de Informações sobre Segurança de Barragens (SNISB).

            De acordo com essa lei, os proprietários das barragens são obrigados a desenvolver uma série de atividades de modo a garantir maior segurança à manutenção e operação daquelas estruturas.

             Além do óbvio compromisso (moral, ético e legal) de indenizar as famílias dos trabalhadores mortos e demais contaminados, as empresas ainda são obrigadas a reparar os danos gerados ao meio ambiente.

             Quanto à necessidade de reparação dos danos ambientais destacamos alguns aspectos legais envolvidos, em especial a Teoria Objetiva da Responsabilidade e os dispositivos legais que tratam do tema.

            A Teoria Objetiva da Responsabilidade tem como elementos básicos apenas o dano causado e o nexo de causalidade, não sendo necessário o desenvolvimento de provas ou elementos comprobatórios acerca da culpa do infrator.

            Desta forma o processo se torna mais célere, garantindo que os recursos destinados à compensação dos danos vinculados aos acidentes ambientais sejam prontamente obtidos, protegendo de modo mais efetivo o meio ambiente.

            O Direito Ambiental no Brasil, assim como em outros países desenvolvidos, adota a Teoria Objetiva da Responsabilidade, conforme se verifica nos seguintes dispositivos legais:

  1. Lei n.º 6.938/81 – PNMA Art. 14, § 1º:

                “Sem obstar a aplicação das penalidades previstas neste artigo, é o poluidor obrigado, independentemente de existência de culpa, a indenizar ou reparar os danos causados ao meio ambiente e a terceiros, afetados por sua atividade”.

  1. CF/ 1988, Art. 225, § 3º:

                 “As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados”.

  1. Código Civil de 2002 – Lei n.º 10.406/2002, Art. 927, § único

                        “Haverá a obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem”.

            A Teoria Objetiva da Responsabilidade encontra amparo na conhecida Teoria do Risco Integral:

             “Quem recebe os lucros de uma atividade deve estar preparado para assumir os eventuais danos causados a terceiros”.

            Desta forma procura-se internalizar nos custos gerais das indústrias os impactos negativos ao meio ambiente e a obrigatoriedade de promover o seu ressarcimento, evitando a sua equivocada socialização pelo conjunto da sociedade.

            A responsabilidade pelo pagamento dos danos praticados contra o meio ambiente está associada ao conhecido Princípio Poluidor-Pagador, previsto como sendo um dos objetivos centrais da Política Nacional do Meio Ambiente, conforme se verifica no Art. 4º, VII da Lei n.º 6.938/81:

“Art. 4º – A Política Nacional do Meio Ambiente visará:

(…)

VII – à imposição, ao poluidor e ao predador, da obrigação de recuperar e/ou indenizar os danos causados e, ao usuário, da contribuição pela utilização de recursos ambientais com fins econômicos.”

             A Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS – Lei n.º 12.305/2010), instrumento que disciplina a gestão de resíduos em todo o país, estabelece a necessidade de identificação dos passivos ambientais existentes no âmbito dos municípios, inclusive como elemento essencial na elaboração do Plano Municipal de Gestão de Resíduos (art. 19, inciso XVIII).

             Tenho fortes suspeitas de que a fiscalização das barragens de resíduos não está ocorrendo conforme o esperado, uma vez que muitos dos órgãos ambientais sofrem com limitações de ordem orçamentária, carência de pessoal qualificado e infraestrutura deficiente.

CONCLUSÃO

            Devemos realizar um esforço no sentido de fortalecer o Sistema Nacional de Meio Ambiente (SISNAMA), promovendo a capacitação dos recursos humanos nos órgãos ambientais, elaboração de um orçamento compatível com as atribuições e aquisição de equipamentos mais modernos.

            Se não adotarmos medidas nesse sentido continuaremos a colecionar “surpresas” indefinidamente, algumas com menor impacto e outras (infelizmente) em nível de catástrofes socioambientais.

A Coleta Seletiva no Distrito Federal

Introdução

 A gestão dos resíduos sólidos tornou-se um problema complexo no decorrer do século 20, impactando fortemente a saúde pública e os ecossistemas em todo o mundo, além de obrigar os países a comprometerem percentuais crescentes de seus recursos financeiros na tentativa de reduzir os impactos.

 Considerando que a produção de resíduos está diretamente vinculada ao tamanho da população e à renda per capita, podemos esperar um agravamento dos problemas em um mundo mais populoso e com maior geração de riqueza.

Para compreendermos a complexidade crescente associada à gestão dos resíduos sólidos devemos observar algumas de suas características fundamentais:

 a) O lixo é uma “indústria” que opera ininterruptamente

A nossa sociedade jamais deixa de produzir resíduos: seja em um feriado, dia santo, período de férias escolares, carnaval, Natal ou em um simples final de semana a produção de resíduos está sempre presente.

Assim, a gestão dos resíduos assume um caráter contínuo, envolvendo cifras anuais de bilhões de reais associadas aos sistemas de coleta, tratamento e disposição final.

 b) O lixo é um produto heterogêneo

A utilização indistinta do termo “lixo” desconsidera uma característica muito relevante: a sua ampla heterogeneidade.

Se analisarmos os componentes mais comuns do “lixo”, observaremos a presença de matéria orgânica, plásticos, metais, papel, pneus, resíduos hospitalares, metais pesados presentes em baterias de celulares, etc.

Infelizmente não há um tratamento ou tecnologia que seja capaz de, a um só tempo, solucionar todos os problemas ambientais e socioeconômicos derivados dos diversos tipos de resíduos.

Assim, para cada tipo de resíduo ou componente existente, temos uma forma mais adequada de promover sua coleta, tratamento e disposição final, o que nos obriga a desenvolver uma estratégia contemplando um mix de tecnologias (ex.: aterros sanitários, processos de reciclagem, logística reversa, produção de energia a partir dos resíduos e rejeitos, etc.).

Um exemplo concreto pode ser verificado no tratamento diferenciado aplicado aos resíduos gerados pelos serviços de saúde (RSS), uma vez que os mesmos não podem ser submetidos aos processos de reciclagem ou encaminhados aos aterros sanitários.

 c) A geração crescente de resíduos sólidos

O consumo excessivo é uma das características marcantes de nossa sociedade, proporcionando a geração de resíduos em quantidades crescentes.

Na verdade nunca produzimos tanto lixo como nas últimas décadas.

A diferença observada na geração de lixo, seja em termos quantitativos ou qualitativos, é reflexo do nível de atividade econômica: quanto mais rica e desenvolvida a região, maiores serão as suas trocas comerciais, a abertura dos mercados aos produtos importados, o nível de consumo e a diversidade de produtos diariamente transacionados.

d) A composição dos resíduos e a elevação do risco de contaminação

A gestão dos resíduos sólidos envolve outro aspecto igualmente importante: a sua composição.

 O lixo nosso de cada dia passou a receber grandes volumes de materiais tóxicos com lenta decomposição e maior risco aos ecossistemas.

A tecnologia evoluiu com os processos de produção e novos materiais foram sendo desenvolvidos sem que fosse observado o correspondente surgimento de soluções tecnológicas para tratamento dos resíduos gerados.

Como exemplo podemos destacar o surgimento das baterias de celulares, lâmpadas de mercúrio, produtos químicos diversos, agrotóxicos e plásticos, contendo metais pesados que potencializam a contaminação dos ecossistemas e favorecem o surgimento de doenças graves, tais como o saturnismo (contaminação por chumbo) e o Mal de Minamata (contaminação por mercúrio).

 A presença de alguns tipos de resíduos pode provocar severas contaminações com o comprometimento da qualidade da água subterrânea, do solo agricultável e da biodiversidade por longos períodos de tempo.

Além disso, a contaminação por metais pesados e demais produtos tóxicos tende a comprometer a resiliência dos ecossistemas, ou seja, a capacidade de recuperar a sua condição de equilíbrio anterior.

Assim, uma vez ocorrida a contaminação do meio ambiente nem sempre será possível a aplicação de alguma tecnologia capaz de recompor as condições naturais vigentes anteriormente, o que se traduzirá em custos elevados com a limpeza das áreas contaminadas, retirada da população local e sobrecarga dos sistemas públicos de saúde, saneamento, energia, educação, habitação, agrícola, etc.

 2) Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS)

 A solução para o problema dos resíduos sólidos no Brasil envolve uma verdadeira mudança de paradigma, obrigando governo, empresariado e sociedade a um esforço contínuo e integrado.

Um resultado concreto que podemos destacar nesse sentido foi a implantação da Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS), instituída pela Lei n.º 12.305/2010, que introduziu profundas alterações no gerenciamento dos resíduos sólidos no Brasil, dentre as quais:

  •  A obrigatoriedade de  desativação dos “lixões” até agosto de 2014;
  • A implantação da logística  reversa;
  • O estímulo à coleta seletiva;
  • O desenvolvimento dos Planos de Gestão de Resíduos Sólidos até agosto de 2012;
  • A elaboração dos Planos de Gerenciamento de Resíduos no âmbito da Iniciativa Privada;
  • A responsabilidade  compartilhada pelo ciclo de vida dos produtos;
  • Apoio à pesquisa tecnológica voltada à redução dos volumes de resíduos sólidos e economia de insumos  (água, energia e matéria prima);
  • O estímulo à formalização e  capacitação das cooperativas de catadores de resíduos;
  • Desenvolvimento de   instrumentos econômicos, tais como incentivos creditícios, fiscais e financeiros para apoio às operações de gestão de resíduos sólidos;
  • O estímulo à reciclagem e  aos processos de reutilização, dentre outros.

 Trata-se, como se pode concluir, de uma lei bastante complexa e ambiciosa cuja abrangência alcança o Poder Público nas suas esferas administrativas, empresas privadas, indústrias, cooperativas de catadores e consumidores, consolidando a ideia central da “Responsabilidade Compartilhada”.

A partir da PNRS alguns resultados podem ser observados, em especial no que concerne aos esforços para implantação da coleta seletiva, eliminação de lixões, estímulo à reciclagem, etc.

 3) A situação dos resíduos sólidos no Distrito Federal

 O Distrito Federal possui aproximadamente 2,8 milhões de habitantes, a maior renda per capita do país (R$ 58.589,00) e indicadores de qualidade de vida semelhantes àqueles dos países desenvolvidos, com destaque para o IDH de 0,824 e a taxa de analfabetismo de 4%.

Em que pese esse conjunto favorável de bons indicadores o Distrito Federal ainda se encontra atrasado quanto à gestão de seus resíduos sólidos.

Dados do Diagnóstico de Manejo de Resíduos Sólidos Urbanos do Sistema Nacional de Informações sobre o Saneamento (SNIS), elaborado pelo Ministério das Cidades, apontam o DF como o maior produtor de resíduos sólidos do país com mais de 1,5 kg/habitante/dia, ao passo que a média nacional alcançou 1,17 kg/hab./dia.

Para onde vai todo esse lixo?

De acordo com a Pesquisa Nacional de Saneamento Básico – PNSB – 2008, realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE – e editada em 2010, a disposição final dos resíduos nos municípios brasileiros é dividida da seguinte forma:

  • 50,8 % em lixões;
  • 22,5 % em aterros controlados;
  • 27,7 % em aterros sanitários;

A prevalência dos lixões demonstra que um percentual considerável do lixo gerado diariamente não recebe o tratamento adequado, retratando as inconsistências e fragilidades da gestão pública dos resíduos sólidos no Brasil.

Infelizmente a maior porcentagem dos resíduos coletados no DF ainda é encaminhada ao “Lixão da Estrutural”, contribuindo para a disseminação de doenças, contaminação do sistema solo-ar-água, sem desconsiderar os danos à imagem e o desperdício de recursos financeiros que poderiam ser obtidos com a reciclagem.

O nosso cenário negativo pode melhorar:

Em fevereiro deste ano o GDF instituiu a coleta seletiva a ser realizada em todas as suas regiões administrativas, inclusive nas áreas rurais, um desafio considerável se considerarmos que apenas 16% do DF contava com esse tipo de serviço.

O que representa a coleta seletiva?

O texto da Política Nacional de Resíduos Sólidos contempla a coleta seletiva quanto a três aspectos básicos: conceituação; responsabilidade dos consumidores e concessão de incentivos econômicos para sua implantação efetiva, conforme se verifica a seguir:

 a)       Conceito:  

O conceito de coleta coletiva está estabelecido no inciso V, art. 3º da PNRS:

Art. 3o  Para os efeitos desta Lei, entende-se por:

 (…)

  V – coleta seletiva: coleta de resíduos sólidos previamente segregados conforme sua constituição ou composição;”

Em uma linguagem mais simples podemos dizer que a coleta seletiva é um termo utilizado para designar a prévia separação de resíduos, preferencialmente junto às fontes geradoras, tais como domicílios, supermercados, shoppings, indústrias, etc., propiciando dois grandes componentes:

 1)                        Os resíduos recicláveis, também conhecidos como “lixo seco”, passíveis de encaminhamento aos processos de reciclagem para posterior reinserção no ciclo produtivo das indústrias.

2)                        Os demais materiais, denominados de rejeitos ou “lixo úmido”, que serão encaminhados aos aterros sanitários ou aos processos de recuperação energética onde ocorrerá a geração de energia elétrica a partir da sua queima em fornos adequados.

 b)       A responsabilidade dos consumidores:

A responsabilidade dos consumidores nos processos de coleta seletiva está estabelecida no artigo 35 da PNRS:

“Art. 35.  Sempre que estabelecido sistema de coleta seletiva pelo plano municipal de gestão integrada de resíduos sólidos e na aplicação do art. 33, os consumidores são obrigados a: 

I – acondicionar adequadamente e de forma diferenciada os resíduos sólidos gerados; 

II – disponibilizar adequadamente os resíduos sólidos reutilizáveis e recicláveis para coleta ou devolução.” 

A coleta seletiva possui estreita vinculação com os processos de reciclagem e, desta forma, constitui uma engrenagem fundamental para o sucesso da PNRS, possibilitando:

  • Melhores condições para o desenvolvimento dos processos de reciclagem;
  • O atingimento das metas associadas à disposição final de resíduos de forma adequada e sustentável;
  • A conscientização da sociedade quanto ao seu real nível de consumo, muitas vezes irracional e desnecessário.

De acordo com a PNRS a responsabilidade dos consumidores pela coleta seletiva em seus municípios estará limitada ao acondicionamento e disponibilização dos resíduos gerados nas respectivas unidades domiciliares para posterior coleta.

 Da mesma forma a responsabilidade dos consumidores quanto aos sistemas de logística reversa (artigo 33 da PNRS) implantados em seu município estará limitada apenas ao correto acondicionamento e disponibilização dos resíduos (ex.: pilhas, baterias, eletroeletrônicos, lâmpadas fluorescentes, embalagens de agrotóxicos e de lubrificantes) gerados em sua unidade domiciliar.

  c)       Incentivos Econômicos:

A participação dos consumidores nos sistemas de coleta seletiva implantados pelos municípios é fundamental uma vez que estes, caso considerados em conjunto, representam um elevado percentual do total de resíduos coletados diariamente em nossos grandes centros urbanos.

A PNRS inova ao prever a possibilidade de concessão de incentivos econômicos aos consumidores em contrapartida à sua participação nos processos de coleta seletiva, o que pode ser concretizado, por exemplo, mediante a redução da taxa de limpeza pública.

 “Art. 35.

 (…)

Parágrafo único.  O poder público municipal pode instituir incentivos econômicos aos consumidores que participam do sistema de coleta seletiva referido no caput, na forma de lei municipal.”

 Conclusão:

A coleta seletiva é um instrumento importante que poderá trazer melhorias nas condições de saúde da nossa população, além de potencializar a preservação ambiental.

  Entretanto, é necessário que o GDF desenvolva outras ações concomitantes que possam garantir a modernização, eficácia e eficiência na gestão integrada dos resíduos sólidos, dentre as quais:

  •  Implantação de programas de educação ambiental, de modo a promover a conscientização e a participação mais ativa da sociedade;
  • Estruturação das cooperativas e associações de catadores de resíduos, inclusive com a adoção de mecanismos para sua capacitação técnica e a oferta de crédito para compra de seus equipamentos;
  • Introdução da Logística Reversa voltada à destinação adequada de resíduos perigosos tais como as lâmpadas de mercúrio, as pilhas e baterias, os eletroeletrônicos e as embalagens de lubrificantes e agrotóxicos;
  • O correto tratamento e disposição final dos Resíduos dos Serviços de Saúde (RSS) e dos Resíduos da Construção Civil (RCC);
  • A instalação de polos de reciclagem para aproveitamento econômico de resíduos provenientes da coleta seletiva e dos sistemas de logística reversa;
  • Incentivo à pesquisa científica com a participação de nossas universidades, objetivando o desenvolvimento de processos produtivos menos intensivos em matéria prima, água e energia elétrica gerando, inclusive, novos produtos recicláveis;
  • Erradicação definitiva do “Lixão da Estrutural”; e
  • Instalação de uma Usina de Recuperação Energética para geração de energia a partir dos rejeitos coletados.

  (*) Marcelo de M.R. Quintiere

Auditor do TCU; Engenheiro; Mestre em Gestão Econômica do Meio Ambiente (UnB); Autor dos livros:  Auditoria Ambiental, Passivos Ambientais, A Transposição do São Francisco, Auditoria Governamental e Os Reciclildos.

(**) Felipe Quintiere Maia

Graduando em Engenharia Ambiental pela UnB; Sócio da Empresa Ambiental – Auditoria e Consultoria em Meio Ambiente Ltda.

PASSIVOS AMBIENTAIS (vídeo)

PECUÁRIA E DESMATAMENTO

Já ouvimos muitas coisas sobre o processo de desmatamento na Região Amazônica, suas origens, os reflexos no comprometimento da biodiversidade, degradação dos ecossistemas, etc.

De fato, o discurso internacional aponta o processo de desmatamento daquela imensa área como sendo um impacto ambiental em escala mundial perpetrado pelo Brasil, via queimadas e corte ilegal, em detrimento dos interesses das demais nações civilizadas.

De acordo com expressivo percentual de pesquisadores, representantes da mídia e do meio político internacional o Brasil deveria assumir maior responsabilidade no sentido de frear o ritmo do desmatamento, contribuindo para a preservação das espécies ameaçadas, bem como para a manutenção dos diversos serviços ambientais associados à floresta.

Uma floresta do porte da Floresta Amazônica é responsável pela prestação de serviços ambientais importantíssimos à humanidade e ao meio ambiente, dentre os quais podemos destacar:

  • Manutenção dos ciclos hidrológicos da bacia hidrográfica, regulando períodos de seca e/ou de cheias;
  • Regulação climática;
  • Preservação na qualidade da água;
  • Proteção da biodiversidade;
  • Redução do risco de erosão do solo;
  • Reserva estratégica da biodiversidade para futura produção de fármacos, alimentos, madeiras, essências, resinas, cosméticos, etc., inclusive com o apoio da biotecnologia;
  • Absorção de imensas quantidades de CO², minimizando o efeito estufa; e outros.

Evidentemente o processo de desenvolvimento da Região Amazônica não pode ocorrer de forma dissociada da temática ambiental, sob o risco de comprometer os citados serviços ambientais prestados de forma gratuita.

Assim, os projetos de exploração econômica devem ser planejados e conduzidos com a observância do Princípio da Precaução, uma vez que ainda conhecemos muito pouco acerca dos processos biológicos e das riquezas existentes naquela região.

Entretanto, a realidade é bastante distinta daquilo que seria o esperado em termos de Desenvolvimento Sustentável da região.

Como exemplo podemos destacar o forte vínculo existente entre a atividade pecuária desenvolvida na Amazônia e o processo de desmatamento.

O Ministério Público Federal desenvolveu em 2009 um amplo estudo por meio da Procuradoria da República no Estado do Pará, intitulado “Panorama das Questões Agrárias e Socioambientais no Pará”, sendo que algumas das informações ali contidas merecem destaque:

  • De acordo com o Instituto do Homem e do Meio Ambiente (Imazon) 78% do desmatamento na Amazônia aconteceu em razão da necessidade de abrir novos espaços para a pecuária;
  • Os casos de desmatamento mais recente estavam, à época dos trabalhos, concentrados nos municípios com os maiores rebanhos;
  • Os maiores frigoríficos nacionais possuem instalações de grande porte exatamente naqueles municípios onde ocorreram os níveis mais elevados de desmatamento, inclusive acompanhando o denominado “Arco do Desmatamento”;
  • À época dos trabalhos o IMAZON detectou que, de um total de 220 mil propriedades rurais do Estado do Pará, apenas 69 possuíam licenças ambientais para operar.
  • A questão fundiária era caótica no Estado do Pará, com irregularidades em mais de 6100 títulos de terra registrados em cartórios. O somatório das áreas vinculadas aos títulos de propriedade apontava um acréscimo de praticamente 110 mil hectares ou 86% da área original total do estado;
  • De acordo com a comissão Pastoral da Terra foram libertados, entre 1995 e 2008, aproximadamente 10.700 trabalhadores que trabalhavam em condições equivalentes a escravos no Estado do Pará;
  • Das 44 fazendas paraenses que constavam da listagem do trabalho escravo 38 eram pecuárias;
  • Havia uma fazenda localizada em área indígena e outras 20 não respeitavam a legislação ambiental; etc.

Ressalte-se que todos os dados apresentados acima estão associados especificamente ao Estado do Pará, ou seja, a situação real é certamente muito pior e complexa se considerarmos todos os demais estados da Amazônia Legal.

Um aspecto interessante também apontado no documento do MPF/PA é a disparidade de custos existente entre  “Aumentar a produtividade de um hectare de pastagem” e “Derrubar um hectare de floresta para implantação de pastagem”.

Derrubar a floresta é uma atividade com custo 33% menor (considerando os dados econômicos vigentes em 2009, segundo o trabalho do MPF/PA) do que recuperar a produtividade agrícola de uma área equivalente!

Por quê?  Como funciona esse mecanismo?

O custo médio da terra na Região Amazônica é significativamente menor do que aquele encontrado nas regiões Sul, Sudeste e Centro-Oeste, embora seja perceptível uma redução gradual dessa diferença de custos ao longo dos últimos anos.

Assim, os grandes empresários do setor pecuário passaram a adquirir enormes áreas para implantar seus projetos pecuários, inclusive com o apoio e incentivo dos governos militares que procuravam integrar e proteger o território nacional.

O primeiro passo consistia na derrubada indiscriminada da vegetação com o uso do denominado “correntão”, procedimento onde dois tratores ligados por correntes colocam abaixo todas as árvores em seu caminho.

As madeiras nobres eram retiradas para venda à madeireiras enquanto as demais eram transformadas em carvão vegetal ou simplesmente dispostos no campo na forma de leiras.

O solo remanescente, invariavelmente rico em matéria orgânica e, por isso mesmo, bastante fértil, dispensava a adubação química periódica nos primeiros anos de atividade dos empreendimentos.

Mas a natureza cobra seus custos pelos impactos sofridos…

 Sabemos que o solo da Região Amazônica sofre impactos severos quando a floresta é suprimida, sendo submetido a um processo intenso de degradação com a rápida perda da sua fertilidade inicial.

O solo da floresta é rico em matéria orgânica e se mantém assim graças à própria floresta que sustenta…

Na realidade temos um complexo sistema solo – planta cujo equilíbrio pode ser facilmente deslocado a partir do corte intensivo da cobertura vegetal.

Quando o solo começa a apresentar sinais de exaustão em seus níveis de fertilidade o pecuarista enfrenta um dilema: manter o nível de fertilidade do solo ou partir para abertura de novas áreas.

O custo para manter os níveis de produtividade é elevado em razão das grandes distâncias e dos problemas de logística da região.

Assim, a aplicação da adubação química e a execução dos demais tratos culturais não são capazes de competir com a oferta de novas terras mais afastadas e baratas.

Dessa forma o pecuarista atua como um enorme gafanhoto, desistindo de investir na manutenção da produtividade de suas terras degradadas, pois é financeiramente mais rentável adquirir novas áreas e repetir o processo.

A esse respeito desenvolvi uma proposta para reduzir ou dificultar a perpetuação desse processo com a utilização de um banco imagens de satélite.

A ideia central é que cada pecuarista seja identificado de acordo com o estado em que deixou suas propriedades, acumulando pontos positivos ou negativos em um cadastro quando desejar adquirir novas terras.[1]

Se o pecuarista degradou excessivamente as suas terras acumularia pontos negativos em um cadastro e seria obrigado a arcar com os custos de recuperação antes que fosse autorizado a adquirir novas propriedades.

Aquele pecuarista que conseguiu manter bons níveis de produtividade sem degradar o solo teria vantagens quando da aquisição de novas áreas, inclusive com acesso facilitado às linhas de crédito para custeio ou aquisição de máquinas e equipamentos, redução de impostos incidentes, prioridade na implantação de benfeitorias ou infraestrutura pública, etc.

Mas a questão é ainda mais complexa…

Como podemos fiscalizar uma área gigantesca, aproximadamente a metade do nosso território, onde atuam milhares de empreendimentos com os mais diversos níveis de tecnologia e geração de impactos ambientais?

O MPF/PA desenvolveu um trabalho interessante a esse respeito, realizando uma análise em toda a cadeia produtiva da carne no Estado do Pará que envolveu diversos atores: órgãos de fiscalização ambiental, Secretaria da Fazenda Estadual, Ministério da Agricultura, frigoríficos, curtumes, indústrias de calçado, varejistas e BNDES.

A atuação na cadeia produtiva é mais racional, barata e eficaz do que se fizéssemos a fiscalização junto aos empreendimentos agropecuários que atuam “na ponta” do processo, minimizando os problemas decorrentes da falta de infraestrutura e logística na região.

A partir do trabalho junto à cadeia produtiva foi possível firmar os Termos de Ajuste de Conduta (TAC), obrigando a uma alteração nos procedimentos até então vigentes para a comercialização da carne e demais produtos (couro, etc.).

Alguns resultados devem ser destacados:

  • O frigorífico Marfrig compromete-se a não mais adquirir gado daquelas fazendas que desmatam a Amazônia;
  • A Nike e a Timberland, grandes fabricantes de calçados anunciaram que não utilizariam couro oriundo da Amazônia sem que houvesse garantia de origem e cumprimento das normas legais;
  • O BNDES ampliou as exigências para concessão de créditos ao setor, obrigando a verificação da regularidade socioambiental das agropecuárias;
  • Foi desenvolvido um sistema para promover o rastreamento do gado no Estado do Pará com o uso de monitoramento por satélite;
  • Os frigoríficos que atuam na região celebraram Termos de Ajuste de Conduta (TAC) com o Ministério Público Federal.

O processo de fiscalização a partir da cadeia produtiva é interessante e pode gerar bons resultados, inclusive junto a outros segmentos, tais como as madeireiras e o corte ilegal de árvores na região.

  marceloquintiere@gmail.com


[1]  Sugiro a leitura de minha matéria “Proposta aos Ruralistas”, postada neste blog em 29/12/2012.

O Lixão é ILEGAL

De acordo com a Pesquisa Nacional de Saneamento Básico – PNSB – 2008, realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE – e editada em 2010, a disposição final de lixo nos municípios brasileiros é dividida da seguinte forma:

  • § 50,8 % em lixões;
  • § 22,5 % em aterros controlados; e
  • § 27,7 % em aterros sanitários.

A prevalência dos lixões demonstra que grande porcentagem do lixo gerado diariamente não recebe o tratamento adequado, representando inconsistências e fragilidades da gestão pública dos resíduos sólidos no Brasil.

É interessante observar que a “solução dos lixões” independe do tamanho do município ou de sua capacidade financeira, sendo possível observar lixões antigos em operação ou já desativados em praticamente todos os nossos municípios.

Além disso, a presença de lixões significa maiores riscos para a saúde humana e comprometimento dos ecossistemas, com maior probabilidade de degradação da qualidade do ar, solo e água.

O lixão traz inúmeros problemas socioeconômicos e ambientais, dentre os quais se destacam:

  • Proliferação de vetores de doenças;
  • Produção de chorume e contaminação do solo e da água subterrânea;
  • Geração de metano, gás derivado da decomposição da matéria orgânica e considerado como um dos principais responsáveis pelo aquecimento global;
  • Marginalização do homem;
  • Contaminações por metais pesados, etc.

Devemos considerar, também, que o depósito direto de resíduos em lixões consiste em uma prática considerada obsoleta em termos tecnológicos, propiciando desperdícios financeiros, uma vez que simplesmente enterra grandes volumes de resíduos que poderiam, alternativamente, ser reciclados ou transformados em combustível.

Os lixões, esgotada sua capacidade de receber resíduos, se transformam em perigosos depósitos, inviabilizando o uso seguro da área e poluindo o meio ambiente por dezenas de anos após seu encerramento.

Em razão dos diversos impactos negativos já destacados a Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS – Lei n.º 12.305/2010) estabeleceu a obrigatoriedade de erradicação dos lixões até agosto de 2014.

A erradicação[1] dos lixões pressupõe a observância e o cumprimento de etapas para o completo cumprimento da lei, a saber:

  • Desativação:

Etapa onde não se permite mais nenhum depósito de resíduos/rejeitos;

  • Isolamento:

A área é submetida ao processo de encapsulamento ou à mineração do lixão de forma a minimizar a geração de efluentes líquidos e/ou gasosos (chorume e gás metano respectivamente), bem como a retirada dos resíduos e rejeitos, configurando a limpeza da área;

  •  Descontaminação:

A área é submetida ao processo de descontaminação após a retirada dos resíduos/rejeitos. O objetivo básico consiste em minimizar os riscos de contaminação dos ecossistemas, bem como os impactos negativos sobre a saúde humana.

 Em outras palavras, a simples desativação da área ocupada com o lixão, impedindo o depósito de novos materiais, não garante a melhoria nas condições ambientais, uma vez que o material ali depositado continuará a contaminar o solo, água e atmosfera através da emissão continuada de chorume e metano.

 Apesar das constatações quanto aos malefícios dos lixões e do rigor da PNRS não se pode afirmar que os municípios brasileiros tenham feito a sua “lição de casa”.

 Ao contrário!

Não se verifica maior comprometimento das administrações municipais quanto à elaboração dos respectivos Planos de Gestão Municipal de Resíduos Sólidos, à erradicação dos lixões, à implantação da Coleta Seletiva e dos processos voltados à Logística Reversa, todos instituídos pela PNRS (Lei n.º 12.305/2010)[2].

Nossos municípios não possuem corpo técnico capacitado para fazer frente às demandas impostas pela legislação, sem desconsiderarmos os limites associados à carência de recursos orçamentários e a inadequação de máquinas e equipamentos para correta gestão dos resíduos.

Nunca é demais relembrar que a PNRS possui estreita vinculação com a denominada Lei dos Crimes ambientais (Lei n.º 9.605/98), conforme disposto nos artigos a seguir:

 a)     PNRS (Lei n.º 12.305/2010):

 “Art. 29. Cabe ao poder público atuar, subsidiariamente, com vistas a minimizar ou cessar o dano, logo que tome conhecimento de evento lesivo ao meio ambiente ou à saúde pública relacionado ao gerenciamento de resíduos sólidos.”

 “Art. 51. Sem prejuízo da obrigação de, independentemente da existência de culpa, reparar os danos causados, a ação ou omissão das pessoas físicas ou jurídicas que importe inobservância aos preceitos desta Lei ou de seu regulamento sujeita os infratores às sanções previstas em lei, em especial às fixadas na Lei no 9.605, de 12 de fevereiro de 1998, que “dispõe sobre as sanções penais e administrativas derivadas de condutas e atividades lesivas ao meio ambiente, e dá outras providências”, e em seu regulamento.”

  b)    Lei dos Crimes Ambientais (Lei n.º 9.605/98)

Seção III

Da Poluição e outros Crimes Ambientais

Art. 54. Causar poluição de qualquer natureza em níveis tais que resultem ou possam resultar em danos à saúde humana, ou que provoquem a mortandade de animais ou a destruição significativa da flora:

Pena – reclusão, de um a quatro anos, e multa.

§ 1º Se o crime é culposo:

Pena – detenção, de seis meses a um ano, e multa.

§ 2º Se o crime:

I – tornar uma área, urbana ou rural, imprópria para a ocupação humana;

II – causar poluição atmosférica que provoque a retirada, ainda que momentânea, dos habitantes das áreas afetadas, ou que cause danos diretos à saúde da população;

III – causar poluição hídrica que torne necessária a interrupção do abastecimento público de água de uma comunidade;

IV – dificultar ou impedir o uso público das praias;

V – ocorrer por lançamento de resíduos sólidos, líquidos ou gasosos, ou detritos, óleos ou substâncias oleosas, em desacordo com as exigências estabelecidas em leis ou regulamentos:

Pena – reclusão, de um a cinco anos.

§ 3º Incorre nas mesmas penas previstas no parágrafo anterior quem deixar de adotar, quando assim o exigir a autoridade competente, medidas de precaução em caso de risco de dano ambiental grave ou irreversível.”

(…)

Art. 56. Produzir, processar, embalar, importar, exportar, comercializar, fornecer, transportar, armazenar, guardar, ter em depósito ou usar produto ou substância tóxica, perigosa ou nociva à saúde humana ou ao meio ambiente, em desacordo com as exigências estabelecidas em leis ou nos seus regulamentos:

Pena – reclusão, de um a quatro anos, e multa.

§ 1o Nas mesmas penas incorre quem: (Redação dada pela Lei nº 12.305, de 2010)

I – abandona os produtos ou substâncias referidos no caput ou os utiliza em desacordo com as normas ambientais ou de segurança; (Incluído pela Lei nº 12.305, de 2010)

II – manipula, acondiciona, armazena, coleta, transporta, reutiliza, recicla ou dá destinação final a resíduos perigosos de forma diversa da estabelecida em lei ou regulamento. (Incluído pela Lei nº 12.305, de 2010)

§ 2º Se o produto ou a substância for nuclear ou radioativa, a pena é aumentada de um sexto a um terço.

§ 3º Se o crime é culposo:

Pena – detenção, de seis meses a um ano, e multa.”

Conclusão:

Segundo nosso entendimento os lixões representam um evidente passivo ambiental constituído ao longo de décadas e um claro risco à integridade dos ecossistemas e à saúde humana.

 Assim, os prefeitos e demais gestores públicos responsáveis pela gestão dos resíduos sólidos podem ser enquadrados por descumprimento às normas estabelecidas pela PNRS, em especial no que concerne à erradicação dos lixões, o que os sujeitará à aplicação das sanções previstas na Lei de Crimes Ambientais.

Assim, consideramos urgente a adoção de medidas objetivando a erradicação dos lixões, dentre as quais destacamos:

a)     Identificação e mapeamento dos lixões ainda em operação ou que, estando desativados (fechados para depósito de novos resíduos), ainda não foram submetidos às necessárias etapas de isolamento e descontaminação;

b)    Encaminhamento da listagem derivada do item anterior ao conhecimento do Ministério Público, instituição responsável pela defesa dos direitos difusos, tais como o meio ambiente, de modo a aplicar sanções aos responsáveis (artigo 129 da CF/88);

c)     Obrigar os municípios inadimplentes a inserir informações quanto à situação atual dos lixões sob sua responsabilidade junto ao Sistema Nacional de Informações sobre a Gestão dos Resíduos Sólidos (Sinir);

d)    Ampliar a atuação do Ministério das Cidades, do Ministério do Meio Ambiente e dos demais órgãos que compõem o Sistema Nacional do Meio Ambiente (SISNAMA) no sentido de garantir maior eficácia de suas ações junto às prefeituras municipais, fiscalizando e orientando acerca das melhores alternativas e procedimentos a serem adotados.

É certo que os lixões são passivos ambientais consolidados ao longo de muitas décadas, não sendo justo ou factível exigirmos resultados imediatos quanto à erradicação dos lixões.

Entretanto, as iniciativas concretas para erradicação dos lixões devem ser assumidas a curto prazo, sob o risco de gerarmos um conjunto de passivos ambientais ainda maior e mais danoso ao meio ambiente.

marceloquintiere@gmail.com


[1] A esse respeito sugiro verificar matéria publicada em meu blog no dia 14/04/2013 sob o título “A PNRS – Etapas da Erradicação dos Lixões.”

[2] A esse respeito sugiro verificar matérias publicadas em meu blog nos dias 4/2/2013 (A PNRS – Coleta Seletiva); 10/01/2013 (A PNRS – Logística Reversa); 25/07/2012 (A PNRS – Plano Municipal de Gestão de Resíduos Sólidos) e 03/08/2012 (A PNRS – Aniversário sem Presente…).

Os Passivos Ambientais no Brasil

Venho dedicando algum tempo à questão dos passivos ambientais e, inclusive, já escrevi outros três artigos[1] nesse blog sobre o tema.

As razões de minha preocupação são as seguintes:

Os passivos ambientais recebem pouco destaque na mídia, possivelmente em função de desconhecimento técnico;

  • Os riscos aos ecossistemas e à saúde humana são significativos, podendo levar à morte e a danos irreversíveis;
  • O Brasil ainda não possui um mapeamento capaz de identificar, monitorar e neutralizar os milhares de exemplos de passivos ambientais existentes em nosso território.

O passivo ambiental consiste em um valor monetário que procura expressar, ainda que sob a forma de estimativa, qual o gasto total que determinada empresa ou instituição deverá arcar no futuro em decorrência dos impactos ambientais gerados por sua atividade produtiva.

De acordo com o IBRACON – Instituto dos Auditores Independentes do Brasil, o passivo ambiental consiste no valor dos investimentos necessários para reparar toda a agressão que se pratica ou praticou contra o meio ambiente. 

Conforme destaca MALAFAIA, a essência do passivo ambiental está no controle e reversão dos impactos das atividades econômicas sobre o meio natural, envolvendo, portanto, todos os custos das atividades que sejam desenvolvidas nesse sentido.

Para UEHARA, o passivo ambiental se constitui no dia-a-dia em contrapartida às alterações ambientais provocadas pelas atividades econômicas desempenhadas pelas empresas.

 O passivo ambiental representa toda e qualquer obrigação destinada, única e exclusivamente, a promover investimentos em prol de ações relacionadas à extinção ou amenização dos danos causados ao meio ambiente, inclusive os valores direcionados a investimentos na área ambiental (MALAFAIA).

 Embora estejam comumente associados a acidentes e danos que afetam o meio ambiente os passivos ambientais não estão restritos apenas às barragens de resíduos, sendo possível observar a sua presença associada a outras origens, tais como:

  • Custos associados às ações para reparação de danos ambientais;
  • Custos de indenizações a terceiros em decorrência de acidentes ambientais.
  • Antigos tanques de combustíveis em postos de serviço;
  • As instalações industriais desativadas ou abandonadas;
  • Os resíduos de processos industriais lançados sem controle na atmosfera, nos corpos hídricos e no solo;
  • Produtos descartados ao final de sua vida útil sem que sejam adotadas medidas de proteção adequada (pneus, baterias automotivas, computadores e seus acessórios, baterias de telefones celulares e outros);
  • Lixões a céu aberto;
  • Solo contaminado pelo uso de agrotóxicos;
  • Manutenção de equipes ou departamentos voltados para a questão ambiental;
  • Aquisição preventiva de equipamentos para controle da poluição; etc.

Os passivos ambientais existem aos milhares em nosso país e, na grande maioria dos casos, não são conhecidos pelos órgãos ambientais dos estados e municípios.

Estamos diante de uma ameaça significativa que, a depender dos produtos tóxicos envolvidos, poderá ocasionar uma tragédia sem precedentes.

Como exemplos se destacam:

  • O acidente de Cataguases (MG);
  • O deslizamento do Morro do Bumba em Niterói ocasionando a morte de 48 pessoas e dezenas de feridos em 2010;
  • O Lixão da Alemoa no Porto de Santos;
  • O aterro Industrial de Ingá (RJ) e muitos outros que futuramente devem ser incorporado à lista de tragédias.

A cada semana, de fato, somos surpreendidos por novos acidentes ou desdobramentos judiciais de acidentes anteriores.

Ontem (08/04/2013) o Tribunal Superior do Trabalho concluiu o maior acordo da história da Justiça Trabalhista brasileira, condenando as empresas multinacionais Shell e Basf ao pagamento total de R$ 371 milhões, divididos da seguinte forma:

  • Uma parcela de R$ 170,8 milhões a título de indenização por danos morais e materiais individuais aos 1058 trabalhadores que foram contaminados por substâncias cancerígenas;
  •  Uma parcela de R$ 200 milhões a título de indenização por danos morais coletivos, assim dividida:
    • R$ 50 milhões deverão ser destinados à construção de uma maternidade em Paulínia, que será doada ao município;
    • R$ 150 milhões parcelados em cinco vezes iguais, destinados à instituições indicadas pelo Ministério Público que atuem em área de pesquisa, prevenção e tratamento de trabalhadores vítimas de intoxicação em acidentes ambientais;

A história desse passivo ambiental é muito antiga: começa em 1974 com a inauguração de uma fábrica de pesticidas da Shell em Paulínia, posteriormente adquirida pela Basf. Durante os 28 anos em que operou a fábrica foi responsável pela contaminação do solo e dos lençóis freáticos com metais pesados utilizados em seu processo produtivo.

De acordo com o MPT aproximadamente 60 pessoas morreram em consequência da contaminação.

Além do óbvio compromisso (moral, ético e legal) de indenizar as famílias dos trabalhadores mortos e demais contaminados, as empresas ainda são obrigadas a reparar os danos gerados ao meio ambiente.

Quanto à necessidade de reparação dos danos ambientais gostaríamos de destacar alguns aspectos legais envolvidos, em especial a Teoria Objetiva da Responsabilidade e dispositivos legais que tratam do tema.

A Teoria Objetiva da Responsabilidade tem como elementos básicos apenas o dano causado e o nexo de causalidade, não sendo necessário o desenvolvimento de provas ou elementos comprobatórios acerca da culpa do infrator. 

 Desta forma o processo se torna mais célere, garantindo que os recursos destinados à compensação dos danos vinculados aos acidentes ambientais sejam prontamente obtidos, protegendo de modo mais efetivo o meio ambiente.

A Teoria Objetiva da Responsabilidade encontra amparo na conhecida Teoria do Risco Integral:

Quem recebe os lucros de uma atividade deve estar preparado para assumir os eventuais danos causados a terceiros”.

 Desta forma procura-se internalizar nos custos gerais das indústrias os impactos negativos ao meio ambiente e a obrigatoriedade de promover o seu ressarcimento, evitando a sua equivocada socialização pelo conjunto da sociedade.

O Direito Ambiental no Brasil, assim como em outros países desenvolvidos, adota a Teoria Objetiva da Responsabilidade, conforme se verifica nos seguintes dispositivos legais:

1. Lei n.º 6.938/81 – PNMA Art. 14, § 1º:

“Sem obstar a aplicação das penalidades previstas neste artigo, é o poluidor obrigado, independentemente de existência de culpa, a indenizar ou reparar os danos causados ao meio ambiente e a terceiros, afetados por sua atividade”.

 2. CF/ 1988, Art. 225, § 3º:

“As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados”.

3. Código Civil de 2002 – Lei n.º 10.406/2002, Art. 927, § único

 “Haverá a obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem”.

A responsabilidade pelo pagamento dos danos praticados contra o meio ambiente está associada ao conhecido Princípio Poluidor-Pagador, previsto como sendo um dos objetivos centrais da Política Nacional do Meio Ambiente, conforme se verifica no Art. 4º, VII da Lei n.º 6.938/81:

“Art. 4º – A Política Nacional do Meio Ambiente visará:

(…)

VII – à imposição, ao poluidor e ao predador, da obrigação de recuperar e/ou indenizar os danos causados e, ao usuário, da contribuição pela utilização de recursos ambientais com fins econômicos.”

Conclusão

É necessário promover urgentemente o mapeamento dos passivos ambientais existentes em cada unidade da federação, identificando os produtos estocados e o risco para o meio ambiente e saúde pública.

Trata-se de uma imposição legal que pode ser verificada em diversos dispositivos, tais como a Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS – Lei n.º 12.305/2010) que obriga os entes federados a elaborarem os respectivos Planos de Gestão de Resíduos, inclusive com a identificação dos passivos ambientais existentes.

Da mesma forma devemos pensar em um esforço no sentido de fortalecer o Sistema Nacional de Meio Ambiente (SISNAMA), promovendo a capacitação dos órgãos ambientais em termos de recursos humanos qualificados, orçamento compatível com as atribuições e equipamentos mais modernos.

Se não adotarmos medidas nesse sentido continuaremos a colecionar “surpresas” indefinidamente, algumas com menor impacto e outras (infelizmente) em nível de catástrofes ambientais.

marceloquintiere@gmail.com


[1] Os artigos escritos especificamente sobre passivos ambientais são os seguintes: PNRS – Passivos Ambientais (23/05/2012), O Acidente de Cataguases e suas Lições (19/03/2013), Passivos Ambientais: a história se repete (07/04/2013). Além disso escrevi uma série de treze (13) artigos abordando diversas atividades econômicas e seus impactos sobre o meio ambiente.

PASSIVOS AMBIENTAIS – A História se Repete

Na semana passada fomos informados sobre a existência de uma área contaminada no Rio de Janeiro onde moram mais de 2.300 pessoas. O terreno foi doado pela Companhia Siderúrgica Nacional (CSN) ao Sindicato dos Metalúrgicos de Volta Redonda para construção de casas populares.

O que seria uma atitude digna de admiração representa, no entanto, um grave problema ambiental uma vez que a área doada foi utilizada durante 13 anos como depósito de milhares de toneladas de resíduos industriais com alto poder de contaminação.

De acordo com o laudo técnico do Instituto Estadual do Ambiente um grupo de 700 moradores corre risco significativo de contaminação e devem, segundo a Secretaria do Meio Ambiente do Rio de Janeiro, desocupar os imóveis em caráter preventivo.

O risco existe de fato, uma vez que o laudo técnico identificou a presença de 20 substâncias tóxicas ou cancerígenas acima dos padrões permitidos, tais como metais pesados e outros derivados da queima de carvão e até ascarel, um óleo usado em transformadores que já foi banido do Brasil.

A CSN declarou que já realizou amplos estudos a respeito do terreno e que nenhum deles apontou risco iminente à saúde dos moradores.

Em que pese o conhecido “jogo de empurra” tão comum em nosso país, onde os responsáveis lutam para encontrar falhas e irregularidades alheias para encobrir suas próprias falhas e desvios, não podemos considerar esse caso como uma novidade.

Na realidade somos assaltados periodicamente por “surpresas” envolvendo o meio ambiente, contaminações severas e danos a terceiros.

Um rápido esforço de memória nos remete aos acidentes do “Morro do Bumba” em Niterói (RJ) e do Shopping Center Norte em São Paulo.

Em 2010, após fortes chuvas, um deslizamento atingiu cerca de 50 casas no Morro do Bumba, em Niterói, na região metropolitana do Rio de Janeiro. O desabamento matou pelo menos 27 pessoas e deixou dezenas de feridos.

As moradias foram construídas sobre um antigo lixão existente em uma área em declive, que foi posteriormente recoberta pela vegetação. Com as chuvas muito intensas o “solo – lixo” encharcou, ficou pesado e desceu, matando 48 pessoas.

No caso do Shopping Center Norte temos uma construção de grande porte que recebe dezenas de milhares de pessoas diariamente construída sobre um antigo lixão. A matéria orgânica existente naquele lixão está em processo de decomposição, produzindo enormes quantidades de metano, um gás do efeito estufa que contribui para o aquecimento global e explode com razoável facilidade.

O shopping foi interditado por alguns dias pela CETESB (Companhia de Tecnologia de Saneamento Ambiental do Estado de São Paulo) até que as medições fossem refeitas e a administração pudesse instalar os 440 pontos de medição, além de implementar os sistemas de extração.

Um terceiro exemplo: o conjunto residencial Barão de Mauá, construído no município de Mauá (SP) em um terreno de propriedade de uma empresa de componentes para veículos, onde foram aterrados resíduos sólidos industriais.

Como não havia controle da área pelos proprietários outras substâncias tóxicas de origem desconhecida foram sendo depositadas inadequadamente.

Além de metano, existem outros contaminantes tóxicos, obrigando a remoção de resíduos perigosos para assegurar a qualidade do solo e da água para que não haja risco potencial ou efetivo aos ocupantes do terreno.

Em pleno século 21 já não podemos falar em “surpresas”. As três ocorrências são exemplos do que denominamos de Passivos Ambientais.

O passivo ambiental consiste em um valor monetário que procura expressar, ainda que sob a forma de estimativa, qual o gasto total que determinada empresa ou instituição deverá arcar no futuro em decorrência dos impactos ambientais gerados por sua atividade produtiva.

De acordo com o IBRACON – Instituto dos Auditores Independentes do Brasil, o passivo ambiental consiste no valor dos investimentos necessários para reparar toda a agressão que se pratica ou praticou contra o meio ambiente.

Conforme destaca MALAFAIA, a essência do passivo ambiental está no controle e reversão dos impactos das atividades econômicas sobre o meio natural, envolvendo, portanto, todos os custos das atividades que sejam desenvolvidas nesse sentido.

Para UEHARA, o passivo ambiental se constitui no dia-a-dia em contrapartida às alterações ambientais provocadas pelas atividades econômicas desempenhadas pelas empresas.

O passivo ambiental representa toda e qualquer obrigação destinada, única e exclusivamente, a promover investimentos em prol de ações relacionadas à extinção ou amenização dos danos causados ao meio ambiente, inclusive os valores direcionados a investimentos na área ambiental (MALAFAIA).

Embora estejam comumente associados a acidentes e danos que afetam o meio ambiente os passivos ambientais não estão restritos apenas às barragens de resíduos, sendo possível observar a sua presença associada a outras origens, tais como:

  • Custos associados às ações para reparação de danos ambientais;
  • Custos de indenizações a terceiros em decorrência de acidentes ambientais.
  • Antigos tanques de combustíveis em postos de serviço;
  • As instalações industriais desativadas ou abandonadas;
  • Os resíduos de processos industriais lançados sem controle na atmosfera, nos corpos hídricos e no solo;
  • Produtos descartados ao final de sua vida útil sem que sejam adotadas medidas de proteção adequada (pneus, baterias automotivas, computadores e seus acessórios, baterias de telefones celulares e outros);
  • Lixões a céu aberto;
  • Solo contaminado pelo uso de agrotóxicos;
  • Manutenção de equipes ou departamentos voltados para a questão ambiental;
  • Aquisição preventiva de equipamentos para controle da poluição; etc.

Os passivos ambientais existem aos milhares em nosso país e, na grande maioria dos casos, não são conhecidos pelos órgãos ambientais dos estados e municípios.

Estamos diante de uma ameaça significativa que, a depender dos produtos tóxicos envolvidos, poderá ocasionar uma tragédia sem precedentes.

Mas como surgem esses Passivos Ambientais e, ainda mais interessante, qual o papel do Estado nesses eventos?

O surgimento de um passivo ambiental perigoso envolve, em geral, a mistura explosiva dos mesmos componentes de sempre:

  • Ganância de empresários inescrupulosos;
  • Desídia e corrupção de servidores públicos e
  • Incompetência administrativa.

A ganância se verifica quando grupos empresariais, ávidos pelo lucro fácil a qualquer preço, corrompem servidores que deveriam fazer as análises técnicas de risco e as necessárias fiscalizações periódicas.

A cobertura desse bolo é uma calda de incompetência administrativa na qual vemos os mesmos ineptos de sempre, os protegidos dos caciques políticos com folha corrida na Justiça, que estão dispostos a tudo para agradar aos seus senhores feudais.

Assim, quando o problema explode a solução é buscar um culpado para seus desvios (éticos, morais e orçamentários).

Aos integrantes dessa “receita” não vislumbro nada além da conhecida e necessária cadeia, além da aplicação de multas e ressarcimento pelos prejuízos causados (nesse caso o impacto na sua psique é certamente maior do que aquele obtido com a cadeia).

E a participação do Estado?

Não há como eximir de responsabilidade a gestão municipal à época, uma vez que a prefeitura autorizou as construções em terrenos inadequados e, sabendo dos riscos, deveria ter obrigado a inclusão de projetos de recuperação e de planos de contingências nos projetos executivos.

Além do aspecto da responsabilização devemos considerar, também, as limitações existentes nos órgãos ambientais que enfrentam desafios muito superiores à sua capacidade operacional.

A CETESB, um órgão reconhecidamente competente e bem aparelhado, possui uma Gerência de Áreas Contaminadas que tem como um de seus focos mais importantes a ocupação em áreas industriais antigas.

Mas o que podemos dizer dos demais órgãos ambientais? Sabemos de suas limitações de pessoal qualificado, da falta de equipamentos modernos e da carência de recursos orçamentários.

Os passivos ambientais não estão circunscritos aos estados mais ricos e desenvolvidos. Eles ocorrem em todos os locais, sem distinção.

CONCLUSÃO

É necessário promover urgentemente o mapeamento dos passivos ambientais existentes em cada unidade da federação, identificando os produtos estocados e o risco para o meio ambiente e saúde pública.

Trata-se de uma imposição legal. Basta verificar a Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS – Lei n.º 12.305/2010) no que concerne ao conteúdo mínimo do Plano Municipal de Gestão de Resíduos, inclusive com a necessidade de identificação dos passivos ambientais existentes (art. 19, inciso XVIII).

Da mesma forma devemos pensar em um esforço no sentido de fortalecer o Sistema Nacional de Meio Ambiente (SISNAMA), promovendo a capacitação dos órgãos ambientais em termos de recursos humanos qualificados, orçamento compatível com as atribuições e equipamentos mais modernos.

Se não adotarmos medidas nesse sentido continuaremos a colecionar “surpresas” indefinidamente, algumas com menor impacto e outras (infelizmente) em nível de catástrofes ambientais.

 marceloquintiere@gmail.com

O Acidente de Cataguases e suas Lições

No dia 29 de março de 2013 completaremos 10 anos da ocorrência de um dos maiores acidentes ambientais da história do Brasil: o acidente de Cataguases (MG).

O presente artigo apresenta um breve resumo dos fatos vinculados ao acidente, suas causas e consequências socioeconômicas e ambientais, bem como a sua associação com dois temas importantes:

1)     A existência de um grande número de passivos ambientais em nosso país;  e

2)     A necessidade urgente de promovermos a segurança de barragens de resíduos.

 Do Acidente:

O acidente ocorreu em Cataguases (MG) no dia 29 de março, após o rompimento de uma barragem de resíduos sólidos na Fazenda Bom Destino, de propriedade da empresa Indústria Cataguases de Papel.

Entretanto nosso enredo começa na década de 50.

Em 1954 a Cia. Mineira de Papéis inicia suas operações, sendo vendida em 1980 ao Grupo Matarazzo, um grande grupo empresarial do país.

A produção de papel utilizava o conhecido Método Kraft com soda cáustica e os resíduos eram lançados nos rios da cidade sem tratamento prévio.

O resíduo, também chamado de “licor negro”, é composto basicamente por lignina, água e soda cáustica residual, e foi acumulado entre 1990 e 1992.  Esse tipo de resíduos é tóxico, apresentando pH elevado e alta concentração de matéria orgânica, o que pode prejudicar a biodiversidade local em casos de acidentes.

O descaso do Grupo Matarazzo gerou forte reação da sociedade local e a empresa foi interditada até a celebração de um Termo de Compromisso em 1982, segundo o qual a empresa se comprometia a construir um sistema de armazenamento dos resíduos e desenvolver seu posterior tratamento.

A empresa construiu duas grandes barragens cujas dimensões alcançavam 400 metros de comprimento, 200 metros de largura e 15 de profundidade.

De acordo com o projeto inicial os resíduos seriam armazenados e encaminhados ao processo de secagem para que a massa seca pudesse ser usada posteriormente como combustível para os fornos da própria empresa.

Entretanto, em 1993 o Grupo Matarazzo entrou em processo de falência e as duas barragens foram abandonadas.

Em 1994 uma nova empresa denominada Indústria Cataguases de Papel adquiriu a planta industrial e iniciou a fabricação de papelão reciclado com a geração de 275 empregos diretos e 1000 empregos indiretos.

Se a empresa utilizava o processo de reciclagem não poderia, portanto, gerar o tipo de efluente que vazou da represa.

Na realidade a área onde se localizavam as represas, denominada ironicamente  de fazenda Bom Destino, foi adquirida por outra empresa: Florestal Cataguazes em meados de 1995.

Em 2003 uma das barragens rompeu pelo excesso de peso em sua estrutura e pela ineficácia das fiscalizações do órgão ambiental responsável (FEAM).

Após o acidente foi constatado que a barragem intacta estava igualmente sobrecarregada e que o excesso de carga foi ocasionado pela construção irregular e criminosa de um muro de concreto no vertedouro da barragem.

Em outras palavras, a empresa responsável preferiu instalar uma obra irregular em suas barragens e correr o risco de gerar um grande acidente ambiental para não ser multada ou interditada pelo órgão ambiental.

Há que se destacar que a referida construção do muro sobre a saída do vertedouro da represa nunca foi detectada pelos órgãos de fiscalização, o que denota a ineficiência da administração pública ao longo dos anos.

 Os Reflexos do Acidente:

O rompimento da barragem propiciou o vazamento de 1,2 bilhões de litros de lixívia ou “liquor negro”, gerando os seguintes reflexos:

 a)     Na esfera Socioeconômica:

  • Corte na distribuição de água para diversas indústrias e 36 municípios, prejudicando mais de 700.000 pessoas;
  • Suspensão temporária das atividades da pesca e extração de areia para a construção civil;
  • Paralisação das aulas;
  • Custos com a perfuração de poços artesianos e aluguel de caminhões pipa;
  • Compra de milhares de cestas básicas durante 3 meses;
  • Indenização a pescadores e demais profissionais;
  • Queda na demanda por pescado oriundo das áreas afetadas;
  • Queda na arrecadação tributária nos municípios afetados uma vez que as indústrias deixaram de produzir durante 10 a 20 dias.

 b)    Na esfera Ambiental:

  •  Morte da vida aquática nos trechos dos rios que foram afetados;
  • Possibilidade de persistência dos resíduos no leito dos rios caso houvesse a presença de metais pesados, além das substâncias altamente tóxicas denominadas de dioxinas e furanos.
  • Os efeitos desses compostos orgânicos são cumulativos, podendo atingir os seres humanos através da cadeia alimentar, sendo necessário analisar as amostras de peixes, além do monitoramento intenso dos sedimentos.

 Considerações Adicionais:

Em que pese a dimensão dos danos gerados pelo acidente de Cataguases devemos considerar dois aspectos muito relevantes associados a esse tipo de acidente ambiental:

 a)     A existência de um grande número de Passivos Ambientais no Brasil:

 O passivo ambiental consiste em um valor monetário que procura expressar, ainda que sob a forma de estimativa, qual o gasto total que determinada empresa ou instituição deverá arcar no futuro em decorrência dos impactos ambientais gerados por sua atividade produtiva.

De acordo com o IBRACON – Instituto dos Auditores Independentes do Brasil, o passivo ambiental consiste no valor dos investimentos necessários para reparar toda a agressão que se pratica ou praticou contra o meio ambiente.

Conforme destaca MALAFAIA, a essência do passivo ambiental está no controle e reversão dos impactos das atividades econômicas sobre o meio natural, envolvendo, portanto, todos os custos das atividades que sejam desenvolvidas nesse sentido.

Para UEHARA, o passivo ambiental se constitui no dia-a-dia em contrapartida às alterações ambientais provocadas pelas atividades econômicas desempenhadas pelas empresas.

O passivo ambiental representa toda e qualquer obrigação destinada, única e exclusivamente, a promover investimentos em prol de ações relacionadas à extinção ou amenização dos danos causados ao meio ambiente, inclusive os valores direcionados a investimentos na área ambiental (MALAFAIA).

De acordo com Ribeiro (1995), o Passivo Ambiental resulta em sacrifício de benefícios econômicos que devem ser assumidos para a recuperação e a proteção do meio ambiente, decorrente de uma conduta inadequada em relação às questões ambientais.

De forma bastante simples os passivos ambientais são derivados dos danos causados ao ambiente por empresas no decorrer da sua atividade de produção e de comercialização que, de acordo com a legislação vigente, são parte integrante da sua responsabilidade social.

Ao analisarmos esses conceitos iniciais, verificamos que é comum haver uma tendência à simplificação no sentido de que todo passivo ambiental seria fruto de um dano causado ao meio ambiente tendo a empresa como responsável.

Esse raciocínio, entretanto, está parcialmente correto.

A vinculação do passivo ambiental apenas com os danos gerados ao meio ambiente pelas atividades produtivas costuma provocar algum nível de confusão.

De acordo com Ribeiro e Gratão (2000), os passivos ambientais ficaram amplamente conhecidos pela sua conotação mais negativa, ou seja, as empresas que o possuem agrediram significativamente o meio ambiente e, dessa forma, pagaram vultosas quantias a título de indenização a terceiros, multas e recuperação de áreas danificadas, embora possam também ser originários de atitudes ambientalmente responsáveis e provoquem a execução de medidas preventivas para evitar impactos ao meio ambiente, sendo que os consequentes efeitos econômico-financeiros dessas medidas é que geram o passivo ambiental.

Embora estejam comumente associados a acidentes e danos que afetam o meio ambiente os passivos ambientais não estão restritos apenas às barragens de resíduos, sendo possível observar a sua presença associada a outras origens, tais como:

  •  Custos associados às ações para reparação de danos ambientais;
  • Custos de indenizações a terceiros em decorrência de acidentes ambientais.
  • Antigos tanques de combustíveis em postos de serviço;
  • As instalações industriais desativadas ou abandonadas;
  • Os resíduos de processos industriais lançados sem controle na atmosfera, nos corpos hídricos e no solo;
  • Produtos descartados ao final de sua vida útil sem que sejam adotadas medidas de proteção adequada (pneus, baterias automotivas, computadores e seus acessórios, baterias de telefones celulares e outros);
  • Lixões a céu aberto;
  • Solo contaminado pelo uso de agrotóxicos;
  • Manutenção de equipes ou departamentos voltados para a questão ambiental;
  • Aquisição preventiva de equipamentos para controle da poluição; etc.

 Nosso país possui milhares de passivos ambientais representados sob a forma de barragens de resíduos, postos de combustíveis abandonados, etc.

Infelizmente nossos órgãos ambientais ainda não possuem um mapeamento completo e confiável acerca dos passivos ambientais sob sua responsabilidade, o que torna muito mais difícil identificá-los e definir a melhor estratégia para minimizar os danos em caso de acidentes.

 b)    A Segurança das Barragens

O acidente de Cataguases obrigou a realização de uma auditoria ambiental pelo Tribunal de Contas da União com o objetivo de identificar responsabilidades e apurar os custos financeiros impostos à Administração Pública.

Dentre os resultados da referida auditoria podemos destacar a preocupação com a necessidade de dotar a Administração Pública de mecanismos que permitisse a identificação dos inúmeros passivos ambientais e a consequente redução dos riscos ao meio ambiente e à saúde humana.

A partir dessa ideia inicial formulamos uma proposta para garantir a maior segurança dos passivos ambientais que, após sete (7) anos, resultou na edição da Lei n.º 12.334/2010, mais conhecida como a Política Nacional de Segurança de Barragens (PNSB).

 A seguir destacamos os objetivos (art. 3º) e os fundamentos (art. 4º) da PNSB:

Art. 3o São objetivos da Política Nacional de Segurança de Barragens (PNSB):

I – garantir a observância de padrões de segurança de barragens de maneira a reduzir a possibilidade de acidente e suas consequências;

II – regulamentar as ações de segurança a serem adotadas nas fases de planejamento, projeto, construção, primeiro enchimento e primeiro vertimento, operação, desativação e de usos futuros de barragens em todo o território nacional;

III – promover o monitoramento e o acompanhamento das ações de segurança empregadas pelos responsáveis por barragens;

IV – criar condições para que se amplie o universo de controle de barragens pelo poder público, com base na fiscalização, orientação e correção das ações de segurança;

V – coligir informações que subsidiem o gerenciamento da segurança de barragens pelos governos;

VI – estabelecer conformidades de natureza técnica que permitam a avaliação da adequação aos parâmetros estabelecidos pelo poder público;

VII – fomentar a cultura de segurança de barragens e gestão de riscos.

 Art. 4o São fundamentos da Política Nacional de Segurança de Barragens (PNSB):

I – a segurança de uma barragem deve ser considerada nas suas fases de planejamento, projeto, construção, primeiro enchimento e primeiro vertimento, operação, desativação e de usos futuros;

II – a população deve ser informada e estimulada a participar, direta ou indiretamente, das ações preventivas e emergenciais;

III – o empreendedor é o responsável legal pela segurança da barragem, cabendo-lhe o desenvolvimento de ações para garanti-la;

IV – a promoção de mecanismos de participação e controle social;

V – a segurança de uma barragem influi diretamente na sua sustentabilidade e no alcance de seus potenciais efeitos sociais e ambientais.

Bibliografia:

QUINTIERE, Marcelo. “Passivos Ambientais – O Risco Nosso de Cada Dia”. Ed. Publit. Rio de Janeiro 2010.

QUINTIERE, Marcelo. “Auditoria Ambiental” Ed. Publit. Rio de Janeiro. 2006.

Os Impactos Ambientais do Garimpo

Toda e qualquer atividade econômica possui estreita vinculação com o meio ambiente.

A associação entre a atividade econômica e o meio ambiente pode ser observada nas seguintes dimensões:

  • Aumento da demanda sobre bens e serviços ambientais (ex.: água, solo, oceanos, biodiversidade, etc.);
  • Geração de resíduos e/ou processos poluentes (ex.: indústria de produtos químicos, resíduos da construção civil, etc.);
  • Produção de Passivos Ambientais que podem vir a comprometer o meio ambiente (ex.: barragens de resíduos químicos, tanques em postos de combustíveis, etc.).

A minha intenção é elaborar uma análise acerca de alguns segmentos econômicos relevantes, destacando o processo econômico sob o ponto de vista ambiental, os impactos sobre o meio ambiente e as medidas corretivas que devemos adotar para minimizar os problemas detectados.

Este artigo analisará os impactos socioeconômicos e ambientais da atividade garimpeira.

O Código de Mineração, Decreto-Lei N° 227/67 em seu artigo 70, define a garimpagem  da seguinte forma:

“O trabalho individual de quem utiliza instrumentos rudimentares, aparelhos manuais ou máquinas simples e portáteis, na extração de pedras preciosas, semipreciosas e minerais metálicos ou não metálicos, valiosos, em depósitos de aluvião ou aluvião, nos álveos de cursos d’água ou nas margens reservadas, bem como nos depósitos secundários ou chapadas, vertentes e altos de morros, depósitos esses genericamente denominados garimpos”.

Quem conhece a dinâmica de trabalho do garimpo pode deduzir que a atividade nunca foi compatível com a lei, embora tolerada pelas autoridades.

As bombas e dragas utilizadas nos garimpos nada têm de rudimentar, manual ou dotada de portabilidade; a dinâmica de trabalho dos garimpeiros com esse equipamento tampouco caracteriza um trabalho necessariamente individual.

Os Impactos Ambientais da Atividade Garimpeira

Os riscos dos processos produtivos, principalmente aqueles causados pelos agentes químicos, geralmente ultrapassam os limites da área física dos locais de trabalho.

Dentre os principais impactos da atividade garimpeira destacam-se os seguintes:

1)     Desmonte Hidráulico e Assoreamento de Rios

É bastante comum a utilização de bombas hidráulicas de grande porte nas margens dos rios da Região Amazônica e da Região do Centro-Oeste, promovendo o denominado “desmonte hidráulico” e o consequente assoreamento dos rios.

2)     Uso de Mercúrio

A utilização do mercúrio nos garimpos de ouro no Brasil é bastante comum e gera grande risco à saúde humana, dada a exposição direta dos trabalhadores ao mercúrio metálico nos ambientes de trabalho, bem como a exposição indireta da população em geral, que esteja próxima às áreas garimpeiras.

O ouro encontrado é misturado ao mercúrio, geralmente na proporção de 1:1, para formar um amálgama de modo a facilitar a sua identificação.

O amálgama ouro-mercúrio é posteriormente queimado, liberando o mercúrio para a atmosfera. O ouro produzido no garimpo é comercializado em lojas em centros urbanos, onde é novamente queimado para purificação, liberando também mercúrio para a atmosfera.

A inexistência de sistemas adequados para a retenção do mercúrio nestas lojas, que dispõem, quando muito, de simples exaustores, resulta na contaminação atmosférica por mercúrio metálico do meio ambiente até um raio de cerca de 400 metros a partir dos pontos de queima.

Dependendo da predominância e intensidade dos ventos as operações de queima em centros urbanos devem ser controladas, pois nas proximidades de casas compradoras em Poconé, Mato Grosso, foram detectados teores acima de 1,65  g/m3 de mercúrio no ar, ultrapassando o limite máximo recomendado de 1,0  g/m3 (OMS, 1976).

A partir do processo de trabalho em áreas garimpeiras, pode-se categorizar os riscos  da seguinte forma:

  •  População ocupacionalmente exposta ao mercúrio metálico, incluindo os garimpeiros que queimam ouro, garimpeiros próximos às áreas de queima e funcionários de lojas que comercializam o ouro.
  •  População em geral exposta ao mercúrio metálico, ou seja, pessoas próximas aos locais de garimpo e às lojas que comercializam o ouro.
  •  População em geral exposta ao metilmercúrio, abrangendo os consumidores de peixes.

O mercúrio metálico pode sofrer um processo de metilação em sedimentos dos rios, penetrando na cadeia alimentar, o que eleva o risco de contaminação dos peixes.

Estudos recentes da ONU indicam que a África, Ásia e América do Sul possuem elevadas contaminações por mercúrio em suas áreas de garimpo, totalizando mais de 730 kg do metal a cada ano.

A tabela a seguir destaca as utilizações mais comuns do mercúrio e os impactos que este metal pesado pode causar à saúde humana.

Metal Pesado Utilizações mais comuns Danos potenciais à   saúde humana
Mercúrio Aparelhos   de precisão; iluminação pública, amálgamas, produção de ligas. Intoxicação   do sistema nervoso central;Febre,   calafrios, dispneia e cefaleia, diarreia, cãibras abdominais e diminuição da   visão. Casos severos progridem para edema pulmonar e cianose. As complicações   incluem enfisema, pneumomediastino e morte.

Além disso, a contaminação por metais pesados como o mercúrio tende a comprometer a capacidade dos ecossistemas de recuperar a sua condição de equilíbrio anterior, denominada de resiliência.

Assim, uma vez ocorrida a contaminação do meio ambiente nem sempre será possível a aplicação de alguma tecnologia capaz de recompor as condições naturais vigentes anteriormente.

3)     Os Aspectos Sociais da Atividade Garimpeira

Devemos destacar que as operações no garimpo e a sua estrutura social induzem aos conflitos econômicos e sociais.

A força de trabalho nos garimpeiros é constituída predominantemente por trabalhadores braçais com baixo grau de escolaridade.

O trabalho no garimpo é extremamente desgastante física e emocionalmente uma vez que não há nenhuma assistência médica; a exposição aos agentes na natureza é constante e há o risco de desabamento de barrancos.

Há uma forte estratificação social nas áreas de garimpo, propiciando a significativa concentração de renda e poder, com maior risco de opressão sobre os garimpeiros.

O garimpo de ouro na Amazônia é uma atividade nômade, o que se traduz em maiores dificuldades quando se trata de reparar os danos ambientais desenvolvidos a partir da exploração.

Quando a produção decresce e reduz a sua viabilidade econômica as áreas de garimpo são abandonadas com todos os passivos ambientais relativos à contaminação por mercúrio, degradação do solo, assoreamento de rios e comprometimento da biodiversidade.

Nesses casos as populações se movem para uma próxima área, deixando um rastro de empobrecimento ambiental e social, além de dificultar a adoção de medidas no sentido de recuperar as áreas degradadas.

Conclusão

 Em razão dos contínuos e graves problemas socioambientais associados à atividade garimpeira entendemos necessário que o governo adote algumas medidas voltadas ao controle e ao seu aperfeiçoamento, tais como:

  • Identificação das áreas onde há exploração artesanal do ouro;
  • Desenvolver o mapeamento das áreas onde há risco de poluição por mercúrio (bacias hidrográficas);
  • Promova campanhas de conscientização para que os garimpeiros possam trabalhar dentro das melhores técnicas, reduzindo sua exposição ao mercúrio e o risco de suas operações;
  • Implante linhas de crédito para compra de equipamentos mais adequados, tais como as conhecidas “retortas” onde o mercúrio usado no amálgama será separado do ouro e condensado para nova utilização.

Esses equipamentos deveriam ser vendidos a preços subsidiados ou mesmo “a fundo perdido”, uma vez que os custos para remediar os danos ambientais derivados da contaminação por mercúrio são muito mais significativos do que a simples venda dos equipamentos.

  • Restringir as compras públicas (o governo é um grande comprador de ouro nos garimpos) àqueles garimpos que possam comprovar o uso de equipamentos para redução do risco de contaminação por mercúrio.

marceloquintiere@gmail.com