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Passivos Ambientais: O Risco Nosso de Cada Dia

No dia 5 de novembro de 2015 o pequeno povoado de Bento Rodrigues, um subdistrito do município de Mariana (MG), teve sua longa história de 317 anos profundamente alterada, com a morte de aproximadamente 20 pessoas e a destruição, em dimensões inacreditáveis, de toda a sua infraestrutura, além do comprometimento dos ecossistemas ao longo de centenas de quilômetros.

A tragédia não ocorreu em razão da queda de um meteorito errante, nem pela ocorrência de um terremoto devastador ou outro fenômeno natural imprevisível.

Ao contrário…

Foi construída por mãos humanas ao longo de décadas e carrega a combinação letal de ganância, arrogância, imprudência, impunidade e incapacidade gerencial, tanto da empresa privada responsável, quanto dos órgãos e gestores públicos envolvidos.

A origem da tragédia, já considerada por muitos como o maior acidente ambiental do Brasil, está associada ao rompimento de uma das barragens de resíduos pertencentes à Mineradora Samarco, uma empresa de grande porte controlada por duas gigantes globais do setor da mineração: a Companhia Vale do Rio Doce, brasileira, e a BHP Billinton, controlada por capital anglo-australiano.

As barragens de resíduos, sejam oriundas de projetos industriais ou decorrentes da exploração mineral, são exemplos de “passivos ambientais”, um tema ainda pouco explorado no Brasil, que, entretanto, vem conquistando a atenção dos profissionais de diversas áreas do conhecimento, inclusive advogados, em razão da severidade dos impactos gerados e do crescimento de casos similares em todo o mundo.

Esse tipo de ocorrência não constitui, infelizmente, um caso isolado no Brasil. A título de exemplo destacamos alguns casos ilustrativos de passivos ambientais:

  • O acidente de Cataguases (MG) em 2003;
  • O deslizamento do Morro do Bumba em Niterói (RJ), ocasionando a morte de 48 pessoas e dezenas de feridos em 2010;
  • Rompimento de barragem de resíduos em Itabirito (MG) em 2014;
  • O Lixão da Alemoa no Porto de Santos (SP);
  • O aterro Industrial de Ingá (RJ);
  • Os milhares de lixões distribuídos por nossos municípios, e outros.

Os passivos ambientais existem aos milhares em nosso país e, na grande maioria dos casos, ainda não estão adequadamente identificados e mapeados pelos órgãos ambientais dos estados e municípios. Estamos diante de uma ameaça significativa que, a depender dos produtos tóxicos armazenados, poderá ocasionar uma tragédia sem precedentes.

Obviamente não constitui nosso objetivo demonizar a atividade mineradora no Brasil, mas os riscos crescentes, inclusive no que tange ao surgimento de novos passivos ambientais, nos obrigam a uma reflexão ponderada e imparcial acerca do problema e da necessidade de buscarmos soluções equilibradas.

Não é possível acreditar cegamente no falso dilema entre o estímulo à produção econômica e a imperiosa obrigação moral de proteção ao meio ambiente.

As soluções existem, sendo necessário o desenvolvimento de análises técnicas e políticas das complexas questões envolvidas de modo a criar uma proposta factível que permita o equilíbrio entre o crescimento econômico e a proteção ambiental.

Este documento tem como objetivo a análise dos riscos vinculados à atividade mineradora, e destacar aspectos relevantes que merecem maior atenção por parte dos órgãos públicos envolvidos.

1 – Os Possíveis Impactos da Mineração

Os diversos impactos associados à atividade mineradora podem ser didaticamente agrupados em três grandes dimensões: ambiental; social e econômica, descritas resumidamente a seguir:

  1. Impactos Ambientais
  • Supressão vegetal;
  • Comprometimento da biodiversidade;
  • Degradação da paisagem;
  • Aumento do ruído;
  • Extração excessiva de água (conflito de uso);
  • Remoção do solo e liberação de finos com alta toxidade;
  • Contaminação do solo, atmosfera, água superficial e subterrânea por metais pesados;
  • Formação de grandes passivos ambientais extremamente perigosos, tais como as barragens de rejeitos; e outros.
  1. Impactos Sociais
  • Alteração da estrutura social da população;
  • Ação negativa sobre minorias étnicas (índios e quilombolas);
  • Aumento do fluxo migratório e inchaço urbano;
  • Maior incidência de doenças;
  • Sobrecarga dos serviços sociais.
  1. Impactos Econômicos
  • Elevação na concentração de renda;
  • Alteração dos modos de produção tradicionais;
  • Redução do potencial agrícola e pecuário nas áreas afetadas;
  • Impactos negativos na agroindústria;
  • Elevação nos custos de tratamento de doenças pelo SUS;
  • Especulação imobiliária, e outros.

2 – A Questão Específica dos Passivos Ambientais

As operações de mineração são responsáveis, ainda, pela formação de grandes passivos ambientais.

Em termos conceituais o passivo ambiental consiste em um valor monetário que procura expressar, ainda que sob a forma de estimativa, qual o gasto total que determinada empresa ou instituição deverá arcar no futuro em decorrência dos impactos ambientais gerados por sua atividade produtiva.

De acordo com o IBRACON – Instituto dos Auditores Independentes do Brasil, o passivo ambiental consiste no valor dos investimentos necessários para reparar toda a agressão que se pratica ou praticou contra o meio ambiente.

Para UEHARA, o passivo ambiental se constitui no dia-a-dia das operações, consistindo em contrapartida às alterações ambientais provocadas pelas atividades econômicas desempenhadas pelas empresas.

Assim, um passivo ambiental representa toda e qualquer obrigação destinada, única e exclusivamente, a promover investimentos em prol de ações relacionadas à extinção ou amenização dos danos causados ao meio ambiente, inclusive os valores direcionados a investimentos na área ambiental (MALAFAIA).

Os passivos ambientais existem aos milhares em nosso país e, na grande maioria dos casos, não são conhecidos pelos órgãos ambientais dos estados e municípios. O Brasil ainda não possui um mapeamento confiável capaz de identificar, monitorar e neutralizar os milhares de exemplos de passivos ambientais existentes em nosso território.

3 – As Barragens de Resíduos de Mineração: Ameaça Silenciosa 

Por que as mineradoras constroem grandes barragens de resíduos?

A regra imposta pela natureza consiste na combinação aleatória de minérios de valor econômico associados a grandes volumes de rocha estéril cujo valor não justifica sua exploração, fato que constitui um limitador da atividade mineradora.

Os empreendedores são obrigados a limitar seus custos com a logística de transporte, promovendo a separação do material estéril nas proximidades da mina, obtendo maior concentração do minério que se deseja explorar comercialmente.

Assim, o uso e manutenção das barragens de rejeitos, construídas para receber grandes volumes de material estéril, constitui um dos principais problemas da indústria mineradora.

As barragens de resíduos existem em todos os países, desenvolvidos ou não, e são utilizadas em diversos segmentos industriais, sendo frequente o surgimento de problemas associados ao seu rompimento e a consequente promoção de impactos ambientais bastante sérios.

Uma barragem de rejeitos constitui uma verdadeira bomba relógio prestes a explodir e o seu potencial de geração de danos decorre dos seguintes aspectos básicos: o volume de rejeitos estocados, a composição dos rejeitos e as ações voltadas à manutenção da estrutura das barragens.

O volume estocado na barragem é um elemento importante para a sua própria segurança estrutural, pois representa o peso que a estrutura física deverá suportar ao longo de anos.  Se houver incremento no volume estocado a barragem poderá ter sua estrutura física comprometida e o eventual rompimento gerará danos significativos, inicialmente pelo impacto físico de milhões de metros cúbicos de material e, depois, pela ação dos componentes nos ecossistemas.

A questão associada à composição dos resíduos é, também, fundamental para que possamos compreender os riscos vinculados às barragens de uma indústria mineradora.

Os resíduos estocados possuem composição distinta conforme o processo produtivo envolvido e a matéria prima utilizada.

Assim, não é raro encontrarmos barragens contendo resíduos bastante tóxicos, tais como metais pesados, cujos impactos sobre a saúde humana são evidentes, podendo provocar severas contaminações e o comprometimento da qualidade da água subterrânea, do solo agricultável e da biodiversidade por longos períodos de tempo. Além disso, os metais pesados possuem maior persistência no meio ambiente, sendo mais lenta a neutralização de seu potencial de risco.

A contaminação por metais pesados e demais produtos tóxicos tende a comprometer a denominada resiliência dos ecossistemas, ou seja, a sua capacidade natural de recuperar a condição de equilíbrio anterior.

A lama tóxica derivada da produção industrial é um exemplo comum de passivo ambiental, sendo necessário providenciar sua redução, neutralização do potencial de risco ou até mesmo a utilização econômica em outro processo produtivo de modo a minimizar seu potencial de risco.

4 – A Responsabilização pelo Acidente

Uma vez identificados os diversos impactos socioeconômicos e ambientais decorrentes do rompimento da barragem pertencente à empresa Samarco, cumpre-nos observar aspectos relevantes que poderão nortear a responsabilização da mineradora, de seus gestores e, ainda, dos órgãos governamentais envolvidos.

Em uma síntese bastante apertada, podemos resumir os impactos ocasionados da seguinte forma:

  1. Morte de aproximadamente vinte pessoas;
  2. Destruição do patrimônio de terceiros;
  3. Destruição de patrimônio histórico de caráter religioso;
  4. Comprometimento dos recursos hídricos;
  5. Interrupção da captação de água pelos municípios, afetando centenas de milhares de pessoas;
  6. Lucro cessante de empresas que foram impedidas de captar água para seus processos produtivos;
  7. Comprometimento da biodiversidade local;
  8. Destruição de mata ciliar;
  9. Derramamento de enorme volume de lama proveniente da mineração cuja composição apresenta concentração de metais pesados;
  10. Danos à paisagem natural;
  11. Comprometimento da resiliência dos ecossistemas afetados.

Evidentemente há que se considerar que o supracitado conjunto de impactos decorrentes do acidente colide frontalmente com o disposto em nossa Constituição Federal, em especial no que tange à manutenção e defesa do meio ambiente, enquanto bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida:

“Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.” 

De acordo com nossa legislação em vigor a ocorrência de um dano ambiental significativo poderá impor aos responsáveis a aplicação de sanções nas esferas Administrativa, Cível e Penal.

Quanto ao âmbito administrativo temos a possibilidade da aplicação de multas e demais sanções pelos órgãos ambientais nas esferas federal, estadual e municipal, além da atuação de outros órgãos públicos eventualmente responsáveis pela fiscalização dos projetos.

 A definição quanto ao ente responsável pela aplicação das sanções costuma estar associada à origem do processo de licenciamento da empresa/projeto, bem como à jurisdição pelas áreas afetadas.

No que tange à esfera penal recorremos à Lei n.º 9.605/98, conhecida como a Lei dos Crimes Ambientais, que dispõe sobre as sanções penais e administrativas derivadas de condutas e atividades lesivas ao meio ambiente.

De acordo com o artigo 2º daquele dispositivo legal quem, de qualquer forma, concorre para a prática dos crimes previstos na Lei, incide nas penas a estes cominadas, na medida da sua culpabilidade, bem como o diretor, o administrador, o membro de conselho e de órgão técnico, o auditor, o gerente, o preposto ou mandatário de pessoa jurídica, que, sabendo da conduta criminosa de outrem, deixar de impedir a sua prática, quando podia agir para evitá-la.

Há que se destacar que as pessoas jurídicas também poderão ser responsabilizadas administrativa, civil e penalmente, nos casos em que a infração seja cometida por decisão de seu representante legal ou contratual, ou de seu órgão colegiado, no interesse ou benefício da sua entidade (art. 3º da Lei 9.605/98).

Em outras palavras, a responsabilidade das pessoas jurídicas não exclui a das pessoas físicas, autoras, coautoras ou partícipes do mesmo fato.

Outro aspecto importante a ser destacado é que a Lei dos Crimes Ambientais prevê a denominada desconsideração da pessoa jurídica sempre que sua personalidade for obstáculo ao ressarcimento de prejuízos causados à qualidade do meio ambiente.

A tabela a seguir procura identificar alguns dos principais enquadramentos penais e suas respectivas sanções previstas na Lei dos Crimes Ambientais em face do acidente decorrente do rompimento da barragem da empresa SAMARCO.

Tabela n.º 01: enquadramentos penais e suas respectivas sanções previstas na Lei dos Crimes Ambientais

ARTIGO TEXTO LEGAL PENA
 

 

 

Art. 33

Dos Crimes contra a Fauna

 

Provocar, pela emissão de efluentes ou carreamento de materiais, o perecimento de espécimes da fauna aquática existentes em rios, lagos, açudes, lagoas, baías ou águas jurisdicionais brasileiras:

 

 

 

Detenção, de um a três anos, ou multa, ou ambas cumulativamente.

 

Art. 48

Dos Crimes contra a Flora

 

Impedir ou dificultar a regeneração natural de florestas e demais formas de vegetação

 

 

Detenção, de seis meses a um ano, e multa.

 

 

 

Art. 50-A

 

Desmatar, explorar economicamente ou degradar floresta, plantada ou nativa, em terras de domínio público ou devolutas, sem autorização do órgão competente:   (Incluído pela Lei nº 11.284, de 2006)

 

 

Reclusão de 2 (dois) a 4 (quatro) anos e multa.         (Incluído pela Lei nº 11.284, de 2006)

 

 

 

 

Art. 54

Da Poluição e outros Crimes Ambientais

 

 

 

 

Causar poluição de qualquer natureza em níveis tais que resultem ou possam resultar em danos à saúde humana, ou que provoquem a mortandade de animais ou a destruição significativa da flora:

 

 

 

Reclusão, de um a quatro anos, e multa.

 

 

 

 

 

§ 2º Se o crime:

 

I – tornar uma área, urbana ou rural, imprópria para a ocupação humana;

III – causar poluição hídrica que torne necessária a interrupção do abastecimento público de água de uma comunidade;

IV – dificultar ou impedir o uso público das praias;

 

 

 

 

Reclusão, de um a cinco anos.

 

 

Art. 62

Dos Crimes contra o Ordenamento Urbano e o Patrimônio Cultural

 

Destruir, inutilizar ou deteriorar:

 

II – arquivo, registro, museu, biblioteca, pinacoteca, instalação científica ou similar protegido por lei, ato administrativo ou decisão judicial:

 

 

 

 

Reclusão, de um a três anos, e multa

 

Art. 63.

Alterar o aspecto ou estrutura de edificação ou local especialmente protegido por lei, ato administrativo ou decisão judicial, em razão de seu valor paisagístico, ecológico, turístico, artístico, histórico, cultural, religioso, arqueológico, etnográfico ou monumental, sem autorização da autoridade competente ou em desacordo com a concedida  

 

Reclusão, de um a três anos, e multa.

Na esfera Cível a questão é um pouco mais complexa, haja vista a necessidade de, uma vez ocorrido o dano ambiental, atribuir valores monetários aos diversos componentes naturais dos ecossistemas afetados (ex.: água, solo, biodiversidade, etc.), o que envolve um grau considerável de subjetividade.

Além do óbvio compromisso moral, ético e legal de indenizar as famílias dos trabalhadores mortos e demais contaminados, as empresas são ainda obrigadas a reparar os danos gerados ao meio ambiente.

Isto decorre do fato de que o Direito Ambiental no Brasil, assim como em outros países desenvolvidos, adota a Teoria Objetiva da Responsabilidade que, por sua vez, encontra amparo na conhecida Teoria do Risco Integral:

Quem recebe os lucros de uma atividade deve estar preparado para assumir os eventuais danos causados a terceiros”.

A Teoria Objetiva da Responsabilidade tem como elementos básicos o dano causado e a existência do denominado nexo de causalidade com determinada atividade produtiva, não sendo necessário, para efeito da aplicação de sanções na esfera administrativa, o desenvolvimento de provas ou elementos comprobatórios acerca da culpa do infrator, conforme se verifica nos seguintes dispositivos legais:

  1. Lei n.º 6.938/81 – PNMA Art. 14, § 1º:

“Sem obstar a aplicação das penalidades previstas neste artigo, é o poluidor obrigado, independentemente de existência de culpa, a indenizar ou reparar os danos causados ao meio ambiente e a terceiros, afetados por sua atividade”.

  1. CF/ 1988, Art. 225, § 3º:

“As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados”.

  1. Código Civil de 2002 – Lei n.º 10.406/2002, Art. 927, § único

“Haverá a obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem”.

Ou seja, não há necessidade de aferição de negligência, imprudência ou imperícia por parte do causador do dano para que exista o dever de indenizar, bastando que a ação/omissão realizada pelo infrator gere dano. Ademais, o dever de indenizar independe do caráter lícito do ato/omissão praticado pelo infrator.

5 – Conclusão

O acidente de Mariana representa mais um triste exemplo de passivo ambiental construído ao longo de décadas e suas consequências, extremamente graves, se farão sentir por muitos anos.

Infelizmente não representa uma ocorrência pontual regida pelo acaso. Ao contrário: constitui uma prova da combinação letal de ganância, arrogância, imprudência, impunidade e incapacidade gerencial, tanto da empresa privada responsável, quanto dos órgãos e gestores públicos envolvidos.

Os erros cometidos pela empresa, em especial no que concerne à ausência de um plano eficaz de contingência em caso de acidentes, bem como os erros associados às previsões da rota que seria assumida pela onda de resíduos retratam o descaso do setor privado e a incapacidade do setor público, notadamente o DNPM, em realizar as necessárias fiscalizações e controle sobre os empreendimentos de mineradoras no país.

A adoção, pela SAMARCO, de um sistema de alerta de acidente baseado simplesmente no uso de telefones ao invés da implantação de um sistema de sirenes e treinamentos prévios potencializou os danos gerados, em especial no que concerne à perda de vidas humanas.

A combinação desses fatores, associada à carga da barragem, à ausência de uma fiscalização mais eficaz pelos órgãos públicos responsáveis, bem como a construção de alteamentos da barragem a montante (uma técnica reconhecidamente mais barata e de maior risco) foi fatal para uma comunidade reconhecidamente carente, limitando o tempo de resposta e de reação das vítimas.

Enquanto houver espaço para teses controversas, tais como a ocorrência de terremotos, continuaremos a contar novos acidentes e mortes decorrentes dos passivos ambientais no Brasil.

A Água em São Paulo

            Ao longo deste ano de 2014 acompanhamos com crescente apreensão a questão da falta da água no Estado de São Paulo e seus reflexos socioeconômicos e ambientais.

            A primeira questão que devemos considerar está associada às origens do problema, ou seja, quais os elementos que podem explicar o crescente déficit hídrico na região.

            Dizem os especialistas que há uma redução no volume de precipitação em diversas regiões do país. Assim, com a redução do volume de chuvas e a manutenção do consumo, há maior déficit.

            A redução das chuvas está, ao que parece, associada ao denominado “Efeito Estufa” e ao consequente processo de aquecimento global.

            Há uma certa lógica nesse argumento, uma vez que o aquecimento global já mostra suas faces em muitos pontos do planeta.

            O cientista brasileiro Antônio Nobre, pesquisador do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), concluiu em seu recente relatório intitulado “O Futuro Climático da Amazônia” que a floresta amazônica apresenta 20% de sua área degradada e outros 20% já desmatados.

         Esses percentuais elevados representam maior risco de que a floresta amazônica comece a falhar em seu importantíssimo papel de regulação do clima na América do Sul.

          O processo de bombeamento natural associado à floresta consiste na retirada de água das regiões mais úmidas do continente e seu transporte gradual, via atmosfera, até as outras regiões mais secas.

           Dessa forma a floresta ajuda a manter o equilíbrio, propiciando melhores condições climáticas naquelas regiões localizadas no interior e, também, ao sul de nosso continente.

           O equilíbrio climático representa um significativo exemplo daquilo que denominamos como um “serviço ambiental” prestado pelas florestas.

           É necessário compreender que as florestas são fontes não apenas de madeiras e minérios, mas, também, oferecem serviços menos visíveis e compreendidos, tais como a extensa biodiversidade e a regulação climática.

           Infelizmente esse frágil ecossistema está em risco em razão de nossa incapacidade de fiscalizar e impedir os processos de degradação da Amazônia.

            Se a degradação da floresta se mantiver nos níveis atuais haverá, em futuro próximo, uma quebra de sua capacidade de resistência.

           Em termos mais técnicos teríamos o rompimento da resiliência da floresta que não mais poderia retornar ao seu ponto de equilíbrio natural. Assim, é possível que alcancemos um ponto de “não retorno” onde os processos de degradação serão autoalimentados, ocasionando o colapso de todo o sistema.

           Todos seremos afetados, em maior ou menor grau, sendo que os impactos mais severos estarão reservados aos países mais pobres que não dispõem de capital ou tecnologia para superar o quadro futuro de dificuldades.

           Os impactos sobre a agricultura ocorrerão em nível mundial, uma vez que o risco de quebras de safras decorre da sinergia entre diversos elementos, tais como:

 1. Redução da área disponível para plantio.

            A disponibilidade física de terras aptas para o plantio deverá diminuir em função da ampliação dos processos de desertificação ou mesmo do alagamento de áreas litorâneas anteriormente usadas na agricultura.

2. Redução da adaptabilidade das espécies em razão das mudanças de temperatura, precipitação, umidade, etc.

           As mudanças climáticas podem ser traduzidas em alterações não apenas na temperatura local, mas também em termos da disponibilidade de água para os cultivos.

           Muitas cultivares de valor econômico são sensíveis às pequenas alterações nos padrões de temperatura e/ou precipitação, reduzindo ou paralisando seus processos de reprodução, germinação e crescimento vegetativo.

3. Surgimento de novas pragas e doenças.

           As alterações climáticas podem propiciar o surgimento de novas pragas, insetos e doenças em áreas onde anteriormente não existiam.

           Assim, uma pequena elevação na temperatura média ou uma mudança nos níveis de umidade local podem facilitar a introdução de insetos como vetores de doenças, reduzindo a produtividade.

           Da mesma forma haveria maior probabilidade para o surgimento de doenças transmitidas por fungos, vírus, nematoides, bactérias e outros.

            Sei que a resistência a esses argumentos é enorme….

           Mas o fato real é que aqui no Brasil o clima JÁ APRESENTA ALTERAÇÕES que nos conduzirão a um quadro de caos socioeconômico se não forem adotadas medidas emergenciais imediatamente.

            No caso específico do Estado de São Paulo acredito no êxito, a médio prazo, de algumas medidas importantes, tais como:

1. Programa de Replantio

            Atualmente é possível verificar, em todas as regiões do país, um processo insustentável de exploração das áreas agricultáveis. Nesse processo de exploração o plantio ocorre até que o trator “molhe suas rodas no rio”!

           Assim, as matas ciliares são destruídas e propiciam o assoreamento de rios e nascentes. O resultado é a seca e a redução da produtividade.

         Acredito que o país deveria estruturar um maciço programa de reflorestamento em todos os estados, de modo a permitir a recuperação ambiental.

          É importante destacar que os reflorestamentos devem ser heterogêneos, com a utilização de espécies nativas, evitando os malefícios dos reflorestamentos homogêneos (ex.: eucalipto, etc.).

2. Educação Ambiental

           O Brasil é um país estranho onde as liberdades e direitos são assimilados na velocidade da luz, enquanto os deveres e obrigações se locomovem no ritmo de um carro de bois.

           Para ilustrar a situação basta verificar que, em plena seca de São Paulo, muitas centenas de pessoas lavam tranquilamente suas calçadas e carros como se fosse uma atividade corriqueira.

            Essas pessoas reclamam da falta d’água em suas torneiras (o que seria um DIREITO fundamental), mas não enxergam que as suas próprias atitudes potencializam os problemas ambientais (o que implica em conhecer e cumprir com seus DEVERES).

          Porque o governo não investe em campanhas educacionais para racionalizar o consumo de água?

         A resposta é simples: os governantes têm receio de que uma campanha educativa com esse foco possa ser confundida pelos eleitores como um RACIONAMENTO com óbvios reflexos negativos nas urnas.

         Então, na visão míope desses políticos despreparados, é melhor garantir a falsa liberdade do consumo irracional ao invés de adotar medidas defensivas e preventivas cujos resultados são sustentáveis e perenes.

            Devemos, entretanto, lembrar que a educação ambiental é um processo cujos impactos positivos costumam ocorrer ao longo das décadas.

            As crianças e jovens de hoje que, bem orientadas e mais conscientes, serão os pais de amanhã.

             Precisamos implantar um ciclo virtuoso no país, não apenas sob o aspecto ambiental, mas também no que diz respeito a outros aspectos da vida nacional, tais como a moralidade, ética, etc.

            Assim, devemos começar ONTEM!!!!

           É imperativo que todos tenhamos consciência das engrenagens ambientais que regulam nosso planeta e de que as menores ações podem, quando adotadas em conjunto, gerar imensos benefícios.

3. Descentralização Econômica

           Ao observarmos a cidade de São Paulo somos induzidos a concluir que há uma enorme concentração populacional que se manifesta de diversas formas:

  • Sobrecarga nos serviços públicos (saúde, educação, saneamento, segurança, habitação, energia, etc.);
  • Aumento dos níveis de poluição em todas as suas modalidades, gerando doenças graves à população;
  • Maiores dificuldades de logística;
  • Aumento de custos; etc.

             Os estados deveriam investir em processo de descentralização econômica, gerando empregos, renda e tributos em outras regiões menos desenvolvidas.

            Reconhecemos que não haveria um decréscimo acentuado no consumo de água pelo conjunto das indústrias, mas o processo de descentralização reduziria o consumo excessivo em regiões específicas (ex.: Cidade de São Paulo e outras capitais de grande porte)

4.  Mecanismos de Comando e Controle 

          Em complementação ao processo de educação ambiental, cujos resultados necessitam de prazos mais dilatados, o governo poderia instituir os denominados mecanismos de “Comando e Controle”, penalizando o consumo excessivo por meio de cobrança de impostos.

         Os percentuais de cobrança deveriam crescer na medida em que fosse caracterizada a reincidência do infrator e os recursos arrecadados seriam necessariamente aplicados em projetos voltados ao controle dos desequilíbrios (ex.: projetos de reflorestamento, etc.).

 CONCLUSÃO

         Os sintomas da crise atual são reflexos de um descompromisso ambiental que vem ocorrendo ao longo de gerações, no Brasil e no mundo como um todo.

          A ideia de que o meio ambiente é um eterno provedor de matérias primas a custos reduzidos é equivocada e induz ao consumo desordenado e excessivo.

         O déficit hídrico pode ser combatido no Brasil com a adoção de um conjunto de medidas de curto e médio prazos, minimizando os reflexos sobre a nossa população.

         O único ingrediente que nos parece estar em falta é a chamada “vontade política”.

A LEI PRECISA SER CUMPRIDA

               O Brasil possui enormes vantagens competitivas associadas ao clima, extensão territorial, dinamismo da economia e ausência de movimentos separatistas.

                Apesar dessas vantagens somos conhecidos, também, pela extrema tolerância e leniência com que tratamos assuntos sérios como as agressões ao meio ambiente e o desrespeito à legislação, sendo tristemente notório o fato de que temos “leis que não pegam”.

                Um exemplo concreto é a tentativa de prorrogação dos prazos estabelecidos na Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS – Lei n. 12.305/2010) para eliminação dos lixões existentes os municípios.

A PNRS trouxe profundas alterações no gerenciamento dos resíduos sólidos no Brasil, dentre as quais se destacam:

  • A obrigatoriedade de desativação dos “lixões” até 2014;
  • A implantação da logística reversa;
  • O estímulo à coleta seletiva;
  • O desenvolvimento obrigatório dos Planos de Gestão de Resíduos Sólidos pelos entes federados até agosto de 2012;
  • A responsabilidade compartilhada durante todo o ciclo de vida dos produtos;
  • O estímulo à formalização e capacitação das cooperativas de catadores de resíduos;
  • A construção de aterros sanitários destinados ao recebimento exclusivo de rejeitos;
  • O estímulo à indústria da reciclagem e aos processos de reutilização, dentre outros.

                Os lixões são responsáveis por inúmeros problemas socioeconômicos e ambientais, dentre os quais se destacam:

  • Proliferação de vetores de doenças;
  • Produção de chorume e consequente contaminação do solo e da água subterrânea;
  • Geração de metano, gás derivado da decomposição da matéria orgânica, considerado como um dos principais responsáveis pelo processo de aquecimento global;
  • Marginalização do homem;
  • Contaminações por metais pesados, com severos danos à saúde humana, etc.

                A erradicação dos lixões pressupõe a observância e o cumprimento de etapas para o completo cumprimento da lei, a saber:

  • Desativação:

                Etapa onde não se permite mais nenhum depósito de resíduos/rejeitos;

  • Isolamento:

                A área é submetida ao processo de encapsulamento ou à mineração do lixão de forma a minimizar a geração de efluentes líquidos e/ou gasosos (chorume e gás metano respectivamente), bem como a retirada dos resíduos e rejeitos, configurando a limpeza da área;

  • Descontaminação:

                 A área é submetida ao processo de descontaminação após a retirada dos resíduos/rejeitos. O objetivo básico consiste em minimizar os riscos de contaminação dos ecossistemas, bem como os impactos negativos sobre a saúde humana.

                Em outras palavras, a simples desativação da área ocupada com o lixão, impedindo o depósito de novos materiais, não garante a melhoria nas condições ambientais, uma vez que o material ali depositado continuará a contaminar o solo, água e atmosfera através da emissão continuada de chorume e metano.

               Quais são as sanções aplicáveis em caso de descumprimento das normas estabelecidas na PNRS?

              Devemos relembrar que a PNRS possui estreita vinculação com a denominada Lei dos Crimes ambientais (Lei n.º 9.605/98), conforme disposto nos artigos a seguir:

 PNRS (Lei n.º 12.305/2010):

 “Art. 29. Cabe ao poder público atuar, subsidiariamente, com vistas a minimizar ou cessar o dano, logo que tome conhecimento de evento lesivo ao meio ambiente ou à saúde pública relacionado ao gerenciamento de resíduos sólidos.”

 “Art. 51. Sem prejuízo da obrigação de, independentemente da existência de culpa, reparar os danos causados, a ação ou omissão das pessoas físicas ou jurídicas que importe inobservância aos preceitos desta Lei ou de seu regulamento sujeita os infratores às sanções previstas em lei, em especial às fixadas na Lei no 9.605, de 12 de fevereiro de 1998, que “dispõe sobre as sanções penais e administrativas derivadas de condutas e atividades lesivas ao meio ambiente, e dá outras providências”, e em seu regulamento.”

 Lei dos Crimes Ambientais (Lei n.º 9.605/98):

 “Seção III

Da Poluição e outros Crimes Ambientais

 Art. 54. Causar poluição de qualquer natureza em níveis tais que resultem ou possam resultar em danos à saúde humana, ou que provoquem a mortandade de animais ou a destruição significativa da flora:

 Pena – reclusão, de um a quatro anos, e multa.

  •  1º Se o crime é culposo:

Pena – detenção, de seis meses a um ano, e multa.

  •  2º Se o crime:

I – tornar uma área, urbana ou rural, imprópria para a ocupação humana;

II – causar poluição atmosférica que provoque a retirada, ainda que momentânea, dos habitantes das áreas afetadas, ou que cause danos diretos à saúde da população;

III – causar poluição hídrica que torne necessária a interrupção do abastecimento público de água de uma comunidade;

IV – dificultar ou impedir o uso público das praias;

V – ocorrer por lançamento de resíduos sólidos, líquidos ou gasosos, ou detritos, óleos ou substâncias oleosas, em desacordo com as exigências estabelecidas em leis ou regulamentos:

Pena – reclusão, de um a cinco anos.

  •  3º Incorre nas mesmas penas previstas no parágrafo anterior quem deixar de adotar, quando assim o exigir a autoridade competente, medidas de precaução em caso de risco de dano ambiental grave ou irreversível.”

(…)

 “Art. 56. Produzir, processar, embalar, importar, exportar, comercializar, fornecer, transportar, armazenar, guardar, ter em depósito ou usar produto ou substância tóxica, perigosa ou nociva à saúde humana ou ao meio ambiente, em desacordo com as exigências estabelecidas em leis ou nos seus regulamentos:

 Pena – reclusão, de um a quatro anos, e multa.

I – abandona os produtos ou substâncias referidas no caput ou os utiliza em desacordo com as normas ambientais ou de segurança; (Incluído pela Lei nº 12.305, de 2010)

II – manipula, acondiciona, armazena, coleta, transporta, reutiliza, recicla ou dá destinação final a resíduos perigosos de forma diversa da estabelecida em lei ou regulamento. (Incluído pela Lei nº 12.305, de 2010)

                Os gestores municipais pouco fizeram para adaptar seus municípios às novas exigências legais.

                O tempo passou e grande parcela dos gestores municipais passou a se articular, com o apoio de muitas associações de municípios, com o objetivo de prorrogar os prazos inicialmente previstos na PNRS.

                A argumentação é a mesma de sempre: recursos orçamentários limitados, corpo técnico pouco qualificado e carência de infraestrutura.

                Agora, às vésperas da eleição presidencial de 2014, a pressão dos gestores municipais e respectivas associações parece ter surtido algum efeito: a Câmara dos Deputados propôs a prorrogação do prazo para desativação dos lixões até 2018!!

                A matéria agora seguirá para exame no Senado, mas este absurdo precisa ser denunciado.

                Os lixões são ilegais frente à PNRS e imorais na medida em que as administrações municipais gastaram verdadeiras fortunas ao longo de décadas para coletar o lixo e depositá-lo de forma inadequada, formando um enorme passivo ambiental cujo controle obrigará o Estado a arcar com elevados custos financeiros.

                Na prática os 3.500 municípios inadimplentes continuarão convivendo com suas já conhecidas limitações, perpetuando a operação de seus lixões!

                Além disso, as tecnologias para tratamento adequado de resíduos, bem como a construção de aterros sanitários, são atividades onerosas que deveriam ser assumidas preferencialmente por consórcios municipais, possibilitando a redução dos custos.

              Penso que o mais correto seria a intervenção do Ministério Público junto aos municípios inadimplentes, caracterizando o descumprimento dos prazos definidos na PNRSpara eliminação dos lixões e os danos ambientais que podem decorrer daquela situação

              Depois de caracterizada a inadimplência o segundo passo seria a celebraçaõ de  um Termo de Compromisso de Ajustamento de Conduta, envolvendo o município inadimplente, o Ministério Público (que tem o poder-dever de promover a tutela dos interesses coletivos latu sensu conforme o artigo 129, III da Constituição Federal) e o órgão ambiental local.

               O citado Termo de Compromisso foi introduzido no Direito brasileiro no início da década de 90, por meio dos arts. 211, da Lei 8.069/90 (Estatuto da Criança e do Adolescente ECA), e 113, da Lei 8.078/90 (Código de Defesa do Consumidor – CDC) que modificaram a lei de ação civil pública (7.347/85), garantindo aplicação do compromisso de ajustamento de conduta aos direitos coletivos lato sensu.

             A celebração do Termo de Compromisso de Ajustamento de Conduta garante maior celeridade na reparação e prevenção de danos ambientais, permitindo a identificação dos faltosos e a indicação de um prazo consensual cumprimento das determinações da PNRS.

             Além disso, esse instrumento jurídico tem as características de um título executivo extrajudicial, ou seja: o descumprimento daquilo que foi estabelecido ampara a sua execução direta.

              Em outras palavras, o gestor municipal encontra-se obrigado a executar as ações, atividades e metas acordadas e, caso permaneça a condição de inadimplência, estará consignado o descumprimento do Termo de Compromisso, não havendo a necessidade de instaurar novo procedimento judicial.

                A conclusão é que não podemos mais postergar a adoção das medidas voltadas ao saneamento dos lixões, haja vista os problemas de ordem socioeconômica e ambiental que são gerados.

              A simples prorrogação dos prazos estabelecidos na PNRS não agregará nenhum valor concreto, constituindo-se em mais um subterfúgio para empurrar o lixo para debaixo do tapete.

 

E Agora Prefeito?

Após quatro anos de vigência e muitas controvérsias a Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS) chega a uma encruzilhada que pode vir a comprometer sua eficácia quanto à correta gestão dos resíduos sólidos no Brasil.

A PNRS trouxe diversas inovações que poderão aperfeiçoar a gestão dos resíduos sólidos no Brasil, dentre as quais podemos destacar:

  •  Responsabilidade Compartilhada;
  • Incentivo à Não Geração, Redução, Reutilização e Reciclagem;
  • Gestão Integrada dos Resíduos Sólidos;
  • Estímulo à implantação da Coleta Seletiva;
  • Estímulo à Logística Reversa;
  • Estímulo à Formação de Consórcios Municipais;
  • Elaboração dos Planos de Gestão de Resíduos nas Esferas Administrativas;
  • Elaboração dos Planos de Gerenciamento de Resíduos no âmbito da Iniciativa Privada;
  • Incentivo à Implantação, Formalização, Aparelhamento e Capacitação de Cooperativas de Catadores de Resíduos;
  • Estabelecimento de Prazo para Desativação dos Lixões.

 O prazo final para a desativação dos lixões, um dos pontos mais controversos da PNRS, venceu no dia 2 de agosto e, para nossa tristeza e perplexidade, mais de 60% de nossos municípios ainda não adotaram medidas concretas para solucionar essa questão.

 A prevalência dos lixões demonstra que grande porcentagem do lixo gerado diariamente não recebe o tratamento adequado, representando inconsistências e fragilidades da gestão pública dos resíduos sólidos no Brasil.

 É interessante observar que a “solução dos lixões” independe do tamanho do município ou de sua capacidade financeira, sendo possível observar lixões antigos em operação ou já desativados em praticamente todos os nossos municípios.

Além disso, a presença de lixões significa maiores riscos para a saúde humana e comprometimento dos ecossistemas, com maior probabilidade de degradação da qualidade do ar, solo e água.

O lixão traz inúmeros problemas socioeconômicos e ambientais, dentre os quais se destacam:

  •  Proliferação de vetores de doenças;
  • Produção de chorume e contaminação do solo e da água subterrânea;
  • Geração de metano, gás derivado da decomposição da matéria orgânica e considerado como um dos principais responsáveis pelo aquecimento global;
  • Marginalização do homem;
  • Contaminações por metais pesados, etc.

Devemos considerar, também, que o depósito direto de resíduos em lixões consiste em uma prática obsoleta em termos tecnológicos, propiciando desperdícios financeiros, uma vez que simplesmente enterra grandes volumes de resíduos que poderiam, alternativamente, ser reciclados ou transformados em combustível.

Em razão dos diversos impactos negativos destacados a Política Nacional de Resíduos Sólidos estabeleceu a obrigatoriedade de se promover a desativação dos lixões até agosto de 2014.

O problema é que a simples desativação dos lixões não é suficiente para solucionar o problema da contaminação.

Ao longo das décadas os lixões se transformam em passivos ambientais, ou seja, perigosos depósitos que inviabilizam o uso seguro da área.

 Em outras palavras, a simples desativação da área ocupada com o lixão, impedindo o depósito de novos materiais, não garante a melhoria nas condições ambientais, uma vez que o material ali depositado continuará a contaminar o solo, água e atmosfera através da emissão continuada de chorume e metano.

Seria mais correto, data vênia, pensarmos em “erradicação” dos lixões ao invés de considerarmos apenas a sua “desativação””.

A erradicação dos lixões pressupõe a observância e o cumprimento de etapas para o completo cumprimento da lei, a saber:

  • Desativação:

Etapa onde não se permite mais nenhum depósito de resíduos/rejeitos;

  •  Isolamento:

A área é submetida ao processo de encapsulamento ou à mineração do lixão de forma a minimizar a geração de efluentes líquidos e/ou gasosos (chorume e gás metano respectivamente), bem como a retirada dos resíduos e rejeitos, configurando a limpeza da área;

  •  Descontaminação:

A área é submetida ao processo de descontaminação após a retirada dos resíduos/rejeitos. O objetivo básico consiste em minimizar os riscos de contaminação dos ecossistemas, bem como os impactos negativos sobre a saúde humana.

De quem é a culpa por essa situação?

De início devemos considerar que a criação, perpetuação e expansão dos lixões é fruto do descaso e incompetência técnica de sucessivos governos que, numa visão míope, nunca consideraram a necessidade de recuperar aquelas áreas degradadas e encontrar soluções tecnológicas que pudessem reverter o quadro caótico a seu favor.

 Os argumentos colecionados ao longo das décadas apontam as mazelas de sempre: falta de recursos orçamentários, ausência de vontade política, as tecnologias inadequadas, necessidade de introduzir a coleta seletiva em moldes mais eficazes, dificuldades para conscientizar a população, quadro técnico municipal pouco capacitado, etc.

 O vínculo entre o dano ambiental e o dever de promover o seu ressarcimento está amparado na chamada Teoria Objetiva da Responsabilidade, segundo a qual o agente poluidor é obrigado a arcar com os custos de indenizações e reparação dos danos que causou ao meio ambiente e a terceiros, independentemente de culpa.

 Nesse sentido destacamos o que estabelece a Política Nacional de Meio Ambiente (PNMA), a Constituição Federal e o Código Civil de 2002:

 1. PNMA – Lei n.º 6.938/81 – Art. 14, § 1º:

“Sem obstar a aplicação das penalidades previstas neste artigo, é o poluidor obrigado, independentemente de existência de culpa, a indenizar ou reparar os danos causados ao meio ambiente e a terceiros, afetados por sua atividade”.

 2. CF/ 1988 – Art. 225, § 3º:

“As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados”.

 3. Código Civil de 2002 – Lei n.º 10.406/2002 – Art. 927, § único

“Haverá a obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem”.

 Isso significa que os municípios são responsáveis pela criação e expansão dos seus lixões, seja em razão do pagamento de elevadas somas ao longo de décadas a título de coleta e disposição dos resíduos, seja pela sua reconhecida omissão na busca de soluções para reduzir os impactos negativos.

 Em síntese, o município é o proprietário dos resíduos uma vez que pagou muito dinheiro para estocá-lo em condições totalmente inadequadas sob o ponto de vista ambiental, colocando em risco os ecossistemas e a saúde humana.

 O descumprimento do prazo legal para desativação dos lixões pode ensejar a aplicação de multas à administração municipal, além do enquadramento do prefeito e demais responsáveis pela administração dos resíduos na lei de crimes ambientais (Lei n.º 9.605/1998).

 Assim, o prefeito e demais responsáveis poderão sofrer penas de detenção e, cumulativamente, ser considerados inelegíveis nas futuras disputas para cargos eletivos.

 Mas a culpa desse estado de coisas não se limita apenas aos prefeitos. A culpa deve ser repartida com as associações de municípios e com as administrações estaduais.

 Entendo que as associações de municípios prestaram um grande desserviço ao país na medida em que se empenharam para ampliar os prazos estabelecidos em lei, sempre sob a alegação da falta de recursos, etc.

Em nenhum momento houve uma mobilização para encontrar soluções mais eficientes ou buscar novas tecnologias.

 Da mesma forma entendo que cabe uma parcela de culpa às administrações estaduais na medida em que pouco fizeram para conscientizar a população e os gestores municipais quanto à gravidade e complexidade do problema.

 Essa postura distante dos Estados denota descompromisso social e colide com a chamada “responsabilidade compartilhada”, outra inovação introduzida pela PNRS, que obriga a todos, sociedade, setor público e as diversas esferas administrativas a trabalhar em conjunto na solução dos problemas associados à gestão dos resíduos sólidos.

 Uma solução razoável seria aglutinar municípios em consórcios públicos com vistas a otimizar a gestão de resíduos, reduzindo custos operacionais e administrativos, além de garantir grandes volumes de resíduos recicláveis que poderiam ser encaminhados às indústrias de reciclagem (com geração de emprego, renda, tributos e qualificação da mão de obra local).

Perdemos um tempo precioso na condução dessa questão e os problemas se acumularam.

Agora resta-nos a esperança de que o Ministério Público e os órgãos de fiscalização adotem medidas legais e administrativas junto aos municípios inadimplentes, objetivando a punição dos responsáveis.

 Se essas medidas coercitivas não forem adotadas teremos dado um enorme passo para que a PNRS se transforme um uma lei que “não pegou”.

Brasília e o Fantasma do Lixão da Estrutural

A cidade de Brasília, também chamada de “capital da esperança”, é reconhecida mundialmente por suas linhas modernas inspiradas nos projetos de Niemeyer.

Ao mesmo tempo em que podemos nos orgulhar de nossos índices associados à renda domiciliar per capita e IDH, convivemos com problemas graves a exemplo do enorme “Lixão da Estrutural”.

De acordo com o Instituto de Pesquisa Tecnológica (IPT), o lixão é uma forma inadequada de disposição final de resíduos sólidos, que se caracteriza pela simples descarga do lixo sobre o solo, sem medidas de proteção ao meio ambiente ou à saúde pública.

Apresença de lixões significa maiores riscos para a saúde humana e comprometimento dos ecossistemas, com maior probabilidade de degradação da qualidade do ar, solo e água.

            O lixão propicia o surgimento de inúmeros problemas socioeconômicos e ambientais, dentre os quais se destacam:

  • Proliferação de vetores de doenças;
  • Produção de chorume ocasionando a contaminação do solo e da água subterrânea;
  • Geração de metano, gás derivado da decomposição da matéria orgânica e considerado como um dos principais agentes responsáveis pelo processo de aquecimento global;
  • Marginalização do homem;
  • Contaminações por metais pesados,
  • Uma vez esgotada a sua capacidade de receber novos resíduos, os lixões se transformam em perigosos depósitos, inviabilizando o uso seguro da área, além de poluir o meio ambiente por dezenas de anos após seu encerramento,
  • A opção pelo uso de lixões é sinônimo de desperdícios financeiros, uma vez que enterra grandes volumes de resíduos que poderiam, alternativamente, ser reciclados ou transformados em combustível.

Em função de todos esses impactos negativos dizemos que os lixões são exemplos concretos de Passivos Ambientais.

O passivo ambiental consiste em um valor monetário que expressa, ainda que sob a forma de estimativa, qual o gasto total que determinada empresa ou instituição deverá arcar no futuro em decorrência dos impactos ambientais gerados por sua atividade produtiva.

De acordo com o IBRACON – Instituto dos Auditores Independentes do Brasil, o passivo ambiental consiste no valor dos investimentos necessários para reparar toda a agressão que se pratica ou praticou contra o meio ambiente.

Qual a interface do GDF com o passivo ambiental representado pelo “Lixão da Estrutural”?

            De acordo com a legislação ambiental brasileira a Administração do GDF é responsável pela recuperação do passivo ambiental representado pelo “Lixão da Estrutural”, uma vez que permitiu a sua criação e posterior expansão ao longo dos últimos 40 anos, por meio do pagamento de elevadas somas para as ações de coleta e disposição equivocada de resíduos.

Além disso, o GDF é responsável pelo referido lixão uma vez que foi omisso na busca de soluções tecnológicas e administrativas, que já existem há décadas, que pudessem reduzir os impactos negativos derivados do lixão, senão vejamos:

  • O DF, apesar de ser uma rica unidade federada, não possui usinas para geração de energia a partir da produção de seus rejeitos;
  • A população do DF ainda não dispõe de um sistema de coleta seletiva confiável e eficaz;
  • Não há um esforço efetivo para implantação de um sistema de logística reversa, o que dificulta a coleta e reciclagem de resíduos mais tóxicos, tais como as baterias de celulares, lâmpadas fluorescentes, eletroeletrônicos, pneus, etc.;
  • O prometido aterro sanitário do DF é uma obra de ficção que passa pelos sucessivos governos sem que nada de concreto seja feito.

Quais as justificativas que amparam a total omissão do GDF, ao longo de tantas décadas, para eliminar os problemas do lixão da estrutural?

Certamente não podemos pensar na falta de recursos orçamentários em uma cidade que se dá ao luxo de construir um estádio de futebol como o Mané Garrincha. Também não podemos imputar a responsabilidade pelo descaso governamental à ausência de tecnologias adequadas.

O que se verifica com certa facilidade é um verdadeiro caos administrativo onde empresários inescrupulosos se alternam no banquete das licitações fraudulentas, tudo com o apoio dos governantes de plantão.

A cada ano explodem denúncias e escândalos que levam ao cancelamento de contratos, ações judiciais movidas pelo Ministério Público e auditorias a cargo do Tribunal de Contas do Distrito Federal.

O que se vê ao final é um rodízio bem orquestrado que beneficia os mesmos grupos políticos e econômicos que consideram o DF com um feudo de sua propriedade.

Na realidade não se verifica o necessário apetite do GDF para atacar o cerne do problema: o lixo produzido deve ser alvo de uma política pública consistente que seja capaz de considerá-lo como um agente gerador de empregos, renda, tributos e qualificação de mão de obra.

A base legal para essa nova mudança de paradigma quanto ao valor do lixo já existe desde 2010 quando o Brasil estruturou a sua política nacional para gestão dos resíduos sólidos em nível nacional, estadual e municipal, englobando o setor público, a sociedade e a iniciativa privada.

A referida Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS), instituída pela Lei n.º 12.305/2010, trouxe profundas inovações quanto à gestão dos resíduos sólidos, dentre as quais a obrigatoriedade de erradicar os lixões até agosto de 2014.

            Para alcançarmos uma solução minimamente razoável devemos observar que os resíduos sólidos não são homogêneos e, portanto, não existe uma tecnologia única que seja capaz de possibilitar tratamento eficaz, a um só tempo, para os resíduos da construção civil (RCC), resíduos de serviços de saúde (RSS), metais, vidros, madeiras, plásticos, resíduos tóxicos perigosos, etc.

A solução ideal consiste na utilização de um mix de tecnologias e políticas públicas cujo efeito se traduzirá em uma gestão mais segura dos resíduos.

Assim, podemos desenvolver a gestão dos resíduos sólidos junto aos municípios adotando as seguintes ações / políticas:

  • Coleta seletiva;
  • Logística Reversa;
  • Educação Ambiental com campanhas de conscientização da sociedade;
  • Construção de Aterros Sanitários;
  • Desativação e Erradicação de Lixões;
  • Estímulo ao Desenvolvimento de Cooperativas de Catadores de Resíduos;
  • Concessão de Estímulos Fiscais pelas Prefeituras;
  • Implantação de Polos de Reciclagem;
  • Estímulo à Não Geração, Redução, Reutilização e Reciclagem dos Resíduo;
  • Produção de Energia Elétrica pela Queima dos Resíduos, etc.

           Trata-se de um conjunto de ações e políticas que devem ser implementadas em conjunto, de modo a propiciar uma gestão racional, reduzindo riscos ambientais e minimizando os custos econômicos.

            O gerenciamento dos resíduos sólidos é uma atividade estratégica, onerosa e bastante complexa e os eventuais erros cometidos poderão resultar em graves problemas socioeconômicos e ambientais.

            A seguir apresentamos um breve resumo das etapas associadas à erradicação dos lixões:

1. A primeira etapa do processo de erradicação dos lixões é a sua DESATIVAÇÃO, momento em que não será mais permitida a disposição dos resíduos novos no local, sendo também proibida a entrada de catadores de resíduos e animais.

          Em geral essa etapa é acompanhada de grande estardalhaço junto à mídia e a classe política costuma aparecer para angariar simpatia dos eleitores.

         Mesmo com a desativação do lixão (não recebimento de lixo novo) e com a adoção de medidas voltadas ao atendimento da questão social dos catadores de resíduos o problema dos lixões ainda está longe de ser solucionado!

        Não podemos esquecer que o lixão não possui impermeabilização em sua base, o que favorece a contaminação do solo pelo chorume e a emissão de gás metano para a atmosfera por longos períodos de tempo (décadas).

        Em outras palavras: deixar de encaminhar lixo novo aos lixões não impede a contaminação de água, solo e atmosfera.

 2. A segunda etapa da erradicação dos lixões consiste no ISOLAMENTO DA ÁREA com desvio das águas fluviais para minimizar a percolação do chorume, bem como a captação e tratamento deste componente extremamente tóxico.

       Os resíduos enterrados podem ser encapsulados com camadas de argila e posterior plantio de gramíneas, solução que nos obrigará a contínuo monitoramento para evitarmos contaminações.

       Há uma solução mais moderna na qual os resíduos são submetidos à denominada mineração de lixões.

         Na mineração de lixões temos a retirada mecânica dos resíduos enterrados, recuperando aquelas áreas anteriormente desvalorizadas, além de propiciar um ciclo virtuoso com a geração de empregos, renda, tributos e qualificação da mão de obra local.

3. A terceira etapa da erradicação dos lixões é a DESCONTAMINAÇÃO do solo e do lençol freático, uma medida essencial para evitar graves contaminações e danos à saúde humana.

         Após a descontaminação ocorrerá a transformação da área e sua utilização para outros fins mais nobres, tais como a construção de shoppings, implantação de programas de habitação popular, etc.

        A título de exemplo podemos observar o significativo volume de recursos que são movimentados na economia quando o GDF decide implantar um novo bairro, tal como Águas Claras.

       São bilhões de reais em obras e construções, inclusive com o recolhimento de tributos em favor do GDF. A área onde está implantado o lixão da estrutural é grande o suficiente e próxima ao Plano Piloto, favorecendo a sua futura utilização na implantação de um novo bairro.

       Nesse momento todos ganham: governo, sociedade e meio ambiente.

 

NÃO EXISTE ALMOÇO GRÁTIS

            Venho trabalhando com a área ambiental ao longo dos últimos 27 anos , em especial no desenvolvimento de livros técnicos, palestras e projetos.

            Um aspecto positivo que pude verificar foi o aumento da participação popular nas questões associadas ao meio ambiente, um tema a cada dia mais importante e mais presente no cotidiano das populações, indústrias e governos.

            Os temas tais como a proteção da biodiversidade, a preservação da qualidade da água, o aquecimento global e mudanças climáticas saíram do contexto das grandes universidades e centros de pesquisa para ganhar o mundo.

            Entretanto, um aspecto me preocupa: a mídia sempre destaca as novas tecnologias e processos inovadores como sendo respostas adequadas e corretas para todos os males e, pior, não se dá nenhum destaque quanto aos aspectos negativos associados àquelas tecnologias.

            No mercado financeiro há uma máxima que diz o seguinte:

            “Não há almoço grátis!”

            Isso significa que sempre há um custo para tudo o que fazemos e que alguém, em algum tempo e lugar, pagará a conta.

            Podemos aplicar essa máxima financeira a um processo d efusão entre empresas, à compra de um ativo financeiro (ações, dólar ou ouro) ou a um novo processo tecnológico.

            Não importa….alguém sempre pagará a fatura.

            Vejamos alguns exemplos mais associados à temática ambiental:

a)     A Produção de Álcool.

       Quando o Proálcool foi criado em 1985 nosso objetivo era a redução da dependência do petróleo importado, cujo preço atingia patamares muito elevados em decorrência da regulação de cotas de extração elaborada e imposta pela OPEP (Organização dos Países Exportadores de Petróleo).

       O resultado foi, de fato, alcançado e nosso país reduziu a dependência do petróleo, mas (e aqui surge a conta do nosso almoço) os danos ambientais são consideráveis, em especial quando pensamos na abertura de imensas áreas para o plantio de cana-de-açúcar, na poluição atmosférica e doenças respiratórias geradas pela queima da palha da cana e, também, nos problemas causados pela ação do vinhoto despejados nos rios durante os primeiros anos do Proálcool.

b)    A Substituição do vidro pelo Plástico

        Após a segunda Grande guerra Mundial a tecnologia evoluiu significativamente, inclusive com a criação de novos medicamentos tais como a penicilina, etc.

        O plástico surgiu nesse período e foi amplamente anunciado pela mídia como um substituto ideal para o vidro nas embalagens. Dizia-se que a utilização do plástico era mais racional, pois seu custo era menor, possuía maior resistência ao impacto, poderia assumir formas desejadas mais facilmente e o seu peso seria menor do que o vidro, facilitando a logística de transporte.

         Em poucos anos o plástico assumiu uma posição de destaque no setor de embalagens.

         A “conta do almoço” foi apresentada após algumas décadas de uso e descarte irracional: atualmente nossos oceanos se encontram bastante comprometidos por imensas ilhas formadas pelas embalagens plásticas descartadas.

         Há um claro comprometimento da fauna e flora dos oceanos e, em alguns casos, já se pode dizer que os danos são irreversíveis[1].  A conta será salgada se considerarmos que muitos países dependem dos recursos pesqueiros para sua alimentação e fonte de renda.

c)     A Queima de Combustíveis Fósseis

         O avanço tecnológico associado à queima de combustíveis fósseis, tais como o carvão, o petróleo e o gás, possibilitou alavancar o desenvolvimento econômico e social, gerando riquezas inimagináveis.

          Após alguns séculos verifica-se a alteração da nossa atmosfera pelo acúmulo dos chamados Gases do Efeito Estufa (GEE), o que potencializa o processo de aquecimento global e as ameaças vinculadas às mudanças climáticas severas.

          Obviamente a “conta do almoço” nesse caso poderá fechar o nosso restaurante.

d)    Os Telefones Celulares

        Os celulares são aplaudidos em todo o mundo como um instrumento divino que aproxima as pessoas, além de potencializarem novos mercados de comunicação e de comércio virtual.

         O problema é que os celulares utilizam baterias que contém metais pesados tais como o cádmio, o lítio, etc.  Todos esses metais podem gerar danos irreversíveis à saúde humana e ao meio ambiente, em especial no que concerne à poluição do solo e das águas subterrâneas.

          É um custo que precisa ser considerado por todos nós, inclusive quando analisamos em êxtase os novos modelos oferecidos no mercado.

 e)     As Fontes Alternativas de Energia

         Em função do processo de aquecimento global e das mudanças climáticas associadas, muitos países passaram a desenvolver estudos voltados à produção de “energia limpa”.

           Assim, bilhões de dólares foram investidos para desenvolver tecnologias mais racionais e eficazes para o aproveitamento da energia solar, energia eólica, biocombustíveis, etc.

          A mídia internacional procura apresentar as novas tecnologias como sendo um processo mágico, quase divino, com impactos exclusivamente positivos.  Nesse contexto os governantes deveriam mudar toda a matriz energética de seus países para garantir a produção contínua e segura de energia a custo reduzido.

         Mas será que as fontes alternativas de energia são totalmente limpas?  Não há geração de resíduos ou de impactos ambientais?

           Para responder a essas questões basta verificar os impactos ambientais associados à produção das turbinas de energia eólica ou à produção de baterias para os novos carros elétricos.

           É evidente que os processos de mineração de metais para as baterias ou as instalações industriais necessárias para a produção de bens (turbinas, carros, etc) também podem gerar outros impactos nocivos ao meio ambiente.

f)  O Pesticida DDT

            O desenvolvimento agrícola observado ao longo do último século está fortemente associado ao surgimento de pesticidas que, de início, garantiram a redução de pragas e doenças nas mais diversas lavouras.

             O retorno negativo, ou seja, o “almoço a ser pago” surgiu após alguns anos.  Os pesquisadores descobriram que o DDT, um dos pesticidas mais aplicados à época, diminuía a espessura da casca dos ovos e influía na reprodução de muitas espécies de aves.

               Além disso, muitos produtos químicos afetam a vida de insetos polinizadores, reduzindo drasticamente a reprodução de espécies vegetais de grande importância econômica.

               A doutora Rachel Carson escreveu um best seller ambiental em 1962 denominado “Primavera Silenciosa”, no qual destaca os danos ambientais associados ao uso inadequado dos agrotóxicos.  É um livro que todos deveriam ler.

           Conclusão

            Esse artigo destaca apenas alguns exemplos mais conhecidos de impactos ambientais associados àquelas “soluções mágicas” do passado.

            Não devemos ser contrários à tecnologia ou ao desenvolvimento de novos produtos e processos industriais, mas precisamos alertar quanto à necessidade de avaliar as soluções de forma mais isenta e menos apaixonada.

            É necessário conhecer o processo de produção, desde a fase de planejamento e aquisição de matéria prima até o descarte dos produtos na fase pós-consumo, ou seja, precisamos nos acostumar a analisar nossas opções em termos mais amplos.

            Quando insistimos em exaltar apenas o “lado bom da maçã”, existente em cada projeto inovador, podemos incorrer em erros graves no futuro, pois SEMPRE haverá um lado podre a ser considerado.

            Os novos produtos e processos tecnológicos não devem ser considerados como uma solução milagrosa ou o Santo Graal da tecnologia.  Ao contrário: devem ser desenvolvidos, analisados e avaliados corretamente  em seus aspectos positivos e negativos.

            Em síntese: nem sempre o que reluz é ouro….pode ser cádmio, lítio ou mesmo as imensas ilhas de plástico que ameaçam as espécies marinhas.

             Este artigo é uma homenagem à minha mãe, Dona Marina de Miranda Ribeiro Quintiere, que completa 75 anos hoje e que foi a grande responsável pelo despertar do meu interesse pela área ambiental.

marceloquintiere@gmail.com


[1] A esse respeito sugiro verificar os meus artigos intitulados “Oceanos Ameaçados”  e “Oceanos e Riscos Ambientais” publicados no Blogdoquintiere em 29/10/2012 e 1/11/2012, respectivamente.

HAIYAN

O nome é pequeno, mas seu significado permanecerá por muitas décadas marcado na memória de milhões de filipinos.

Na semana passada HAIYAN, um enorme e violentíssimo tufão com ventos de mais de 300 km/hora, devastou muitas cidades das Filipinas, causando a morte de mais de 12.000 pessoas e prejuízos de grande monta.

As cenas captadas pelos veículos de comunicação são conhecidas de todos:

  • Perda de vidas;
  • Destruição da infraestrutura local (prédios públicos, rede elétrica, abastecimento de água potável, rede de transporte, segurança, etc.);
  • Ondas de saques e violência nos centros urbanos atingidos;
  • Surgimento de focos de doenças;
  • Comprometimento da biodiversidade e da capacidade de resiliência de nossos ecossistemas[1];
  • Dificuldades de acesso às áreas mais remotas; e outras.

O que poucos destacam é que as terríveis cenas captadas tornam-se, infelizmente, mais comuns em nosso cotidiano.

Os furacões e tufões, perturbações na atmosfera terrestre, vêm ocorrendo com intensidade e frequência crescentes, ou seja, temos mais furacões de grande porte a cada ano.

Em que pese a característica de sazonalidade desses fenômenos e o fato de que sempre existiram, mesmo em épocas muito remotas, não podemos mais afastar a clara associação dessas perturbações atmosféricas da participação humana.

O último relatório do IPCC (Painel Internacional de Mudanças Climáticas, sigla em inglês) traz como conclusões (assustadoras) a certeza de que a ação humana é RESPONSÁVEL pela intensificação do efeito estufa causado pelo acúmulo de gases na atmosfera.

Os denominados gases do efeito estufa (GEE) geram um acúmulo de energia em forma de calor na nossa atmosfera que, em consequência, acabam por causar distúrbios no clima com diversas formas de manifestações:

  • Furacões e tufões de grande magnitude;
  • Intensificação de secas em algumas partes do planeta;
  • Aumento significativo da precipitação em outras áreas da Terra;
  • Elevação do nível dos oceanos;
  • Processo consistente de descongelamento na Antártida, Polo Norte, Groenlândia, Alpes, Andes, etc.

A elevação do percentual de gases do efeito estufa na atmosfera terrestre já supera os recordes conhecidos e seu controle nos parece a cada dia mais difícil e improvável.

O crescimento consistente e inexorável dos GEE agrega mais um complicador em nossa “equação climática”: Na medida em que a temperatura na Terra vai aumentando há a possibilidade do desencadeamento de novos fenômenos físicos que podem tornar a vida ainda mais incerta no futuro.

Falo, por exemplo, da acidificação dos oceanos com o aumento de CO² na atmosfera e os impactos que esse fenômenos pode causar sobre os corais e organismos marinhos em todo o mundo, em especial no que tange à redução no nível de reprodução de muitas espécies.

O bom senso nos induz a ter maiores cuidados com aquilo que não compreendemos integralmente.

Ninguém provoca um Pitt Bull, pois sabe dos riscos que podem ocorrer após um ataque. Mas, incrivelmente, olhamos para essas questões associadas às mudanças climáticas como se fossem meras especulações ou um roteiro para filmes de ficção.

A Organização das Nações Unidas vem alertando para o problema há décadas e promove atualmente a COP-19 (19ª conferência do clima da ONU), em Varsóvia, abrindo diálogos e dando os primeiros passos no debate de pontos polêmicos antes da decisão final sobre o acordo, que acontecerá em Paris daqui a dois anos.

O novo acordo deverá substituir o Protocolo de Kyoto e promover significativas alterações no controle das mudanças climáticas, impondo compromissos  que deverá ser implementados a partir de 2020.

Trata-se de um tempo demasiadamente longo para um desastre anunciado que já mostra seu potencial de destruição.

O aquecimento global não vai simplesmente parar de imediato, mesmo que sejam eliminadas todas as fontes de emissão de gases do efeito estufa.

Ainda que pudéssemos deixar todos os carros nas garagens durante as próximas décadas ou fechar as indústrias mais poluentes o aquecimento global continuaria a avançar por um longo período, tal com um transatlântico que desliga seus motores mas continua a avançar até a parada total.

Quando falamos de mudanças climáticas, falamos de impactos em escala global que não poupam ninguém em nenhum país: todos sofreremos algum tipo de limitação e não importa nosso nível de renda ou a nossa capacidade intelectual e tecnológica.

Para melhor ilustrar esse ponto destacamos alguns dos impactos que podem advir das mudanças climáticas:

  1. 1.     AGRICULTURA

Ao que tudo indica seremos forçados, ao longo das próximas décadas, a desenvolver uma estratégia de adaptação às mudanças climáticas, em especial quanto à produção agrícola.

Entendemos que a produção agrícola é um elemento fundamental e estratégico para garantir a manutenção das relações harmônicas entre os países. Assim, devemos buscar alternativas que possam garantir a adaptação da atividade agrícola e evitar os futuros surtos de fome.

Ao falarmos em produção agrícola devemos ter em mente que a agricultura é a resultante de uma série de elementos que atuam em conjunto, tais como a temperatura, umidade, presença de pragas e doenças, fertilidade dos solos, etc.

Quando ocorrem alterações circunstanciais em alguns desses componentes temos maior risco de redução das safras agrícolas, gerando maior vulnerabilidade alimentar para a população.

Mas o processo de aquecimento global não pode ser comparado a alguma alteração climática eventual, uma vez que atua em uma escala gigantesca em termos de efeitos e riscos.

Todos serão afetados, em maior ou menor grau, mas os impactos mais severos estarão reservados aos países mais pobres que não dispõem de capital ou tecnologia para superar o quadro futuro de dificuldades.

O risco de quebras de safras agrícolas decorre da sinergia entre diversos elementos, tais como:

a)     Redução da área disponível para plantio.

A disponibilidade física de terras aptas para o plantio deverá diminuir em função da ampliação dos processos de desertificação ou mesmo do alagamento de áreas litorâneas anteriormente usadas na agricultura.

b)    Redução da adaptabilidade das espécies em razão das mudanças de temperatura, precipitação, umidade, etc.

As mudanças climáticas podem ser traduzidas em alterações não apenas na temperatura local, mas também em termos da disponibilidade de água para os cultivos.

Muitas cultivares de valor econômico são sensíveis à pequenas alterações nos padrões de temperatura e/ou precipitação, reduzindo ou paralisando seus processos de reprodução, germinação e crescimento vegetativo.

c)     Surgimento de novas pragas e doenças.

As alterações climáticas podem propiciar o surgimento de novas pragas, insetos e doenças em áreas onde anteriormente não existiam[2]

Assim, uma pequena elevação na temperatura média ou uma mudança nos níveis de umidade local podem facilitar a introdução de insetos como vetores de doenças, reduzindo a produtividade.

Da mesma forma haveria maior probabilidade para o surgimento de doenças transmitidas por fungos, vírus, nematoides, bactérias e outros.

Há uma clara tendência a vivermos em um mundo não apenas mais quente, mas faminto

  1. IMPACTOS NO DESLOCAMENTO DE POPULAÇÕES

Obviamente o resultado desse quadro caótico é o acirramento dos conflitos humanos, uma vez que teremos um maior contingente populacional disputando recursos limitados (abrigo, alimentação, água, recursos naturais, etc.).

O processo de aquecimento global não atua em uma escala pontual ou limitada, mas, ao contrário, se traduz em intensas e amplas transformações que atingirão todos os países.

Aqueles países mais ricos e detentores de tecnologia de ponta, em especial no que concerne à geração de alimentos e energia, terão maiores possibilidades de se adaptar aos impactos.

Os países mais pobres, que já vivem um quadro de limitações angustiante, sofrerão ainda mais, sobrecarregando nosso sistema financeiro.  O resultado esperado é o conflito generalizado entre nações na busca de garantias de sobrevivência, com amplos deslocamentos de contingentes populacionais, em especial na África e na Ásia.

2. A DEGRADAÇÃO  DOS  OCEANOS

Os oceanos são imprescindíveis à proteção dos ecossistemas, além de possibilitar a manutenção de nosso planeta em condições adequadas de equilíbrio, estando associados a diversos serviços e benefícios ambientais:

  • Reprodução e desenvolvimento da biodiversidade estratégica com importância para as indústrias de alimentos, cosméticos, corantes, papel, etc.;
  • Produção de oxigênio;
  • Vias de comunicação e transporte;
  • Depuração e reciclagem de contaminantes e produtos químicos derivados das atividades humanas (ex.: vazamento de petróleo, esgotos industriais e resíduos de saneamento básico, dentre outros);
  • Produção de alimentos (15% da proteína animal consumida no mundo);
  • Regulação climática; e
  • Lazer, turismo e outros.

Em que pese a significativa importância dos oceanos é possível observar um contínuo processo de degradação ambiental que ameaça o equilíbrio dos ecossistemas e a manutenção dos serviços e benefícios ambientais supracitados.

Dentre os riscos mais sérios que ameaçam os nossos oceanos podemos destacar a acidificação pela concentração crescente de CO² que destrói os corais e demais áreas de reprodução e alimentação de muitas espécies marinhas.

Com a restrição ao seu processo reprodutivo e de desenvolvimento as espécies enfrentarão redução populacional, ocasionando insegurança alimentar a milhões de pessoas em todo o mundo, em especial naqueles países onde o pescado é, tradicionalmente, a base da alimentação.

Conclusão:

Os impactos do aquecimento global já são uma realidade incontestável e o tempo disponível para encontrarmos soluções negociadas já está bastante comprometido.


[1] A esse respeito sugiro verificar nosso artigo intitulado “Biodiversidade e Resiliência”, publicado em 9/2/2013 no Blogdoquintiere.

[2] A esse respeito sugiro a leitura do meu artigo nesse blog intitulado  “Aquecimento global, mais insetos e doenças”, datado de 8/1/2013.

Um Deputado Federal e uma ideia EQUIVOCADA

No dia 26 de setembro o deputado federal Eduardo da Fonte (PP/PE), presidente da Comissão de Minas e Energia do Congresso Nacional, encaminhou o Projeto de Lei n.º 6.441/2013 que cria, no âmbito do Comitê de Monitoramento do Setor Elétrico (CMSE), o Conselho de Empreendimentos Energéticos Estratégicos (CNEE).

O referido conselho deverá analisar e decidir, em última e definitiva instância, o licenciamento dos empreendimentos do setor elétrico que sejam considerados estratégicos para o Brasil.

A composição do conselho contaria com um representante da Câmara dos Deputados e um representante do Senado Federal, além dos ministros da Casa Civil da Presidência da República, das Minas e Energia, da Justiça, do Meio Ambiente e da Cultura.

O intento, além retirar responsabilidades ambientais do IBAMA, IPHAN e da FUNAI, “poderá dispensar oitiva” dos mesmos, deixando para o futuro a criação de regras e funcionamento.

Atualmente o processo de licenciamento ambiental cabe aos órgãos ambientais estaduais ou ao IBAMA, no caso de empreendimentos de grande porte, capazes de afetar mais de um estado, o que costuma ser a regra no setor de energia.

Além dos órgãos de meio ambiente na esfera estadual e federal, devemos considerar a participação de órgãos auxiliares tais como as autarquias que cuidam de áreas protegidas ou do patrimônio histórico e precisam dar um parecer sobre a obra, caso ela afete sua área de atuação.

Assim, o processo de licenciamento tem uma conotação multidisciplinar desde a elaboração dos Estudos de Impacto Ambiental (EIA), inclusive com ampla participação social por ocasião das audiências públicas, até a garantia de participação de entidades tais como a FUNAI, o Iphan, etc.

Uma proposta tão equivocada deve ter uma justificativa muito consistente. Analisando a proposta vemos que, infelizmente, o nobre deputado não foi feliz em suas análises…

A justificativa do Projeto de Lei aponta para três aspectos importantes:

a)                  O Brasil precisa crescer e se desenvolver para permitir o resgate de nossa imensa dívida social;

b)                  Nosso povo precisa de energia elétrica barata;

c)                  Existem entraves e indefinições no processo de licenciamento de empreendimentos elétricos que trazem demora injustificada, exigências burocráticas excessivas e decisões pouco fundamentadas.

Bem, este projeto me parece equivocado já na sua origem, pois contraria frontalmente aspectos legais associados ao processo de licenciamento ambiental (Lei n.º 6.938/81 e Resolução Conama n.º 237/97).

Além disso, o Projeto de Lei desconsidera o texto constitucional, em especial no que concerne ao seu artigo 225:

“Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá- lo para as presentes e futuras gerações.

§ 1º – Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao Poder Público:

(…)

IV – exigir, na forma da lei, para instalação de obra ou atividade potencialmente causadora de significativa degradação do meio ambiente, estudo prévio de impacto ambiental, a que se dará publicidade;

V – controlar a produção, a comercialização e o emprego de técnicas, métodos e substâncias que comportem risco para a vida, a qualidade de vida e o meio ambiente;”

Mais do que a legislação ambiental este Projeto de Lei afronta o bom senso na medida em que enfraquece o licenciamento ambiental, uma conquista da sociedade que demandou décadas de trabalho árduo.

Para melhor compreensão desse tema faço uma breve retrospectivo do movimento ambientalista e suas conquistas, dentre as quais o licenciamento ambiental e o desenvolvimento sustentável.

O movimento ambientalista ganhou força e notoriedade na década de 70, quando a Organização das Nações Unidas (ONU) entendeu necessário inserir a temática ambiental na agenda econômica e política dos países, evitando o crescimento desordenado e a crescente geração de impactos nocivos, tais como a poluição e o comprometimento de nossos recursos naturais.

A partir desse entendimento inicial foi criado o espaço político para a realização da Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente (Estocolmo – Suécia, 1972), um verdadeiro marco divisório que permitiu o desenvolvimento de diversas ações em defesa do meio ambiente e de seus recursos naturais.

Dentre os avanços mais notáveis podemos destacar o surgimento da noção do “Desenvolvimento Sustentável”, permitindo a busca racional do desenvolvimento socioeconômico dos países, necessário para garantir o sustento de bilhões de pessoas, desde que o mesmo estivesse atrelado à imprescindível proteção ao meio ambiente.

O Brasil também foi objeto de profundas transformações na área ambiental, inclusive com o progressivo desenvolvimento de uma legislação ambiental ampla, complexa e rigorosa, tida como uma das mais completas do mundo.

No que concerne à busca pelo desenvolvimento sustentável o Brasil, a exemplo de inúmeros outros países, instituiu a obrigatoriedade de elaboração do denominado processo de licenciamento ambiental para todos aqueles empreendimentos cujo porte e dimensões sejam potencialmente impactantes ao meio ambiente (Resolução Conama nº 237/97).

De acordo com a citada Resolução do Conama o Licenciamento Ambiental pode ser definido como sendo:

“o procedimento administrativo pelo qual o órgão ambiental competente licencia a localização, instalação, ampliação e a operação de empreendimentos e atividades utilizadoras de recursos ambientais, consideradas efetiva ou potencialmente poluidoras ou daquelas que, sob qualquer forma, possam causar degradação ambiental.”

Desta forma podemos dizer que o processo de licenciamento ambiental estará sempre amparado na realização de estudos técnicos ambientais multidisciplinares detalhados que permitam identificar e ponderar acerca dos diversos aspectos ambientais relacionados à localização, instalação, operação e ampliação de uma atividade ou empreendimento.

Assim, ao final do processo de licenciamento ambiental, o empreendedor receberá a licença concedida pelo órgão ambiental e poderá operar seu projeto segundo as leis vigentes e condicionantes contidas no licenciamento.

A esse respeito destacamos que a licença ambiental possui algumas particularidades que devem ser observadas:

  • Consiste em um ato administrativo;
  • O órgão ambiental emitente poderá estabelecer condições, restrições e medidas de controle ambiental que deverão ser obedecidas pelo empreendedor;
  • A licença pode ser concedida para instalar, ampliar, modernizar ou operar empreendimentos ou atividades que utilizem recursos ambientais consideradas efetiva ou potencialmente poluidoras ou aquelas que possam causar degradação ambiental;
  • Em caso de descumprimento de alguma das condicionantes ou de ocorrência de modificações não autorizadas no projeto inicial, a licença poderá ser cancelada.

O processo de licenciamento ambiental foi concebido e estruturado de modo a garantir maior racionalidade às atividades produtivas, evitando o crescimento econômico desordenado e desarticulado com a imperiosa necessidade de proteger o meio ambiente.

Em outras palavras, buscamos garantir o crescimento econômico equilibrado e em consonância com as necessidades do meio ambiente, sendo essas duas dimensões –  economia e meio ambiente –  consideradas interdependentes e harmônicas.

Ao contrário do que pode supor o nobre deputado o meio ambiente é o verdadeiro motor da economia e sua proteção garantirá melhores condições de vida e o próprio desenvolvimento socioeconômico do Brasil.

Em outras palavras sem um meio ambiente sadio não teremos condição de garantir e perpetuar um ciclo virtuoso de desenvolvimento.

Conclusão

O Projeto de Lei apresentado é uma tentativa equivocada de enfraquecer o processo de licenciamento ambiental e impedir nosso país de alcançar o desenvolvimento sustentável, colocando por terra todo um esforço articulado que nos custou décadas de muito esforço.

Um país como o Brasil, detentor de megadiversidade, uma economia classificada entre as maiores do mundo e com 12% da água doce do planeta não pode se dar ao luxo de desconsiderar a necessidade premente de proteção ao meio ambiente.

As dificuldades quanto à demora na concessão das licenças ambientais, às exigências burocráticas excessivas e às decisões pouco fundamentadas constituem, realmente, entraves processo de licenciamento.

Quanto a esses aspectos o deputado Eduardo da Fonte (PP/PE), presidente da Comissão de Minas e Energia do Congresso Nacional acertou.

Entretanto, está equivocado na solução proposta…

As dificuldades listadas não podem servir de pretexto para fragilizar o próprio licenciamento ambiental e impedir a construção de um padrão de desenvolvimento mais racional e harmônico no país.

Acredito que a melhor solução consiste em identificamos as reais causas que permitem a demora, a exigência excessiva e a falta de fundamentação criteriosa para, posteriormente, buscarmos alternativas mais racionais.

Por falar em demora do processo de licenciamento devemos considerar aspectos relacionados ao desaparelhamento de muitos órgãos ambientais, seja em termos de equipamentos e infraestrutura, seja em termos de capacitação da sua força de trabalho.

Não seria o caso de fortalecer os órgãos ambientais ao invés de suprimir-lhes a autonomia funcional?

marceloquintiere@gmail.com

A PNRS – Retrato dos Resíduos Sólidos no Brasil

A PNRS, instituída pela Lei n.º 12.305/2010, trouxe profundas alterações no gerenciamento dos resíduos sólidos no Brasil, dentre as quais se destacam:

  • A obrigatoriedade de desativação dos “lixões” até 2014;
  • A implantação da logística reversa;
  • O estímulo à coleta seletiva;
  • O desenvolvimento dos Planos de Gestão de Resíduos Sólidos até agosto de 2012;
  • A responsabilidade compartilhada pelo ciclo de vida dos produtos;
  • O estímulo à formalização e capacitação das cooperativas de catadores de resíduos;
  • O estímulo à reciclagem e aos processos de reutilização, dentre outros.

Embora seja possível considerar a PNRS como uma legislação avançada e inovadora o mesmo não se pode dizer quanto aos níveis de implementação de seus objetivos e metas, uma vez que, passados mais de três anos e meio de sua publicação, nosso caminhar ainda é muito lento.

Os dados a seguir propiciam uma visão geral do problema e dos enormes desafios que precisam ser enfrentados:

PARÂMETRO

SITUAÇÃO ATUAL

OBSERVAÇÕES

Lixões   em operação

2.906

Devemos   considerar a existência de outros milhares de lixões antigos, já desativados,   que ainda produzem chorume e gás metano.

Produção   diária de resíduos

189.000   toneladas

Há   o descarte clandestino de outros milhares de toneladas sem controle e   conhecimento da administração pública.

Percentual   de reciclagem

1,4%

Alguns   produtos, tais como as latinhas de alumínio, possuem níveis de reciclagem   superior a 90%, mas a reciclagem como um todo ainda é incipiente.

Municípios   com Aterros Sanitários

27%

Em   muitos casos os aterros sanitários acabaram sendo transformados em lixões em   função de problemas operacionais.  Em   outros casos os lixões receberam apenas uma leve maquiagem para camuflar o problema.

 

Municípios   com Coleta Seletiva

14%

A   coleta seletiva é um dos principais pilares da PNRS, propiciando maiores   níveis de reciclagem e a correta destinação dos resíduos.

 

Usinas   de Recuperação Energética (URE)

Zero

Esta   tecnologia, responsável pelo processamento de 15% de todo o resíduo coletado   no mundo e adotada por diversos países desenvolvidos, ainda não foi   implantada no Brasil.

(*)   Consórcios intermunicipais para tratamento dos RSU

Em   2011 havia 81 consórcios com a participação de 1.097 municípios.

Forte concentração nas regiões Sul e Sudeste que, juntas,   englobam 85% do total de consórcios existentes.

(*)   Despesa total das prefeituras

Em   2011, as Prefeituras tiveram um gasto aproximado de R$ 12,6 bilhões.

Envolve gastos com   pessoal, veículos, manutenção, insumos e demais remunerações, exceto   investimentos, para a lida com os resíduos sólidos urbanos em todo o País, ou   seja, algo próximo de 7% a mais do que no ano anterior.

(*)   Contingente populacional ainda não atendido pelos serviços de coleta de RSU.

Estimativa de 14,7 milhões de habitantes.

 

 

(*)   Frota utilizada na coleta de RSU.

16.896   veículos em 2011.

Caminhão   compactador (38,5%), caminhão basculante (43.9 %), trator agrícola (11,6%),   sendo que 58,5 % do total de veículos pertence à iniciativa privada.

(*)   Mão de obra

1,94   trabalhadores diretos por 1000 habitantes

46,4%   da força de trabalho está associada às prefeituras e 53,6% está vinculada à contratação   por empresas privadas.

(*)   Autossuficiência do órgão gestor

48%

Na   região sudeste a autossuficiência alcança 60,2% dos órgãos gestores, ao passo   que na região Nordeste esse percentual só atinge 25,1%.

(*)   Número de Aterros Sanitários

538

264   na Região Sudeste;12 na Região Norte.

(*)   Incineradores

17

5   na Região Sudeste e uma na Região Nordeste

(*)   Microondas ou autoclave

19

11   na R. Sudeste e uma na R. Nordeste

(*)   Unidade de processamento dos Resíduos da Construção Civil

20

 

(*) Dados do SNIS/ Ministério das Cidades para 2011.

 

Embora o SNIS constitua um instrumento importante para analisarmos a questão dos resíduos sólidos no país, possibilitando um planejamento mais eficaz, algumas críticas devem ser consideradas:

 a)     O número de municípios que responderam à pesquisa em 2011 foi de apenas 2100 municípios, o que significa mais de 3.400 municípios fora da pesquisa (possivelmente aqueles cuja realidade indicam maiores níveis de carência);

 b)    Infelizmente não se tem uma presença acumulada dos municípios de um ano para outro. Um município participa da edição de um ano, mas não na do outro, o que dificulta ou impossibilita o estabelecimento de uma relação mais adequada.

   

CONCLUSÂO

 O Brasil ainda precisa trilhar um longo caminho para solucionar a questão dos resíduos sólidos, sendo importante o investimento em algumas linhas de ação específicas:

 a)     Educação ambiental voltada à conscientização da sociedade, inclusive no que tange à necessidade de impor maior cobrança de resultados junto aos prefeitos e classe política em geral;

 b)    Abertura do mercado nacional, incentivando a entrada de empresas internacionais de grande porte e com tecnologia diferenciada (maior produtividade e menores custos/tonelada);

 c)     Implantação de tecnologias mais produtivas, tais como as usinas de recuperação energética a partir do lixo, o tratamento de resíduos da construção civil, o tratamento dos resíduos de serviços de saúde e a reciclagem dos eletroeletrônicos;

 d)    Desativação e Erradicação dos lixões em cumprimento à Lei n.º 12.305/2010; e outras.

O que os Advogados deveriam saber sobre licenciamento ambiental

O movimento ambientalista ganhou força e notoriedade na década de 70, quando a Organização das Nações Unidas (ONU) entendeu necessário inserir a temática ambiental na agenda econômica e política dos países, evitando o crescimento desordenado e a crescente geração de impactos nocivos, tais como a poluição e o comprometimento de nossos recursos naturais.

A partir desse entendimento inicial foi criado o espaço político para a realização da Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente (Estocolmo – Suécia, 1972), um verdadeiro marco divisório que permitiu o desenvolvimento de diversas ações em defesa do meio ambiente e de seus recursos naturais.

Dentre os avanços mais notáveis podemos destacar o surgimento da noção de “Desenvolvimento Sustentável”, um processo de crescimento socioeconômico em harmonia com a proteção do meio ambiente.

Qual a estratégia adotada pelos países na tentativa de garantir o Desenvolvimento Sustentável?

O Brasil, a exemplo de inúmeros outros países, instituiu a obrigatoriedade de elaboração do denominado processo de licenciamento ambiental para todos aqueles empreendimentos potencialmente impactantes ao meio ambiente (Resolução Conama nº 237/97).

O licenciamento ambiental foi concebido e estruturado de modo a garantir maior racionalidade às atividades produtivas, promovendo o crescimento econômico ordenado e articulado com a imperiosa necessidade de proteger o meio ambiente, sendo assim definido:

 “Procedimento administrativo pelo qual o órgão ambiental competente licencia a localização, instalação, ampliação e a operação de empreendimentos e atividades utilizadoras de recursos ambientais, consideradas efetiva ou potencialmente poluidoras ou daquelas que, sob qualquer forma, possam causar degradação ambiental.”

O Licenciamento Ambiental impõe a realização do denominado Estudo de Impacto Ambiental (EIA) com análises técnicas profundas e articuladas entre as diversas áreas do conhecimento, permitindo a avaliação dos empreendimentos e de seus reais impactos sobre o meio ambiente.

O artigo 3º da citada Resolução Conama nº 237/97 resume com clareza essa questão:

“A licença ambiental para empreendimentos e atividades consideradas efetiva ou potencialmente causadoras de significativa degradação do meio dependerá de prévio estudo de impacto ambiental e respectivo relatório de impacto sobre o meio ambiente (EIA/RIMA), ao qual se dará publicidade, garantida a realização de audiências públicas.”

 A interface entre a atividade econômica e o meio ambiente constitui uma crescente zona de conflitos de interesses que, por sua vez, ensejam o ajuizamento de ações milionárias na esfera do Poder Judiciário.

 A título de exemplo podemos destacar os diversos acidentes ambientais que ocorrem a cada ano no Brasil com graves prejuízos econômicos, perdas de vidas humanas e comprometimento dos ecossistemas, sempre acompanhados do clamor popular na busca pelos agentes responsáveis.

 As questões formuladas são invariavelmente as mesmas:

  •  A empresa envolvida no acidente possuía Licença Ambiental?
  • Quem elaborou os Estudos de Impacto Ambiental?
  • Qual foi a entidade responsável pela concessão/renovação da Licença Ambiental?
  • Quais as condicionantes contidas nas Licenças Ambientais?
  • As condicionantes foram cumpridas adequadamente?
  • Qual o valor total dos prejuízos?
  • Os danos ambientais são mitigáveis ou são extremamente graves, ensejando a aplicação de sanções mais severas à luz da Lei n.º 6.905/98 (Lei dos Crimes Ambientais)?
  • O acidente gerou algum passivo ambiental que deverá ser monitorado de forma a evitar a disseminação e intensificação dos danos ambientais no futuro?

 Em outras palavras podemos confiar nos Estudos de Impacto Ambiental como instrumento para um licenciamento ambiental correto e eficaz?

 Essa questão é fundamental uma vez que as eventuais falhas ou inconsistências presentes no Estudo de Impacto Ambiental podem permitir o surgimento de desequilíbrios nocivos aos interesses da sociedade e à proteção dos ecossistemas.

 Sendo assim, os advogados deveriam considerar se os Estudos de Impacto Ambiental são elaborados corretamente no Brasil, resguardando os interesses das empresas por eles representadas.

 Até que ponto a simples existência de um processo de licenciamento ambiental, amparado no necessário Estudo de Impacto Ambiental, é garantia de segurança e tranquilidade?

 Para melhor compreensão das dimensões do problema podemos tomar como exemplo o processo de fusão ou de aquisição entre indústrias.

 Imaginemos que uma das indústrias envolvidas não possui um Estudo de Impacto Ambiental confiável, uma vez que foi executado com diversas falhas e inconsistências que, em geral, não compõem o conhecimento técnico dos advogados.

 Nesse exemplo há o risco de se concretizar o processo de fusão ou de aquisição entre as indústrias sem a necessária segurança ambiental.

 Assim, poderemos “comprar gato por lebre”, uma vez que a empresa pode estar em operação sem a necessária adequação à legislação ambiental vigente.

 Em outras palavras a indústria em nosso exemplo pode se encontrar em uma posição delicada, operando sem conformidade com as normas legais, o que poderia ser comprovado a partir da ocorrência de problemas tais como:

  •  Emissão de poluentes acima do percentual indicado no EIA e autorizado pela respectiva licença ambiental;
  • Formação de um passivo ambiental cuja recuperação seja extremamente onerosa;
  • Processos produtivos ultrapassados;
  • Geração excessiva de resíduos;
  • Consumo elevado de água, energia e recursos naturais, etc.

 O resultado final dessa combinação de problemas são os custos econômicos e a redução da participação no mercado consumidor em decorrência dos danos à imagem da indústria perante seus consumidores;

Outro exemplo poderia ser construído.

 Imagine um grave acidente vinculado ao vazamento de petróleo em uma plataforma que opera em alto mar.  O acidente contaminou as praias, comprometeu a biodiversidade local e trouxe consideráveis prejuízos à atividade turística na região afetada (queda de ocupação dos hotéis, etc.).

 Um advogado que foi contratado para defender os interesses de dezenas de hotéis, prefeituras que sofrem com os danos à imagem e redução da arrecadação de tributos, ong’s, etc.

 A empresa proprietária da plataforma acidentada alega que possui a licença ambiental para efetuar as operações de extração de petróleo em alto mar.

 Será que o advogado deveria confiar cegamente na exatidão do EIA ou seria mais interessante conhecer previamente as falhas e inconsistências mais comuns associadas ao processo de licenciamento ambiental aqui no Brasil?

 A resposta a essa questão e as aspectos que devem ser observados pelo advogado podem ser encontradas em um estudo desenvolvido em 2004 pela 4ª Câmara de Coordenação e Revisão do Ministério Público Federal intitulado “Deficiências em Estudos de Impacto Ambiental: Síntese de uma Experiência”.

 Trata-se de um livro de pequenas dimensões (apenas 48 páginas), mas com enorme contribuição para ampliar nossa compreensão acerca das deficiências dos Estudos de Impacto Ambiental e, por tabela, dos processos de licenciamento ambiental desenvolvidos no país.

 Não pretendo detalhar as principais deficiências encontradas pelos profissionais da 4ª CCR/MPF, pois considero que todos os interessados na temática ambiental deveriam conhecer o trabalho realizado e as justas ponderações do Ministério Público Federal no sentido de aperfeiçoar os Estudos de Impacto Ambiental realizado no Brasil.

 No trabalho em comento foram analisados os respectivos EIA/RIMA de empreendimentos de grande porte, tais como: rodovias, usinas hidrelétricas, complexos turísticos, hidrovias, gasodutos, minerações, distritos industriais, ferrovias, portos, eclusas, transposição de água de rios, aterros sanitários, pontes e barragens.

  Procuraremos destacar apenas aqueles pontos que nos parecem ser os mais interessantes para compreensão do problema e suas dimensões:

 1)     O licenciamento ambiental conduzido pelos órgãos ambientais estaduais apresenta diferenças com relação às etapas estabelecidas pelo IBAMA.

 2)     Os EIA não guardam consonância com os Termos de Referência e, em alguns casos, as exigências contidas nos TR’s foram desconsideradas.

 O chamado Termo de Referência (TR) é um roteiro que procura delimitar os recortes temáticos que deverão ser contemplados nos estudos e avaliações de impacto de um projeto, sendo uma exigência comum do IBAMA e de outros órgãos licenciadores estaduais.

 3)     Em alguns casos o objeto associado ao projeto em analise não está suficientemente explicitado, principalmente naqueles casos onde temos diversos subprojetos interdependentes.

 4)     Há casos nos quais o EIA não apresenta alternativas tecnológicas para análise comparativa, o que configura o descumprimento dos incisos I e II do art.5º da Resolução Conama n.º 237/97.

 Além disso, naqueles casos onde são apresentadas as alternativas tecnológicas (ou locacionais) estas são reconhecidamente inferiores ou inexequíveis, impedindo uma análise correta, isenta e criteriosa.

 5)     As áreas de influência dos projetos não são definidas de modo adequado, dificultando  a determinação dos espaços onde incidirão os programas de mitigação ou compensação.  A título de exemplo destacamos:

  •  As bacias hidrográficas são desconsideradas;
  • As áreas de influência são delimitadas sem alicerce nas características e vulnerabilidades dos ambientes naturais e nas realidades sociais regionais.

Estas constatações representam descumprimento do inciso III, art. 5º da Resolução Conama n.º 237/97.

  •  Quanto ao diagnóstico ambiental foram identificadas as seguintes inconsistências:
  •  Prazos insuficientes para realizar as pesquisas de campo;
  • Caracterizações baseadas em dados secundários, antigos e desatualizados;
  • Insuficiência de informações quanto à metodologia utilizada;
  • Propostas para execução de diagnósticos APÓS a concessão da licença;
  • Meio Físico e Biótico caracterizados a partir de mapas em escala inadequada ou com ausência de informações;
  • Ausência de mapas temáticos;
  • Ausência de dados que contemplem um ano hidrológico, no mínimo, o que pode resultar em graves problemas e risco elevado de acidentes ambientais em projetos de usinas hidrelétricas;
  • Apresentação de informações inexatas ou contraditórias;
  • Deficiências nas amostragens utilizadas nos estudos;
  • Caracterização incompleta de águas, sedimentos, solos, resíduos, ar, etc.
  • Desconsideração da interdependência entre precipitação e escoamentos superficial e subterrâneo;
  • Ausência ou insuficiência de dados quantitativos sobre a vegetação;
  • Ausência de dados sobre organismos de determinados grupos ou categorias;
  • Ausência de diagnósticos de sítios de reprodução e de alimentação de animais;
  • Conhecimento insatisfatório dos modos de vida de coletividades e de suas redes intercomunitárias;
  • Ausência de estudos acerca do patrimônio cultural;
  • Caracterizações socioeconômicas regionais genéricas, não articuladas às pesquisas locais;
  • Não identificação de determinados impactos;
  • Identificação parcial de impactos;
  • Identificação de impactos genéricos;
  • Identificação de impactos mutuamente excludentes;
  • Tendência à minimização dos impactos negativos e à supervalorização dos impactos positivos;
  • Raramente são desenvolvidos estudos acerca da cumulatividade e da sinergia dos impactos;
  • Proposição de medidas mitigadoras que não são adequadas para solucionar os problemas encontrados;
  • Identificação de medidas mitigadoras pouco detalhadas;
  • Ausência de avaliação da eficiência das medidas mitigadoras propostas;
  • Não incorporação ao EIA das propostas desenvolvidas pelos grupos sociais afetados;
  • Ausência de proposição de programa de monitoramento de impactos específicos;
  • Prazos de monitoramento incompatíveis com as épocas de ocorrência dos impactos.

 Estas constatações representam descumprimento do art. 6º da Resolução Conama n.º 237/97.

 7)     Quanto ao Relatório de Impacto Ambiental (RIMA), documento que deve acompanhar o Estudo de Impacto Ambiental (EIA), foram identificadas as seguintes falhas/inconsistências:

  •   O RIMA é um documento incompleto;
  • A linguagem utilizada é inadequada à compreensão do público leigo;
  • Há distorção de resultados do EIA para minorar os impactos negativos;
  • Os resultados decorrentes das Audiências Públicas não são corretamente incorporados ao RIMA.

 Estas constatações representam descumprimento do art. 9º da Resolução Conama n.º 237/97.

 Conclusão:

O rol de falhas e inconsistências identificadas pela 4ª CCR do Ministério Público Federal é inconcebível, quer no que concerne ao seu quantitativo, quer no que tange ao aspecto qualitativo.

A situação, da forma como está retratada, aponta para um processo de licenciamento ambiental fragilizado, reduzindo nossas chances de promovermos o desenvolvimento sustentável.

A presença das tantas inconsistências significa que pontos negativos presentes nos projetos estão sendo minimizados, permitindo a sua aprovação e conclusão do licenciamento a despeito dos reais impactos negativos sobre os ecossistemas.

As inconsistências detectadas são muito graves e devem ser consideradas pelos advogados e respectivas empresas representadas, uma vez que a existência do EIA constitui, infelizmente, mais um fator de risco do que uma garantia de confiabilidade quanto aos processos produtivos.

Os perdedores somos todos nós, uma vez que não há nenhuma garantia de que os projetos estejam sendo analisados de forma isenta, transparente e alicerçada em estudos técnicos de qualidade.