No dia 26 de setembro o deputado federal Eduardo da Fonte (PP/PE), presidente da Comissão de Minas e Energia do Congresso Nacional, encaminhou o Projeto de Lei n.º 6.441/2013 que cria, no âmbito do Comitê de Monitoramento do Setor Elétrico (CMSE), o Conselho de Empreendimentos Energéticos Estratégicos (CNEE).
O referido conselho deverá analisar e decidir, em última e definitiva instância, o licenciamento dos empreendimentos do setor elétrico que sejam considerados estratégicos para o Brasil.
A composição do conselho contaria com um representante da Câmara dos Deputados e um representante do Senado Federal, além dos ministros da Casa Civil da Presidência da República, das Minas e Energia, da Justiça, do Meio Ambiente e da Cultura.
O intento, além retirar responsabilidades ambientais do IBAMA, IPHAN e da FUNAI, “poderá dispensar oitiva” dos mesmos, deixando para o futuro a criação de regras e funcionamento.
Atualmente o processo de licenciamento ambiental cabe aos órgãos ambientais estaduais ou ao IBAMA, no caso de empreendimentos de grande porte, capazes de afetar mais de um estado, o que costuma ser a regra no setor de energia.
Além dos órgãos de meio ambiente na esfera estadual e federal, devemos considerar a participação de órgãos auxiliares tais como as autarquias que cuidam de áreas protegidas ou do patrimônio histórico e precisam dar um parecer sobre a obra, caso ela afete sua área de atuação.
Assim, o processo de licenciamento tem uma conotação multidisciplinar desde a elaboração dos Estudos de Impacto Ambiental (EIA), inclusive com ampla participação social por ocasião das audiências públicas, até a garantia de participação de entidades tais como a FUNAI, o Iphan, etc.
Uma proposta tão equivocada deve ter uma justificativa muito consistente. Analisando a proposta vemos que, infelizmente, o nobre deputado não foi feliz em suas análises…
A justificativa do Projeto de Lei aponta para três aspectos importantes:
a) O Brasil precisa crescer e se desenvolver para permitir o resgate de nossa imensa dívida social;
b) Nosso povo precisa de energia elétrica barata;
c) Existem entraves e indefinições no processo de licenciamento de empreendimentos elétricos que trazem demora injustificada, exigências burocráticas excessivas e decisões pouco fundamentadas.
Bem, este projeto me parece equivocado já na sua origem, pois contraria frontalmente aspectos legais associados ao processo de licenciamento ambiental (Lei n.º 6.938/81 e Resolução Conama n.º 237/97).
Além disso, o Projeto de Lei desconsidera o texto constitucional, em especial no que concerne ao seu artigo 225:
“Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá- lo para as presentes e futuras gerações.
§ 1º – Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao Poder Público:
(…)
IV – exigir, na forma da lei, para instalação de obra ou atividade potencialmente causadora de significativa degradação do meio ambiente, estudo prévio de impacto ambiental, a que se dará publicidade;
V – controlar a produção, a comercialização e o emprego de técnicas, métodos e substâncias que comportem risco para a vida, a qualidade de vida e o meio ambiente;”
Mais do que a legislação ambiental este Projeto de Lei afronta o bom senso na medida em que enfraquece o licenciamento ambiental, uma conquista da sociedade que demandou décadas de trabalho árduo.
Para melhor compreensão desse tema faço uma breve retrospectivo do movimento ambientalista e suas conquistas, dentre as quais o licenciamento ambiental e o desenvolvimento sustentável.
O movimento ambientalista ganhou força e notoriedade na década de 70, quando a Organização das Nações Unidas (ONU) entendeu necessário inserir a temática ambiental na agenda econômica e política dos países, evitando o crescimento desordenado e a crescente geração de impactos nocivos, tais como a poluição e o comprometimento de nossos recursos naturais.
A partir desse entendimento inicial foi criado o espaço político para a realização da Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente (Estocolmo – Suécia, 1972), um verdadeiro marco divisório que permitiu o desenvolvimento de diversas ações em defesa do meio ambiente e de seus recursos naturais.
Dentre os avanços mais notáveis podemos destacar o surgimento da noção do “Desenvolvimento Sustentável”, permitindo a busca racional do desenvolvimento socioeconômico dos países, necessário para garantir o sustento de bilhões de pessoas, desde que o mesmo estivesse atrelado à imprescindível proteção ao meio ambiente.
O Brasil também foi objeto de profundas transformações na área ambiental, inclusive com o progressivo desenvolvimento de uma legislação ambiental ampla, complexa e rigorosa, tida como uma das mais completas do mundo.
No que concerne à busca pelo desenvolvimento sustentável o Brasil, a exemplo de inúmeros outros países, instituiu a obrigatoriedade de elaboração do denominado processo de licenciamento ambiental para todos aqueles empreendimentos cujo porte e dimensões sejam potencialmente impactantes ao meio ambiente (Resolução Conama nº 237/97).
De acordo com a citada Resolução do Conama o Licenciamento Ambiental pode ser definido como sendo:
“o procedimento administrativo pelo qual o órgão ambiental competente licencia a localização, instalação, ampliação e a operação de empreendimentos e atividades utilizadoras de recursos ambientais, consideradas efetiva ou potencialmente poluidoras ou daquelas que, sob qualquer forma, possam causar degradação ambiental.”
Desta forma podemos dizer que o processo de licenciamento ambiental estará sempre amparado na realização de estudos técnicos ambientais multidisciplinares detalhados que permitam identificar e ponderar acerca dos diversos aspectos ambientais relacionados à localização, instalação, operação e ampliação de uma atividade ou empreendimento.
Assim, ao final do processo de licenciamento ambiental, o empreendedor receberá a licença concedida pelo órgão ambiental e poderá operar seu projeto segundo as leis vigentes e condicionantes contidas no licenciamento.
A esse respeito destacamos que a licença ambiental possui algumas particularidades que devem ser observadas:
- Consiste em um ato administrativo;
- O órgão ambiental emitente poderá estabelecer condições, restrições e medidas de controle ambiental que deverão ser obedecidas pelo empreendedor;
- A licença pode ser concedida para instalar, ampliar, modernizar ou operar empreendimentos ou atividades que utilizem recursos ambientais consideradas efetiva ou potencialmente poluidoras ou aquelas que possam causar degradação ambiental;
- Em caso de descumprimento de alguma das condicionantes ou de ocorrência de modificações não autorizadas no projeto inicial, a licença poderá ser cancelada.
O processo de licenciamento ambiental foi concebido e estruturado de modo a garantir maior racionalidade às atividades produtivas, evitando o crescimento econômico desordenado e desarticulado com a imperiosa necessidade de proteger o meio ambiente.
Em outras palavras, buscamos garantir o crescimento econômico equilibrado e em consonância com as necessidades do meio ambiente, sendo essas duas dimensões – economia e meio ambiente – consideradas interdependentes e harmônicas.
Ao contrário do que pode supor o nobre deputado o meio ambiente é o verdadeiro motor da economia e sua proteção garantirá melhores condições de vida e o próprio desenvolvimento socioeconômico do Brasil.
Em outras palavras sem um meio ambiente sadio não teremos condição de garantir e perpetuar um ciclo virtuoso de desenvolvimento.
Conclusão
O Projeto de Lei apresentado é uma tentativa equivocada de enfraquecer o processo de licenciamento ambiental e impedir nosso país de alcançar o desenvolvimento sustentável, colocando por terra todo um esforço articulado que nos custou décadas de muito esforço.
Um país como o Brasil, detentor de megadiversidade, uma economia classificada entre as maiores do mundo e com 12% da água doce do planeta não pode se dar ao luxo de desconsiderar a necessidade premente de proteção ao meio ambiente.
As dificuldades quanto à demora na concessão das licenças ambientais, às exigências burocráticas excessivas e às decisões pouco fundamentadas constituem, realmente, entraves processo de licenciamento.
Quanto a esses aspectos o deputado Eduardo da Fonte (PP/PE), presidente da Comissão de Minas e Energia do Congresso Nacional acertou.
Entretanto, está equivocado na solução proposta…
As dificuldades listadas não podem servir de pretexto para fragilizar o próprio licenciamento ambiental e impedir a construção de um padrão de desenvolvimento mais racional e harmônico no país.
Acredito que a melhor solução consiste em identificamos as reais causas que permitem a demora, a exigência excessiva e a falta de fundamentação criteriosa para, posteriormente, buscarmos alternativas mais racionais.
Por falar em demora do processo de licenciamento devemos considerar aspectos relacionados ao desaparelhamento de muitos órgãos ambientais, seja em termos de equipamentos e infraestrutura, seja em termos de capacitação da sua força de trabalho.
Não seria o caso de fortalecer os órgãos ambientais ao invés de suprimir-lhes a autonomia funcional?